Um dia não basta para homenagear com a eloquência merecida todos aqueles que agora, com um certo tom de desdém, são chamados de Idosos, de Velhos ou por Terceira Idade. É no mínimo lamentável que se esqueça que envelhecer é apenas o culminar de um processo natural, correspondente ao aproximar da última das fases da existência humana, uma fase a que nenhum de nós escapa. Com a particularidade de nas últimas décadas o envelhecimento, sobretudo devido aos desenvolvimentos da medicina e da farmacologia, poder equivaler a anos ou décadas de vida.
Os idosos são, em muitos casos, pessoas activas e, não raramente, a ausência de actividade, para quem sempre foi activo, poderá ser um elemento catalisador de alguns problemas que mais tarde ou mais cedo, associados a outros, podem ser fatídicos. Do mesmo modo, encarar a velhice como uma doença será transformar os nossos idosos em meras máquinas nem sempre operacionais que para funcionarem se sentem dependentes dos médicos, dos laboratórios farmacêuticos, dos cuidadores ou dos lares. Com frequência o idoso só não é activo se não for chamado a intervir, se for tacitamente ignorado. É então que várias questões se colocam: Quando nos tornamos idosos? Na idade da reforma? Quando diminuem as nossas faculdades? Questões para as quais não se obtêm respostas objectivas, pois o mais importante é a própria experienciação da velhice.
Se a velhice não é uma doença o avançar da idade surge associada a muitas doenças. No idoso a dor, para além das maleitas próprias da idade e das características de cada indivíduo é, em parte, reflexo do abandono e incapacidade de fazer coisas que outrora eram rotineiras. É tantas vezes a dor da angústia, perante a fragilidade e a dependência e perante a incapacidade de adaptação ao novo período da vida. O fim da vida associado ao envelhecimento requer, por conseguinte, uma atenção redobrada junto da pessoa idosa, tantas vezes uma quase constante presença dos familiares ou outros de cuidadores. No nosso concelho, como em qualquer outro lugar, urge preparar esta fase da vida, o que em primeira instância nos implica a todos directamente e envolve igualmente todos aqueles que mais directamente nos rodeiam.
Ao contrário do que muitos especialistas e políticos nos fazem acreditar as ditas modernas sociedade ainda não passaram da mera depreciação da velhice para o elogio da velhice. Uma verdade persiste, o idoso continua a ser um cidadão, aliás, neste caso com a vantagem de possuir saber e experiências acumuladas, conhecimentos que poderá partilhar com os restantes grupos etários. Assim sendo, numa sociedade pluralista como a nossa, é cada vez mais um imperativo dignificar a presença do cidadão idoso em sociedade, nomeadamente através da promoção da sua maior integração e da sua plena aceitação, como exemplo da diversidade de vivências e da partilha de experiências inter-geracionais.
Estas palavras ganham maior peso quando expostas a dados estatísticos. O Censo realizado em 2001 pelo Instituto Nacional de Estatística permite-nos constatar que em Portugal o grupo etário com 65 ou mais anos, corresponde a 16,4% do total da população residente no país. Em termos absolutos, um total de 1 693 493 num universo de 10 356 117 residentes. Este envelhecimento da população portuguesa tem como prováveis justificações adicionais às causas que permitem o aumento da esperança de vida: a diminuição do número de nascimentos e a diminuição do número de nados mortos.
No caso do concelho de Nelas os dados preliminares do mesmo Censo permitem concluir que o grupo etário com 65 ou mais anos corresponde, em valores absolutos, a 2 917 do total de residentes no concelho, para um universo de 14 283. Ou seja, o grupo etário com 65 ou mais anos corresponde a praticamente 20% da população do concelho, cerca de 4% acima da média nacional. Uma percentagem que nos deve a todos preocupar, com especial destaque para os titulares de cargos políticos, à escala nacional e local.
Em prol do progresso as fábricas têm contribuído para a melhoria da qualidade de vida de todos, o reverso é que a progressiva industrialização e terciarização do tecido económico concelhio acelerou o afastamento dos campos. Um processo que, por se processar tão rapidamente, tem reflexos directos no próprio tecido familiar, uma vez que rapidamente os jovens, ao contrário dos seus pais que praticavam, e alguns ainda praticam, uma agricultura de subsistência, adquirem independência económica em relação à família de origem. Muitos deles acabam por conseguir cedo a sua futura habitação e o seu automóvel, e em alguns casos chegam a casar mais cedo do que os seus pais esperariam, ao conseguirem conquistar o seu próprio lugar na comunidade e deixarem de estar fora do jugo familiar. Mas apesar de cedo garantirem a sua autonomia, facilitada pela abertura do mercado de trabalho, muitos são os jovens que não contribuem para o rejuvenescimento do concelho. Outros chegam mesmo a partir para outras paragens à procura de novas e melhoras oportunidades, facto que acentua o envelhecimento das populações de origem.
A família rural, ou que resta dela, é cada vez mais a família nuclear, constituída basicamente por pais e filhos (os que permanecem). Em contrapartida, a família alargada, tantas vezes estabelecida em redor de um patriarca (muitas vezes uma matriarca, basicamente quando viúva), apenas se consegue recuperar através das palavras de um romance. A família fragmentou-se e o nosso concelho não ficou indiferente a essa realidade. O recurso a dados estatísticos permite verificar uma ligeira diminuição do número de residentes no concelho – de 14 618 residentes, em 1991, para 14 162, em 2001 –, diminuição que, curiosamente, não impediu o aumento do número de famílias, feita aqui à custa da diminuição média das famílias. Segundo os Censos 2001, no concelho de Nelas, em 1991 o N.º de Famílias era de 4 737 e em 2001 alcançava 5 170. Por sua vez, a Dimensão Média das Famílias era em 1991 de 3,1, valor esse que em 2001 desceu para um preocupante 2,7.
Em suma, os dados demonstram que, apesar de ter sido registada uma diminuição do número de residentes no decorrer de uma década, tal diminuição não impediu o aumento do número de famílias, aumento este feito à custa da diminuição do tamanho da família, agora com dificuldades em se reproduzir. A situação é preocupante porque pode corresponder a lares em que os filhos partiram e agora apenas se mantém o casal de origem ou mesmo só um dos membros do casal, no caso do outro membro ter já falecido. Mas se os mais jovens querem manifestar a sua independência face aos restantes membros da família, por isso partem em busca dessa independência, os mais idosos dão-se conta da progressiva perda de autonomia, sobretudo porque o avançar da idade trouxe consigo algumas das doenças associadas, no que se faz sentir grandemente na perda de mobilidade.
Foi assim que a família outrora alargada deu lugar a maior número de famílias mas com menos membros. Aos idosos resta, em muitos casos, a solidão e a partilha de quotidianos com os seus vizinhos. Restam igualmente os lares, onde, se é certo que muitos podem viver dias felizes, também é certo que não estão ao dispor da grande maioria das famílias. Na comemoração do Dia Internacional do Idoso não deixo de prestar o meu sentido reconhecimento pelo importante papel social desempenhado pela Associação Cultural e Recreativa do nosso Folhadal, desta vez pelo seu contributo na dignificação do idoso na sociedade portuguesa, em geral, e na comunidade local, em particular. Mais uma vez um exemplo a seguir.

José Gomes Ferreira

publicado por José às 13:34