SIZE=3 COLOR=330066>Somente quem usa a negação como maneira de estar na vida dirá que o III Rock in Mondego não foi bem organizado, sobretudo tendo em conta a limitação de recursos e os constrangimentos locais. Se esquecermos a questão da escolha das bandas e aquele percalço inicial da quebra de energia, prontamente resolvido, só nos resta reconhecer todo o trabalho desenvolvido. Todos sabem que este tipo de iniciativas envolve muita gente e implica uma enorme coordenação de esforços. Tudo isso funcionou e continuaria a funcionar mesmo com o recinto a abarrotar. Acreditem que nem tudo é ruído, nem tudo é desorganização.
Muito é virar de costas, mesmo ao feito bem feito, mesmo ao que é nosso, sobretudo ao que deveria ser assumido como nosso. Assim é fácil apontar o dedo, assim é fácil colocar rótulos quando se esperaria ver reforçadas virtudes. Talvez por isso o público não tenha aderido em massa como seria desejável, embora vários factores tenham sido determinantes para este facto. Não entendo a resistência da população a uma causa que deveria ser comum, sei que nem toda a gente é obrigada a aderir à sagração do ruído, todavia, ficaria bem a adesão a uma iniciativa local. Se o festival foi organizado por um grupo de jovens da terra não se entendo o motivo de nem os próprios pais terem aderido. Pergunto-me, foi por falta de orgulho nos filhos ou por não acreditarem na sua capacidade de realização? Pois, gostando ou não das bandas em palco, esta iniciativa cria raízes, pode muito bem transformar definitivamente estes rapazes e esta terra.
Não podemos esquecer o facto da hora tardia dos espectáculos não facilitar a mobilização dos mais velhos. E uma coisa leva a outra, quer se queira quer não, muitas famílias condicionam as habituais saídas dos seus filhos. Não me cabe a mim criticar as estratégias famílias, no entanto, assim vistas as coisas, realizado a altas horas o festival correu o risco de ser deixado a uma minoria. Ou se quiserem, para uma imensa minoria, tal era o lema de uma rádio alternativa que deixou saudades. Podemos alinhar ao lado destas desculpas uma lista de várias outras, todavia, o principal motivo não é nenhum desses.
Não precisamos de ser críticos de música para concluir que o festival repetiu alguns erros antigos na escolha das bandas, com a agravante de colocar em cena bandas que já tinham deixado claro que não se enquadram com a ideia de evento temático capaz de chegar ao máximo de pessoas e numa comunidade em transição geracional como é a nossa. A salvar a noite estiveram os BedNoise, a única banda como uma actuação verdadeiramente séria e audível. Todos sabemos que os gostos não se discutem e que as diferentes gerações têm gostos e práticas que as distinguem, sabendo tudo isso, deveria ter sido dada especial atenção à escolha do cartaz para este III Rock in Mondego. Uma escolha tão elitista parece querer insinuar que o rock se fecha numa única tendência e que é apenas sinónimo de juventude (se fossem alguns ritmos de electrónica ainda poderíamos ponderar essa possibilidade). Que fique claro: primeiro, o rock não nasceu hoje; segundo, o festival não foi organizado por meia dúzia de pessoas para seu belo prazer, se assim fosse mais valia adquirem gravações das bandas presentes ou então fazerem os espectáculos lá em casa.
Surgem estes últimos comentários a propósito de actuações de um rock que nada nos mostra de novo, apenas serve para curte de alguns e horror da maioria. Pior ainda, não justifica que parte da população perca indevidamente o sono por causa deles. É preocupante esta ideia de rock, como se fosse a exaltação do todo e do nada, ou então, se quisermos, como se fosse unicamente prazer, alienação, devassa e provocação. Em próximas edições o melhor é organizar-se uma brigada anti-mosh para evitar que bandas como estas tenham o prazer de subir ao palco em expressões que invadem as franjas do inaudível e do ridículo. A organização que não me leve a mal, mas esse tipo de intervenções faz sentido em contextos mais fechados, não numa festa do rock em que se quer envolver toda a comunidade. Estas escolhas ficariam bem, como digo acima, numa festa privada.
É importante que não nos esqueçamos que organizar um festival de rock é, também, celebrar a vida, em família, em comunidade, em amizade. Esta deveria ser a festa da música, pelo menos de uma das suas expressões mais marcantes. Deveria por isso ter uma escolha capaz de se enquadrar nesse espírito. Em jeito de apreciação geral cabe acrescentar que temos, desde já, uma garantia: fica trabalho realizado, fica, igualmente, demonstrada a capacidade de iniciativa, tal como ficam as portas abertas para que no futuro a nossa terra e as nossas gentes vejam o seu trabalho reconhecido. Naturalmente que os aspectos menos conseguidos devem ser afinados, o que nos implica a todos.
Finalizo este meu artigo dedicado ao III Rock in Mondego com palavras de esperança. Desejo que a lição que se tem tirado destas três organizações resulte em bons frutos na organização do próximo festival. Seria desejável conseguir o apoio da autarquia e das ditas forças vivas da região: olhem para estes jovens e estas iniciativas como propulsores da mudança, façam o que estiver ao vosso alcance para os apoiarem, diria mais, façam o favor de estar atentos. Por exemplo, não sou o único a ver com bons olhos a integração deste festival na Semana Cultural de Nelas, basta que para tal a autarquia e os mecenas se mostrem interessados. Fica lançado o repto a todos.