O ano de 2003 pode em boa verdade ser classificado como o ano de todos os sofrimentos. No plano internacional, sem ignorar os efeitos da crise económica e a segunda guerra do Iraque, que culminou com a ida de soldados da GNR para aquele país, foi marcado por graves acontecimentos. Um dos mais importantes acontecimentos foi a pneumonia atípica, que afectou principalmente a grande China e o Canadá. Entretanto, a maré negra provocada pelo afundamento do petroleiro Prestige na Galiza prosseguiu os seus efeitos, chegou mesmo a afectar a costa francesa, sendo certo que sem o problema resolvido o futuro continua incerto. No fechar do ano merece ainda todo o destaque um acontecimento dramático. Falo com tristeza do sismo que derrubou uma cidade inteira no Irão (Bam), em resultado do qual milhares de vidas se perderam - as estimativas apontam para 40 mil mortos. Aos leitores não sei, pessoalmente os sismos causam-me pavor e num caso desta amplitude mostram que o homem pouco é face ao poder imenso da natureza, resta a esse mesmo homem criar as condições para que o sofrimento seja o menor possível. Nesta matéria Portugal esquece que está numa região de risco, por isso cada dia é um dia de aflição.
Outro destaque do plano externo vai, não para um acontecimento como os restantes mas, para um problema do foro meramente político, falo das alterações climáticas e da assinatura ou não pelos EUA e pela Rússia do chamado Protocolo de Quioto sobre a mesma matéria. Se os leitores pensam que a questão pouco tem de relevante estão muito enganados, sobretudo porque não é apenas um questão ambiental, é a prova provada que o ambiente atravessa todas as esferas. O nosso país parece nestes últimos meses ter despertado para o problema, a Confederação da Indústria Portuguesa tem-se mostrado preocupada com as prováveis falências nas indústrias, pois se as empresas não conseguem reduzir as emissões, porventura porque não têm meios para o fazer, a “solução” será o encerramento. O Governo parece também ter despertado. Seja como for, o problema mais grave nem é o da indústria (de tão pouca que é), são bem mais graves os efeitos do trânsito das grandes cidades e o desordenamento do território (para não falar nos malditos efeitos do confortável ar condicionado). No caso português o que é mais grave é que as emissões previstas em Quioto já foram ultrapassadas, sabem qual vai ser o remédio? Entrar no mercado de emissões. Sabem quem vai pagar tudo isso? Nós todos. Andou o país a poupar o que não tinha para em Janeiro de 2005 começar a pagar pelo que não fez.
Em 2003 a nível interno diversas temáticas atravessaram a sociedade portuguesa, destaco em primeiro lugar a crise dos nitrofuranos, um caso suscitado pela vontade de alguns empresários avícolas apostados em retirar o máximo de lucros das suas explorações, sem se preocuparem com os mais que prováveis efeitos sobre a saúde pública. Este foi um caso que chegou a envergonhar Portugal perante a União Europeia e a deixar cada vez mais o consumidor em dúvida sobre que produtos consumir. Felizmente nestas situações muito se fala em agricultura biológica, agricultura de protecção integrada, ou rótulos como o de denominação de origem, ainda muito embora não se assumam totalmente como alternativas, perante a impossibilidade de satisfazerem um mercado de massas, pelo menos alertam para a necessidade de se mudar as práticas e os hábitos de consumo, ainda que o preço a pagar na hora seja maior, mas a saúde de cada um agradece.
Logo após a polémica dos nitrofuranos um outro acontecimento levou a destruição e morte a muitas famílias portuguesas, provavelmente numa escala nunca imaginada. Estou a falar dos incêndios que sensivelmente a partir de 29 de Julho reduziram a nossa floresta praticamente a cinzas, num primeiro momento no Centro do país e no Alentejo, vindo depois a atingir no Algarve. Entre as causas mais prováveis estiveram: as naturais, ajudadas por elevadas temperaturas, a vaga de calor de que tanto se falou; a mão humana; o progressivo abandono dos campos; o desprezo com que tem sido olhada a floresta nacional, tanto pelos governantes, como pelos empresários florestais e pelo cidadão comum; a falta de coordenação e a falta de meios no combate aos sinistros, com destaque para a inércia funcional resultante da fusão, entre outros organismos, do Serviço Nacional de Bombeiros e do Serviço Nacional de Protecção Civil. Sem se esquecer que a prevenção deveria ter sido a primeira e verdadeira política a seguir, mas o português é bem conhecido por ser o desenrasca, o problema é que a tragédia dos incêndios que afectaram o país no Verão de 2003 não ficou solucionada com a lógica do desenrasca, por conseguinte, apenas sobrou o desespero onde havia dor e destruição.
Sem dúvida que a polémica dos nitrofuranos e a tragédia dos incêndios foram dois factos que estiveram sempre na ordem do dia no momento em que ocorreram, fazendo a abertura dos telejornais ou merecendo honras de primeira página nos jornais. Descendo de escala dois assuntos houve que, muito embora numa escala local, também deram origem a notícias nos meios de comunicação publicados à escala nacional. Refiro-me à larga divulgação que mereceu toda a controvérsia sobre a elevação ou não de Canas de Senhorim a concelho e ao rastreio a alguns dos antigos mineiros da Urgeiriça, motivado pelos prováveis efeitos na saúde da radioactividade das velhas minas. Infelizmente nenhum deles ainda encerrado.
Ao nível estritamente local relembro alguns assuntos que eu próprio a seu tempo agendei e fiz questão de sobre eles falar neste nosso Planalto. É com pesar que afirmo que não imagino o que se passa com o edifício do antigo Ciclo Preparatório, que como disse seria o espaço ideal para instalar o que poderia, ou deveria, ser o Museu Municipal, por nada saber quanto a essa questão nada posso adiantar, pelo que confirmei ainda se encontra à venda. Por certo que ao nível local muito haveria para dizer, basta olhar para a vila, que a cada dia se parece mais com uma cidade mineira do início da Revolução Industrial – poluída e desordenada – matérias que até hoje ainda não abordei, mas nunca é tarde. É o progresso, dizem. Estranha ideia de progresso, digo.
Sobre as outras questões, para não me limitar a uma lista exaustiva elejo apenas dois exemplos, acompanhados com fotografias alusivas ao momento em que escrevo o artigo. Os dois exemplos permitem verificar “o que mudou” e “o que permaneceu na mesma” em 2003 no nosso concelho. Têm a virtude de serem exemplos fotográficos e, como é do conhecimento geral, a imagem fala mais alto que algumas palavras e tem maior impacto.
O que mudou em 2003
Se bem se lembram no terceiro trimestre de 2003 tomei a iniciativa de publicar um artigo sobre o escândalo da utilização do campo de tiro como lixeira a céu aberto. Pois bem, as imagens são claras, após a publicação do artigo algo foi feito. A imagem não nos diz mas se forem ao local percebem que foi apenas uma mera intervenção cirúrgica, logo, não preventiva, deixando cicatrizes visíveis por tempo indeterminado, uma vez que o lixo não foi propriamente retirado, mas antes arrastado pela colina abaixo. Mesmo assim é de louvar a iniciativa. O campo de tiro encontra-se agora limpo e com a entrada condicionada, e com uma placa a indicar que é “Proibido vazar entulho”. Todos nós ficamos a ganhar com esse gesto, foi uma vitória da cidadania sobre a apatia. Uma coisa parece já ser certa, teremos de continuar atentos, até pelo que me foi dado observar os prevaricadores estão agora apostados em despejar os detritos noutros pontos, a cerca de meio quilómetro mais acima num troço da estrada velha. Só com a atenção de todos e a aplicação de pesadas multas estes atentados ao que é de todos nós podem terminar.
O que foi ignorado em 2003
Mais uma vez, teimosamente, sem querer acusar ninguém aproveito o poder da imagem para insistir na necessidade de ser condicionada a acção humana numa pequena área que circunda as sepulturas antropomórficas existentes lá para os lados da Rua do Pombal/Largo do Colóquio. As ditas sepulturas podem não ter grande valor nem ser bonitas para os outros, mas para o concelho, de modo geral, e para o Folhadal, em particular, são partes do seu passado que deveriam merecer outra sorte. As imagens são bem explícitas, o que se assiste é um persistente crime contra o nosso passado. Estes não me parecem ser modos sensatos de cuidar do local de repouso dos nossos antepassados mais longínquos. Não culpo quem estaciona praticamente em cima das sepulturas, nem quem sobre elas coloca tijolos, culpo, isso sim, quem nem o espaço limpa, nem tem qualquer ideia em mente para o local, pelo menos a julgar pelas intervenções não levadas a cabo. Por mim – e, penso, pela grande maioria dos habitantes do Folhadal – peço apenas que o espaço seja devidamente cuidado e assinalado, podem até reduzir a faixa de terreno onde estão inseridas, para permitir obter lugares para estacionamento, mas, POR FAVOR, nos metros quadrados que restem façam alguma coisa: coloquem relva, plantem uma árvore, coloquem uma placa identificativa, seja o que for, FAÇAM!
Estas foram em síntese algumas das questões em agenda no ano de 2003 nos diversos planos: internacional, nacional e local. Termino com um desejo, que neste novo ano cada cidadão não abdique de participar em todos os processos para que é solicitado ou nos processos em que acha que o deve fazer, que seja capaz de ir para além de protagonismos em conversas de café. Pela minha parte, reconhecendo as minhas limitações e prováveis falhas, estarei sempre disponível para fazer algo mais pela nossa terra. Resta-me desejar a todos que 2004 seja bem melhor que o ano anterior. BOM ANO.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 13:39