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Quarta-feira, 05 / 01 / 05

O que o Planalto não publicou sobre a corte dos pinheiros da Mata do General

Do último artigo que escrevi para o Planalto fazia parte uma caixa sobre a permuta que levou ao corte sem sentido dos pinheiros da Mata do General, não questiono os critérios editoriais, seja como for a população tem o direito de estar informada. Além do mais penso não ter dito nada indecente, sei bem qual o meu lugar. Fica o registo:


" O negócio da Mata do General
Quando se pensava que o derrube dos pinheiros da Mata do General se ficava a dever à construção da avenida eis um dado novo, que o rasgar da avenida expôs, a Mata serviu apenas como moeda de troca do terreno vizinho. Num negócio em que autarquia se deu ao luxo de ser ela própria a vender publicamente os pinheiros, facto que pode no futuro permitir que o local seja desclassificado de zona verde. É uma VERGONHA Sr. Presidente. Deveria ter o bom senso de pedir desculpas públicas às populações, pois fez tudo sem as consultar e sem respeitar os seus anseios.
Tão grave com o processo presente é a incerteza do futuro, sobre o qual várias questões surgem. Como se vai repercutir esse negócio no PDM? Será que a outrora zona verde vai dar lugar a uma zona urbanizável? Uma coisa devemos garantir, como cidadãos, vamos ficar alerta. Terá de haver maneira de travar a mais que provável urbanização daquele terreno nos próximos anos".

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José Gomes Ferreira
publicado por José às 13:58
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Ícones da nossa região

Embora sejam autênticos ícones da nossa região e testemunhas da nossa história agrária são praticamente esquecidas por quem de direito e desconhecidas dos olhares de muitos.

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Não sei se ainda estão em uso, a julgar pelo estado do edifício identificado como sendo da Federação de Vitivinicultores do Dão não parece. Curiosamente situam-se paredes meias com a autarquia.

Orca ou anta do Folhadal
Embora para lá chegar seja um martírio, pois onde antes havia um caminho rural agora nem uma caminho de cabras existe, continua a ser um dos monumentos mais emblemáticos da nossa terra. Seria bom que autarquia se desse conta da sua importância.

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O pelourinho
Naturalmente que um dos símbolos mais representativos da nossa terra é o nosso pelourinho. Simboliza a atribuição por D. Dinis do foral a 26 moradores desta terra.

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Simboliza por isso, não apenas o poder civil, como também a união destas gentes que se tem perpetuado durante séculos e séculos.

O Buraco da Moira
Símbolo de lendas sobre a Moira encantada é o Buraco da Moira (ou Buraca), cuja história oral caso não esteja colocada por escrito pode muito bem ter-se perdido, pois, ao que parece, está a perder-se na tradição oral.

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Espero o contributo da vossa parte para se recuperar essa lenda.

Marco geodésico
Embora as pessoas pouco saibam sobre ele sempre demonstraram um enorme respeito pelo nosso marco geodésico, só é pena que a área adjacente esteja cada vez mais a ser atropelada pelo fervor da construção.

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A Capela de Nossa Senhora da Tosse
Símbolo da fé das nossas gentes é a Capela da Nossa Senhora da Tosse, com uma história cheia de quotidianos de uma extrema riqueza.

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Outrora lugar de romarias onde as gentes das localizades vizinhas se reencontravam não apenas na fé mas momentos de sociabilidades muito simbólicas, apenas reproduzidos em cada procissão e na eventual ida à feira mensal.
A história da construção da capela nesta terra e com aquele posicionamento é quase uma verdadeira lenda que aos poucos será por todos desvendada, desde que colaborem.
publicado por José às 13:53
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

O urânio da Urgeiriça e o restabelecimento do concelho de Canas de Senhorim

Perdoem-me as gentes humildes de Canas de Senhorim, mas penso que o Movimento que as representa e que tem como motivo para existir o restabelecimento do concelho na localidade está a seguir uma estratégia errada e está a usar argumentos errados para o fazer. Como resultado todos atacam o Sr. Presidente da República Jorge Sampaio, parece não bastar o movimento político, e todos são orientados para manifestações que em nada beneficiam o movimento, sobretudo quando se ouve o seu líder, curiosamente também Presidente da Junta de Freguesia Local, afirmar que “podiam ter incendiado os camiões do urânio”, o que seria uma tragédia para a região de Viseu. Perdoem-me é uma afirmação apenas aceitável na efervescência do conflito, caso contrário não passa de uma quase ameaça terrorista, seja como for, é inconsciente.
Penso ser mais do que tempo do movimento escolher outro alvo, como várias vezes tenho referido, enquanto movimento social é um caso exemplar, pela união das populações em torno de uma causa própria. Deve ser para elas um grande orgulho. Apesar de tudo isso também tem defeitos, um dos mais óbvios é esta insistência no ataque ao Sr. Presidente da República, pelo veto da elevação da localidade a concelho. É mais do que tempo de tudo isso ficar para trás, caso contrário o movimento esgota-se. Vivemos um momento pré-eleitoral, totalmente à margem do cargo do Dr. Jorge Sampaio, por conseguinte, se alguma coisa o movimento deseja alcançar deve ser dirigido aos partidos, até porque são eles que no futuro podem votar ou não a elevação da localidade a concelho. Apesar de ser pública a minha opinião sobre essa matéria não podia deixar de me pronunciar sobre toda esta luta, com todo o respeito que me merecem as populações, quer sejam de Canas de Senhorim, de Nelas ou outra localidade.
publicado por José às 13:49
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Finalmente...

Embora com critérios estéticos muito duvidosos parece que finalmente a autarquia ou a Junta de Freguesia estão a cuidar a sepultura antropomórfica do Colóquio.

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Não percebo porque cortaram a oliveira, será que não percebem que as árvores também fazem parte do nosso património?

publicado por José às 13:49
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

“Será Nelas pior do que Resende?” esboço de resposta (in Planalto Novembro de 2004)

Cumpro nas palavras que se seguem o dever que me assiste, o de dar resposta aos leitores do nosso Planalto quando qualquer dúvida se levante face a algum dos meus artigos. Naturalmente que o faço com o maior gosto e com esperança de esclarecer as dúvidas não apenas do Sr. Jorge Gonzalez Esteves como as de outros leitores. Para o fazer recupero o que afirmei no artigo “Qualidade de vida nos municípios do distrito de Viseu”, o qual teve por base o estudo realizado no âmbito do Observa (ISCTE/ICS-UL), denominado “Municípios, Sustentabilidade e Qualidade de Vida: Contributos para a construção de um sistema de indicadores de monitorização da qualidade de vida nos municípios portugueses (Continente)”.
Reconheço que para os leitores as questões teóricas e metodológicas do estudo são aspectos de menor importância para o entendimento dos resultados. Eles desejam sobretudo ver retratado o seu concelho e explicados os motivos da posição que eventualmente ocupem. Mas, na minha opinião, mais importante que classificar e hierarquizar os concelhos é perceber os motivos que possam contribuir para essa classificação. Relembro que o país não é propriamente um exemplo no que se refere à recolha, tratamento e divulgação de dados. O estudo sofreu, infelizmente, esses constrangimentos, com a agravante de tratar os dados numa escala a que muitas entidades públicas ainda não se habituaram – a escala concelhia. O estudo constitui um pontapé de saída, quem sabe também para as entidades públicas terem como prática a recolha e tratamento dos seus próprios dados nessa escala concelhia. E esse pontapé de saída não pode, nem deve, ficar-se por aí, implica continuidade, a qual tem como principal barreira a atribuição de financiamentos, uma vez que implica um longo trabalho de uma equipa e por vezes implica, curiosamente, ter de pagar os dados às entidades públicas.
Entendo bem a preocupação do Sr. Jorge Gonzalez Esteves. Uma preocupação que vem, aliás, na sequência de idênticas dúvidas publicadas em diversos meios de comunicação social ou directamente remetidas ao Observa, pois cada um quer ver o seu concelho na melhor posição. Não sei se se recordam mas, após o estudo ter sido apresentado publicamente, a TVI numa das suas notícias bombásticas apresentou Manteigas como a localidade com maior qualidade de vida no país. Nesse caso não me parece que os seus habitantes concordem, nem o estudo nos diz isso. Que me desculpem os leitores pela frontalidade, mas só uma leitura superficial dos dados nos conduz a essas conclusões. Relativamente ao meu anterior artigo, uma das questões susceptíveis de suscitar discussão resulta dos critérios que eu próprio adoptei. Na altura, pela natural extensão e dificuldade em interpretar os dados na sua totalidade optei por falar apenas sobre o posicionamento síntese de cada um dos concelhos do distrito de Viseu. A leitura assim feita coloca, de facto, os concelhos de Nelas e Resende na mesma posição (a par de Viseu e Mangualde).

Objectivos estratégicos Domínios de observação

Objectivos estratégicos 1 Preservar capital natural e paisagístico
Ocupação e uso do solo
Actividades económicas
Rendimento e consumo
Participação, integração e cultura


Objectivos estratégicos 2 Preservar capital humano e social População e famílias
Saúde
Habitação e vizinhança
Transportes e telecomunicações
Mercado de trabalho

Objectivos estratégicos 3 Capacitar capital humano e social Educação e formação
Mercado de trabalho
Participação, integração e cultura

Ao refinar-se a análise dos dados pelos mencionados Objectivos Estratégicos verificamos que o concelho de Nelas surge relativamente bem posicionado em cada um dos 3 objectivos, sobretudo no Objectivo estratégico 3 – Capacitar capital humano e social. Quanto a Resende, apesar de ter idêntico posicionamento a Nelas nos dois primeiros Objectivos estratégicos, surge mal posicionado nesse mesmo Objectivo estratégico 3. É aqui que se reflectem as diferenças entre os dois concelhos, aliás Resende obtém um dos piores posicionamentos em todo o distrito neste Objectivo estratégico. Veja-se o quadro para melhor se perceber onde estão as diferenças, a ele adiciono alguns dados do estudo. Compare-se depois o que é esquematizado no quadro com os indicadores utilizados neste Objectivo estratégico, distribuídos pelos vários momentos do modelo Pressão-Estado-Resposta utilizado.

INDICADORES DE PRESSÃO-ESTADO-RESPOSTA NO OBJECTIVO ESTRATÉGICO 3 – CAPACITAR CAPITAL HUMANO E SOCIAL

• Educação e formação: Pressão – % de alunos matriculados no ensino pré-escolar, % de alunos matriculados no secundário; Estado – média das notas de Matemática e de Português nos exames nacionais do 12.º ano; Resposta – estabelecimentos de ensino por 10 mil habitantes (18-22 anos) e estabelecimentos de ensino pré-escolar por mil habitantes (3-5 anos).
• Mercado de trabalho: Pressão – inscritos em Centros de Emprego (por mil pessoas em idade activa), beneficiários do Rendimento Social de Inserção (por mil hab. com 18 ou mais anos); Estado – estrutura etária do emprego estruturado (% TPCO <25 anos), estrutura do emprego estruturado por habilitações literárias (% TPCO com bacharelato ou licenciatura), estrutura por profissões do emprego estruturado (% TPCO Quadros sup. + espec. prof. liberais e científicas + prof. nível intermédio); Resposta – taxa de colocação dos desempregados inscritos nos Centros de Emprego (desempregados colocados / desempregados inscritos), IRS per capita.
• Participação, integração e cultura: Pressão – (não foram utilizados indicadores de pressão); Estado – utilizadores de bibliotecas por população residente, operações registadas nas caixas Multibanco por habitante, taxa de participação em eleições autárquicas (% de votantes); Resposta – documentos disponíveis nas bibliotecas para consulta por habitante, caixas Multibanco por mil habitantes, investimento em instalações desportivas, recreativas e escolhas (€/hab.).

Contas feitas, Resende tem no Objectivo estratégico 3 – Capacitar capital humano e social pior performance do que Nelas relativamente aos indicadores de Pressão e de Resposta. Ou seja, tem menor % de alunos matriculados no ensino pré-primário e no ensino secundário; do mesmo modo, tem menor número de estabelecimentos que cobrem estes graus de ensino, o que pode ser sintomático ou da falta de estruturas ou, mais grave ainda, do envelhecimento da população. Por outro lado, tem maior número de inscritos no Centro de Emprego (por mil pessoas em idade activa) e maior número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção por mil hab. (18 ou mais anos), o que resulta em parte de uma menor taxa de colocação dos desempregados inscritos no Centro de Emprego, paralelamente a um IRS per capita inferior. Por último, Resende possui menor número de documentos disponíveis para consulta por habitante, assim como menor número de caixas Multibanco e investe menos em instalações desportivas, recreativas e escolas. Apesar dessa diferença de resultados no Objectivo estratégico 3 ambos os concelhos obtiveram no cômputo geral a classificação de “Maioritariamente favorável”. Foi, apenas, o descriminar dos resultados que permitiu dar alguma razão ao Sr. Jorge Gonzalez Esteves, num aspecto chave – “Capacitar capital humano e social”. Penso que ficou claro que relativamente à educação, ao emprego e aos aspectos classificados como “Participação, integração e cultura” Resende vive momentos difíceis, que devem conduzir os poderes públicos e a tão mencionada sociedade civil (dos grupos socialmente organizados ao cidadão individual) a reflectir sobre os problemas e a colocar em prática medidas capazes de fazerem reverter a situação.
Nesta alusão aos dados um elemento a não esquecer é o da provável discrepância entre a posição alcançada e as expectativas das populações. Acrescento a estes comentários o facto de nem sempre a industrialização, a construção e a intensa circulação automóvel, serem sinónimos de qualidade de vida, muitas vezes, isso sim, são sinónimos de graves problemas. Do mesmo modo, qualidade de vida não corresponde apenas a boa performance dos indicadores de carácter meramente económico. Mas não é tudo quanto a possíveis justificações, cabe ainda referir um importante aspecto: os dados que o estudo apresenta são apenas dados objectivos, ou seja, são apenas uma leitura dos números fornecidos pelas diversas instituições contactadas. Faltou, por certo, escutar as populações, perceber os seus quotidianos e os seus anseios. Uma tarefa que comporta custos elevadíssimos pelo facto de necessitar de uma amostra representativa em cada um dos mais de trezentos concelhos do país (contando com as Ilhas). Imaginem os leitores que uma amostra para ser representativa obrigaria a inquirir cerca de 200 pessoas em cada um dos concelhos, isso implicaria ter de inquirir mais de 60 mil pessoas, imaginem só o custo. Claro que executar um estudo sem essa outra dimensão perfeitamente sociológica é deixar o estudo aberto a diversas críticas, principalmente porque se afasta das vivências das pessoas a quem é dirigido.
Termino, naturalmente, como uma resposta à pré-proposta do nosso leitor, que penso ser já do domínio público: Se é para trabalhar em prol da nossa terra estarei sempre disponível, desde que tenha disponibilidade para tal. Procurar os motivos históricos para melhor conhecer o nosso concelho, e perceber os constrangimentos presentes e as raízes no passado são sempre temáticas que me movem e me suscitam interesse. Sobretudo numa perspectiva de tempo longo como mencionado: o contraponto entre antes e depois do 25 de Abril, com o recurso ao processo histórico. Para já é bom saber que chego às pessoas, que as minhas palavras não são meros lamentos pessoais. E quando assim é acrescento aos meus motivos mais motivos para continuar e, se possível, chamar outras palavras às minhas palavras. Reafirmo que é com a acção de todos que o nosso património será preservado e divulgado.

NOTAS
* Ferrão, João (coord.), Guerra, João (2004) Municípios, Sustentabilidade e Qualidade de Vida: Contributos para a construção de um sistema de indicadores de monitorização da qualidade de vida nos municípios portugueses (Continente), Lisboa, OBSERVA. O estudo estará em breve disponível na página do Observa na Internet (www.observa.iscte.pt), contudo os leitores podem solicitá-lo antecipadamente através de correio electrónico (observa@iscte.pt).
**TPCO – Trabalho por conta de outrem.


José Gomes Ferreira

publicado por José às 13:47
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Ganham-se avenidas, perdem-se pinhais (in Planalto Novembro de 2004)

Tantas vezes projectada, outras tantas adiada, surge agora a avenida que ligará sensivelmente a Mata das Alminhas com a ponte ferroviária da estrada antiga do Folhadal, rasgando o Vale da Sobreira e o Coucinho. Se a memória não me falha os anteriores projectos de que tive conhecimento passavam, basicamente, pelo alargamento da designada Canada de São Miguel, que, como todos sabem, circunda a Quinta Agrícola. O projecto agora em plena execução arrasou as videiras e oliveiras por onde passou, e vai devorar uma das poucas manchas verdes da vila e da sua periferia – a conhecida pelo povo como Mata do General.
Não me cabe a mim fazer especulações. A primeira fotografia que apresento não podia ser mais expressiva, olhando bem para ela todos nós podemos levantar questões quanto à possível sujeição de Nelas aos interesses imobiliários. A construção de uma larga via como esta, associada ao corte dos pinheiros de uma mata simbólica, suscitam-nos algumas dúvidas. Não esquecer que estamos a ignorar a preservação de uma área com boa aptidão agrícola – não tenho presente qualquer elemento sobre o Planto Director Municipal de Nelas (PDM) ou sobre a tão falada Reserva Agrícola Nacional (RAN), mas seria interessante verificar o que nos dizem e as prováveis alterações suscitadas por esta construção. Infelizmente, é comum associar-se, num Portugal que deveria ser moderno, a indústria da construção civil com os atentados à paisagem e ao nosso património, natural e construído. Por ela se constroem mamarrachos, com todos os tamanhos e feitios, se derrubam árvores – agora os pinheiros da Mata do General, antes as árvores da Avenida João XXIII, no futuro outras se devem seguir –, pois o que importa é construir apartamentos, lojas e vivendas para depois serem vendidas.

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A posição privilegiada de Nelas, depois expressa em bons indicadores de qualidade de vida, por mim referidos em diversos artigos, parece implicar um amargo de boca. Os mesmos indicadores, por falta de ordenamento e gestão do território, suscitam uma enorme pressão urbanística, desencadeada pela atractividade da vila. Se o betão, o ferro e o alcatrão conquistam cada vez mais o seu espaço livre, os espaços verdes esses rareiam, na verdade pode mesmo dizer-se que não existem. O único cartão postal que a vila tem para mostrar para quem vem de fora parece ser a fumaça que se ergue da sua principal unidade industrial. Acho que ninguém sabe, nem prevê, a concretização de um Parque Municipal. Porventura os decisores devem pensar que Nelas se vê rodeada de natureza e que isso bastará, erro deles se assim pensam, pois seria bem acolhido um espaço verde de lazer num ponto relativamente central.

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Retomando a questão de partida. Se a ideia era fazer uma nova ligação ao Folhadal/Estrada da Felgueira a opção poderia, por exemplo, ligar a rotunda da Fonte do Ouro ao Apeadeiro do Folhadal, continuando pela Rua do Apeadeiro. Sei que implicaria maiores custos e maior derrube de pinheiros, mas essa solução traria algumas vantagens: 1.ª serviria as pessoas que ao longo dos anos se têm fixado no lugar do Mocho, a norte e a sul da linha de caminho de ferro; 2.ª surge directamente ligada à vantagem anterior, permitiria requalificar o bairro e a Rua do Apeadeiro; 3.ª permitiria encontrar uma solução para a passagem de nível sem guarda, que pelas vozes que se escutam será fechada mais dia, menos dia, e do mesmo modo facilitaria um provável compromisso quanto ao apeadeiro; 4.ª poderia igualmente facilitar a requalificação da rotunda da Fonte do Ouro, de momento uma porta de entrada na vila pouco honrosa; 5.ª seria uma importante via de acesso às propriedades (matas e fazendas cultiváveis) existentes nas redondezas, que se privam desse acesso desde o encerramento da passagem de nível com guarda existente outrora a oeste; 6.ª a construção dessa via permitiria o desvio de algum do trânsito que passa por Nelas com destino às Caldas da Felgueira.

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Esta minha proposta iria implicar o corte de maior quantidade de pinheiros, contudo o valor simbólico dos pinheiros que vão ser derrubados em nada se assemelha ao corte de um outro qualquer pinhal. Naturalmente que se fosse essa a opção teria de ser articulada com o tão falado prolongamento do IC 12. Relativamente ao encerramento da passagem de nível sem guarda, ao que parece já ocorreu pelo menos uma tentativa para debater a questão no final de uma missa de domingo mas o povo prefere virar as costas mesmo nas horas de aperto, quando deveria estar unido. Importa que o povo acredite que a passagem de nível será encerrada se ele deixar, se as pessoas preferirem ficar a aquecer-se ao lume nas noites frias de Inverno sem nada fazerem em prol dos interesses comuns.
Este é um daqueles momentos em que deveremos permanecer unidos, apesar das diferenças de todos os dias, para se lutar lado a lado. E lutar não significa ficar sentado, muito menos usar violência. Lutar implica que as pessoas manifestem as suas opiniões nos locais adequados e nos momentos próprios. Os meios para o fazer são diversos, vão desde a participação de alguns de nós nas reuniões da autarquia onde o assunto possa ser debatido ou então na organização de um abaixo-assinado a remeter à autarquia, à Refer, ao Provedor de Justiça, entre outros. E se tudo isso não resultar, mesmo não adeptos da violência poderemos pensar em “cortar” a linha da Beira Alta, mesmo que apenas de modo simbólico, pois não queremos lesar terceiros. Essa união e esse esforço será uma manifestação de cidadania activa e de sentido de comunidade, ao contrário do tão comum cruzar de braços, tristemente associado a um mero bate boca, que o povo tanto gosta de cultivar. Para cruzar os braços basta-nos a humilhação por que passam os nossos doentes no que é tão tristemente designado por Centro de Saúde de Nelas.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 13:47
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

http://folhadal.blogs.sapo.pt (in Planalto Outubro de 2004, sem foto)

Pois é, amigos! Decidi dedicar um pequeno blog ao nosso Folhadal. Para quem não sabe um blog é como que uma página pessoal feita na Internet em jeito de diário, com a virtude de permitir alguma interactividade, uma vez que cada texto ou fotografia estão abertos aos comentários de quem desejar deixar os seus. Após uma breve experiência com um blog mais pessoal fiquei encantado com a reacção, pelo que, após me terem sugerido “guardar” os meus artigos, decidi dedicar um blog a eles e à nossa terra. A tarefa tem implicado algum esforço, uma vez que tenho escrito vários artigos neste nosso Planalto, contudo é facilitada pelo facto de ter todos os artigos publicados guardados em versão digital. Lamentavelmente sou obrigado a assumir a falta de rigor relativamente à data de publicação dos artigos, talvez um dia consiga superar essa lacuna, até lá decidi dividir os artigos publicados em três períodos: 1998-2002, 2003, 2004. Dentro de cada período definido, exceptuando o primeiro deles – “Recordações do meu pequenino Folhadal”, os artigos inseridos não seguem qualquer ordem. E exceptuando os artigos publicados em 2004, que a seu tempo vão ser devidamente referenciados.
O blog não segue um único objectivo Decidi atribuir-lhe duas vocações principais: servir de arquivo vivo aos artigos que tenho publicado neste nosso jornal e colocar em espaço virtual trechos da nossa terra, sobretudo algum do seu património (por exemplo, as abandonadas sepulturas antropomórficas, incluo novamente a do Colóquio em formato integral, onde parece que começa a haver luz, assim seja). Se cumprir esses objectivos acredito que venha a chegar a outros públicos que o nosso Planalto não abarca, porventura um público mais jovem e um público que tanto pode viver na nossa terra como viver em qualquer um dos cantos do mundo. De facto, uma das maiores virtudes da Internet é a de permitir chegar mais longe e a novos públicos. Ao chegar a mais pessoas será um contributo para a preservação do que é nosso e a nós cabe defender. Em suma, procura assim sensibilizar todas as gerações em todos os continentes e, em última instância, procura também sensibilizar os poderes públicos para os nossos problemas e para as nossas riquezas.

Apesar de ter sido um blog criado por mim e alimentado pelo meu próprio espólio, não é propriamente pessoal, até porque já possuo um. É dedicado à nossa terra e pretende ser um espaço aberto de debate e reflexão sobre os nossos problemas. Conto, desde já, com a visita dos que possam por lá passar e que queiram deixar o seu contributo. A navegação no blog é muito simples. O visitante ao entrar depara-se com os últimos artigos inseridos, os artigos anteriormente inseridos encontram-se nas pastas de arquivo de cada mês, neste caso basta clicar em Setembro de 2004, que se encontra do lado esquerdo do monitor, para aceder a todos os artigos por mim publicados no nosso Planalto entre 1998 e 2002. Tenho pena de não ter os necessários conhecimentos de HTML para assim melhorar todo o grafismo, sobretudo as fotografias. De qualquer modo para breve tenho prevista a inserção de diversas fotografias alusivas à nossa terra, entre as quais as relativas à procissão de Santa Eufémia.
Termino este artigo informativo com uma breve nota sobre a série que a RTP1 tem vindo a exibir desde finais de Setembro. Refiro-me à série de 4 episódios “Portugal – um retrato ambiental”, da autoria de Luísa Schmidt, na qual tive oportunidade de dar uma mãozinha, tal como é referido na respectiva ficha técnica. A série de 4 episódios tem os seguintes subtítulos: 1 episódio – “País de contrastes”, 2 episódio “Das catástrofes às fontes de energias”, 3 episódio “As águas”, 4 episódio “Paisagem & ordenamento”.

P.S. – Em próximo registo darei resposta às questões formuladas pelo Sr. Jorge Gonzalez Esteves


José Gomes Ferreira

P.S. Por um qualquer motivo não consigo inserir a foto, tentarei em outro momento
publicado por José às 13:46
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Contributo para a identificação e preservação das sepulturas antropomórficas do Folhadal (in Planalto Outubro de 2004)

Uma primeira nota que convém desde já reter neste artigo diz respeito ao âmbito dos objectivos que cobre. Embora denominado “Contributo para a identificação e preservação das sepulturas antropomórficas do Folhadal” abrange todo o concelho de Nelas, basta para tal que se expressem as populações interessadas. Eu próprio não consegui até ao momento fotografar ou obter relatos orais sobre todas as sepulturas existentes no Folhadal, aguardo ainda que alguém me possa dizer onde estão em concreto ou me acompanhe. Relativamente às outras localidades do concelho as povoações podem, por exemplo, fotografar e identificar os locais onde se encontrem as ditas sepulturas (a existirem), enviando posteriormente o material ao nosso Planalto para eventual publicação, um pouco à semelhança do trabalho feito com os fontanários. Digo tudo isto na expectativa de mais alguém se interessar pelo nosso património, não quero sentir que vivo a ilusão da participação.
Como o título refere pretendo neste artigo deixar por escrito o que para muitos faz parte do esquecimento ou então nada simboliza. Em registos anteriores tenho feito consecutivos apelos à preservação da sepultura existente no Colóquio, onde inclui fotografias ilustrativas do desprezo que sofrem aos olhos de todos. Infelizmente, até ao momento em que escrevo estas palavras, nunca obtive QUALQUER resposta da autarquia, até parece que não é nada com ela. Pela minha parte, é por acreditar que se está a ignorar a nossa história e os seus testemunhos (os poucos ainda existentes) que alargo a extensão da minha insistência. Desta vez apresento outras sepulturas e incluo algum material recolhido. As imagens que recolhi referem-se ao conjunto de sepulturas antropomórficas existente no lugar das Fontainhas.
Menciono uma das obras que encontrei na nossa Biblioteca – Sepulturas escavadas na rocha na região de Viseu – que, se a memória não me falha, corresponde à publicação em 2000 da tese de mestrado de Jorge Adolfo de Menezes Marques. A obra em referência terá eventualmente as suas virtudes, todavia no que toca ao nosso concelho manifesta uma expressiva ausência do indispensável trabalho de campo. Sei por experiência própria que uma tese de mestrado tem enormes limitações, com todo o respeito pelo autor e pelo seu trabalho, não deixo de criticar o facto do levantamento efectuado ter sido apenas bibliográfico. Limita-se a mencionar a existência de duas sepulturas escavadas na rocha no Moledo, registe-se, que o próprio não encontrou.

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As sepulturas do Moledo parecem corresponder às sepulturas do lugar do Vale da Remolha, situadas próximo do cemitério do Folhadal. Como é do conhecimento público o Moledo e o Vale são lugares contíguos, com a diferença do Moledo ser sobretudo conotado com a própria vila e o Vale fazer parte dos lugares da nossa aldeia. Espero em breve ter as fotografias que comprovem a existência destas sepulturas, as quais vão ser apenas um mero adereço, uma vez que os relatos orais comprovaram tal existência. Lamentavelmente ainda não obtive confirmação da existência de outras sepulturas de que a minha memória guarda uma imagem desde uma visita na infância. São esses os casos das sepulturas que muito provavelmente existem para lá dos lugares da Campa e do Carvalhinho, quem vai para o caminho do Vale do Gato, segundo penso junto ao que é mencionado como Poço do Urânio (um dia gostaria de saber a história da exploração do urânio neste local). A minha memória teima ainda em se lembrar de um eventual conjunto de sepulturas junto à Orca do Folhadal (diria matagal do Folhadal), na Infesta. Por mais que queira dessa eventualidade não consigo nem ter relatos orais.
Tenho-me refiro-me às sepulturas como sendo antropomórficas mas, de acordo com vários estudos, algumas delas podem não ser antropomórficas. Gradualmente, o contributo de várias variáveis terá permitido o seu uso apenas antropomórfico. Uma outra questão extremamente importante tem a ver com a idade destas sepulturas, ao contrário do que eu próprio pensava não são tão antigas assim. Sempre pensei que seriam pré-romanas. Embora ainda não seja consensual, uma grande parte dos arqueólogos tem vindo a considerar, sobretudo após pesquisas efectuadas na década de 80 do século passado, que existe proximidade entre estes elementos e as necrópoles dos templos cristãos. Sendo por isso pós-romanas e relacionadas com os rituais de inumação cristãos.

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Num estudo dedicado a sepulturas do mesmo género existentes em concelhos bem próximos do nosso – Carregal do Sal e Gouveia (muitos mais preocupados com o seu estudo, sensibilização e preservação) – Catarina Tente e Sandra Lourenço esclarecem-nos várias questões. Pela leitura do artigo síntese percebemos que a discussão sobre a idade tem sido longa, mas que tem vindo a afirmar-se o argumento de que datam de um período entre os séculos VII a XI, provavelmente associadas a uma forma de povoamento disperso. Todavia, em alguns dos exemplos que as autoras estudaram as sepulturas permaneciam durante os séculos XIII e XIV. Segundos nos dizem, devido à inexistência de vias de comunicação e à ausência de um contacto inter-regional, “em algumas áreas mais isoladas as pervivências de rituais e formas de inumação ter-se-iam prolongado no tempo” (Tente e Lourenço: 18). Um dos argumentos (nem sempre confirmado) que comprova a idade das sepulturas, para além do seu tamanho e localização, prende-se com a sua orientação. Dizem-nos as autoras que são cristãs: “se admitirmos que os cânones cristãos relativos à orientação eram respeitados, ou seja com a cabeça virada para Oriente, onde é suposto aparecer Deus no dia do juízo final” (Idem).
Estas são as sepulturas antropomórficas que com alguma certeza existem na nossa terra, naturalmente que espero o contributo dos amigos e leitores para a sua correcta identificação, destas ou de outras que possam por cá existir. Só após serem identificadas se pode pensar na sua divulgação e preservação, uma responsabilidade que cabe a todos nós, para que o crime do Vale do Gato não se repita. Este é o meu contributo sobretudo para a sensibilização das populações para a preservação de algo que é muito seu. É também um alerta à autarquia para que faça algo, sugiro a colocação de placas a identificar as sepulturas e, porque não, o estabelecimento de uma rota do património municipal, a ser percorrido pelas crianças das escolas, pelos nossos idosos, por todos nós e quem nos visitar.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Marques, Jorge Adolfo de Menezes (2000), Sepulturas escavadas na rocha na região de Viseu, Viseu 2000
Tente, Catarina e Lourenço, Sandra (1998), “Sepulturas medievais escavadas na rocha dos concelhos de Carregal do Sal e Gouveia: estudo comparativo” in Revista Portuguesa de Arqueologia, Vol. 1, número 2.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 13:45
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Qualidade de vida nos municípios do distrito de Viseu (in Planalto Setembro de 2004)

Dou início com este texto ao cumprimento da promessa que fiz aos leitores em falar sobre alguns estudos apresentados no Colóquio “Autarquias, ambiente e qualidade de vida”, que serviu de apresentação pública a um conjunto de investigações realizadas nos últimos anos no âmbito do Observa*. Por agora, refiro-me ao estudo: “Municípios, Sustentabilidade e Qualidade de Vida: Contributos para a construção de um sistema de indicadores de monitorização da qualidade de vida nos municípios portugueses (Continente)”**. O objectivo do meu esforço passa por levar ao grande público pesquisas com importância para o nosso concelho e para a nossa região. Saliento, desde já, que se trata de uma leitura pessoal, embora tenha convivido de perto com o trabalho realizado.
Tal como o subtítulo indica e os autores reafirmam, o estudo visa “debater e propor linhas de orientação para a criação de um sistema de indicadores estatísticos de monitorização da qualidade de vida nos municípios portugueses do Continente.” Segundo se pode ler, trata-se de um dispositivo que “deverá constituir, para decisores e cidadãos, um instrumento que, permitindo medir, acompanhar e avaliar a evolução da qualidade de vida ao nível local, suscite tomadas de decisão e definição de prioridades mais fundamentadas” (Ferrão e Guerra, 2004: 2).
Por economia de espaço, pois um artigo de jornal não comporta uma reflexão assim tão vasta, não me vou deter no percurso que conduziu à visão integrada do conceito de qualidade de vida. Faço somente uma breve alusão ao modo como medir essa qualidade de vida, no caso apenas uma visão quantitativa (estatística), dadas as dificuldades em medir a qualidade de vida subjectiva. Relativamente ao estudo em análise, a organização da base de dados traduz o conceito integrado de Qualidade de Vida e o modelo de sistematização de indicadores Pressão-Estado-Resposta como referenciais de natureza, respectivamente, conceptual e metodológica. A estruturação dessa base de dados obedeceu a três critérios operativos complementares: 1.º- Objectivos estratégicos; 2.º- Domínios de observação; 3.º- Natureza dos indicadores.
De acordo com a abordagem dinâmica e multidimensional do conceito integrado de qualidade de vida proposto foram definidos três objectivos estratégicos: Objectivo 1: Preservar o capital natural e paisagístico; Objectivo 2: Preservar o capital humano e social; Objectivo 3: Capacitar o capital humano e social. Em que o primeiro objectivo estratégico “visa captar os vários aspectos mais directamente relacionados com a sustentabilidade ambiental e o ordenamento do território”. Por sua vez, o segundo “procura levar em conta as várias dimensões da preservação do capital humano e social avaliada a partir de um triplo ponto de vista: vitalidade demográfica, satisfação de necessidades básicas e prevenção de riscos sociais. Finalmente, o terceiro objectivo estratégico pretende englobar facetas essenciais da capacitação do capital humano e social, nomeadamente do ponto de vista dos saberes, competências e qualificações adquiridos” (Idem: 36).
Os domínios de observação são sensivelmente coincidentes com os sectores da vida social tradicionalmente considerados de forma relativamente autónoma. O estudo identificou dez domínios de observação: Actividades Económicas; Educação e Formação; Habitação e Vizinhança; Mercado de Trabalho; Ocupação e Uso do Solo; Participação, Integração e Cultura; População e Famílias; Rendimento e Consumo; Saúde; Transportes e Comunicações.
Quanto à natureza dos indicadores, o estudo adoptou a natureza de cada indicador definida com base no modelo Pressão-Estado-Resposta. Neste caso, “as três categorias definidas foram utilizadas para distinguir, respectivamente, factores ou tendências com impacte relevante sobre a situação actual (indicadores de pressão), condições existentes (indicadores de estado) e respostas institucionais (instrumentos, investimentos, equipamentos, serviços, etc.), individuais e sociais (comportamentos) às pressões e situações existentes (indicadores de resposta)” (Idem: 37). A “identificação de indicadores de diferente natureza (pressão, estado e resposta) por objectivos estratégicos e por domínios de observação regeu-se pelos princípios orientadores de representatividade e fiabilidade, em geral, e pelo referencial metodológico P.E.R. (Pressão-Estado-Resposta), em particular”(Idem: 40/1) .
Permito-me a uma leitura do modelo P.E.R. com o seguinte exemplo, adaptado ao problema dos incêndios florestais. Pressão – abandono dos campos, agonia da pastorícia, aumento da cobertura vegetal rasteira. Estado – aumento da área ardida por concelho, aumento das espécies ameaçadas, aumento das despesas no combate aos incêndios. Resposta – necessidade de maior investimento no combate aos incêndios, necessidade de uma visão integrada da floresta e do planeamento florestal. Trata-se de um exemplo que não segue com total rigor a teoria proposta no estudo a que me refiro mas, assim penso, ilustra bem o modelo proposto.
Para uma melhor leitura dos dados o ideal seria conseguir inserir no texto cada um dos objectivos estratégicos, os respectivos domínios de observação e os respectivos indicadores – Pressão-Estado-Resposta – para cada um dos objectivos estratégicos e em cada um dos concelhos do continente. Na impossibilidade de inserir toda essa informação num artigo apenas, surge inserido o Perfil de qualidade de vida nos municípios do continente, a partir de dados de 2001, numa tipologia síntese adaptada, primeiro ao distrito de Viseu (mapa), depois à região Dão-Lafões (quadro). A legenda manifesta a maior ou menor capacidade de resposta de cada concelho face aos indicadores existentes e ao modelo proposto.

Perfil de qualidade de vida nos municípios do distrito de Viseu, 2001:
tipologia final de síntese (adaptado***)



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Se o mapa apresenta a leitura da tipologia síntese a partir do distrito de Viseu o quadro seguinte apresenta nova leitura levando em conta a NUT III do Instituto Nacional de Estatística (INE) onde o concelho de Nelas está inserido – a região Dão-Lafões.

Perfil de qualidade de vida nos municípios da região Dão-Lafões:
tipologia final de síntese (adaptado)

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Quer numa análise por distrito, porventura a que está mais próxima do simbolismo do leitor, quer numa análise pela respectiva NUT III, a que mais serve comparações estatísticas nacionais, um dado revela-se claro – os concelhos a sul estão melhor posicionados. São eles: Mangualde, Nelas e Viseu (Maioritariamente favorável); Carregal do Sal e Mortágua (Maioritariamente favorável, pontualmente desfavorável); Santa Comba Dão e Tondela (Maioritariamente razoável). Na leitura por distrito um natural destaque vai para Resende (Maioritariamente favorável) e logo a seguir para Cinfães e Moimenta da Beira (Maioritariamente razoável).
Do lado contrário, o destaque pela negativa vai para Castro Daire, , Penalva do Castelo, Penedono, Sátão, São João da Pesqueira e Tarouca, que na análise por distrito recebem a classificação Maioritariamente desfavorável. Com a mesma classificação, agora a nível da NUT III, surgem os concelhos de Castro Daire, Penalva do Castelo e Sátão. Estes concelhos são seguidos, ao nível do distrito, pelos concelhos de Armamar, Lamego, São Pedro do Sul, Sernancelhe, Tabuaço, Vila Nova de Paiva e Vouzela, estes com a classificação Maioritariamente desfavorável, pontualmente favorável. Com a mesma classificação surgem, ao nível da NUT III, os concelhos de São Pedro do Sul, Vila Nova de Paiva e Vouzela.
Apesar deste posicionamento o estudo não pretendeu, nem eu pretendo, estabelecer qualquer ranking dos concelhos com melhor desempenho, tal como o fizeram alguns diários nacionais de referência, facto que gerou alguma polémica e confusão. Para evitar eventuais excessos será necessário levar em linha de conta que estamos perante indicadores objectivos e perante a proposta de um modelo de indicadores. Por conseguinte, duas tarefas se afiguram como cruciais para os próximos anos: – “recolha” de indicadores subjectivos, uma tarefa que se mostra difícil dados os custos que implica e dada a necessidade de ser feita de modo idêntico em todos os concelhos do país; – apuramento não de mais mas, isso sim, de melhores indicadores, uma tarefa que não cabe aos investigadores, é da responsabilidade das entidades públicas, como se sabe, pouco habituadas a serem recolectoras de informação. Naturalmente que a equipa de investigação fica com a responsabilidade de adequabilidade ou não do modelo aplicado e da selecção dos melhores indicadores que o servem.
Estas foram as palavras que tinha previstas para este já longo artigo. Pelo que chegou ao me conhecimento o mesmo assunto foi publicado num jornal da região de Viseu, num artigo que eu não tive oportunidade de ler. Seja como for aqui apresento a minha leitura do estudo em referência e faço-o para o nosso Planalto.

NOTAS
* O Observa – Ambiente, Sociedade e Opinião Pública é um Programa de investigação em ciências sociais criado em 1996 pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). Das suas mais importantes iniciativas destacam-se os dois Inquéritos Nacionais sobre os Portugueses e o Ambiente, ambos publicados em livro.
** Ferrão, João (coord.), Guerra, João (2004) Municípios, Sustentabilidade e Qualidade de Vida: Contributos para a construção de um sistema de indicadores de monitorização da qualidade de vida nos municípios portugueses (Continente), Lisboa, OBSERVA.
*** O mapa resulta de uma adaptação dos dados do estudo referido ao mapa que consta da página na Internet da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).

José Gomes Ferreira

publicado por José às 13:45
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Triste fim o do casario do Vale do Gato (in Planalto Setembro de 2004)

No momento em que procuro alinhar estas palavras num artigo o nosso Folhadal vive um inquietante e desconcertante burburinho. Alguém por mero apego aos bens materiais delapidou parte do nosso património e da nossa história, como que dizendo que os nossos antepassados e tudo o que nos legaram de nada nos serve, que cada um pode fazer dessa herança o que bem entender. Assim desapareceu grande parte do casario do nosso Vale do Gato, num gesto ignóbil e revelador da mais pura ignorância da parte de quem o cometeu. Um gesto cometido por alguém nada preocupado com o interesse público das pedras da nossa memória ainda viva e documentada através delas, nem tão pouco, ao que parece, com respeito pela propriedade privada.
Pelos testemunhos que tenho recolhido ou que chegam a mim voluntariamente acredito que o meu inconformismo e revolta é o inconformismo e a revolta de muitos de nós. Este é um daqueles actos que apenas encontra justificação nos interesses alheios de alguém movido pela mera gula ou então por interesses de um egocentrismo atroz. Seja qual for a explicação possível ou equacionável uma verdade parece inquestionável: o Folhadal perdeu o que para muitos é o seu berço. E tudo se passou diante de nós (ainda que, como me foi dito, tudo se tenha passado como pela calada), sem que fosse possível uma simples intenção de reacção. É nestes casos que as populações se sentem mais desprotegidas e mais se dão conta da enorme herança a proteger. Enquanto isso a autarquia nem boceja. A rádio local nem sabe o que é o Vale do Gato. A imprensa local e regional ou fecha os olhos ou tem os seus ritmos. No fim de contas, com todos praticamente ilibados, fomos todos nós e o nosso Folhadal a perder parte da sua história e um dos principais símbolos da sua identidade.
Pessoalmente não faço qualquer menção específica a quem cometeu tal acto, até porque penso ser já do conhecimento geral. Seja como for, estas ou outras “pessoas” um dia teriam um gesto destes. Quanto ao espólio que sumiu é praticamente irrelevante entrar em pormenores, uma vez que sejam quais forem os pedaços a desaparecer perdeu-se a integridade do Vale do Gato, o que restou foi apenas um amontoado de pedras e lixo. Ainda assim pelo que me foi dito desapareceu um antigo forno e algumas das habitações das ruínas do secular aglomerado Agora que o mal está feito importa o povo precaver-se, pois, mais dia, menos dia outros atentados ao que é de todos vão acontecer. Apesar dos clamores constantes, quer meus quer de outros filhos da terra, o povo prefere permanecer como que em estado de coma, prefere sacudir a água do capote como se nada fosse com ele. Só quando o caso afecta directamente algum dos habitantes é que o povo se agita e leva as mãos à cabeça.


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Neste caso o desgosto é maior por se tratar de um local com importância histórica local e regional, motivos que no devido tempo deveriam ter levado a Câmara Municipal de Nelas a classificar o aglomerando como património de interesse municipal. Mesmo que tal classificação ou outra viesse a obrigar a adquirir aquele espaço, acredito que não faltariam mecenas interessados em colaborar na preservação dos testemunhos históricos da nossa terra. Infelizmente a nossa autarquia confunde cultura com festas de arromba, onde gasta fortunas para potencial turista ver e voltar. De que nos servem as festas se um dia nada existir para mostrar da nossa história? Nessa altura, tal qual uma família rural antiga sem recursos e num ano de boa colheita vinícola, iremos oferecer vinho a quem nos visita, pois o nosso pão será devorado pela nossa insensatez e pela nossa ignorância.
Desde tempos idos as casas do Vale do Gato sempre foram olhadas como a nossa “jóia da coroa”, pela importância que as referidas ruínas e o lugar tiveram no suceder da nossa história (digo ruínas mas parte delas foram ainda recentemente usadas para guardar ovelhas ou apenas para as proteger de algumas chuvadas). Nesse elogio era reforçada toda uma tradição oral de momento ofuscada pela ausência de identificação das populações com os lugares, exceptuando alguns habitantes que têm atravessado gerações e perpetuado essa memória colectiva. O recurso à memória e aos relatos que atentamente escutei em todos estes últimos dias, permitiram concluir que o Vale do Gato com o seu casario e a Quinta da Barca, por onde os antigos atravessavam o rio Mondego, constituem os lugares mais emblemáticos do nosso Folhadal. Curiosamente são lugares praticamente não lugares, pois a história e as pessoas se encarregaram de os remeter ao mais puro esquecimento. Curiosamente, também, são dois lugares profundamente ligados.
No caso particular do Vale do Gato a sua história confunde-se com a própria história do Folhadal. Presume-se que a importância da “estrada velha” e do casario seja anterior à atribuição do foral por D. Dinis em 1286 a 26 moradores do Folhadal. A “estrada” faria parte da designada Rota do Sal, que da Foz Dão seguia em direcção ao Mondego e por aí passava grande parte do sal que se dirigia a Além-Mondego, provavelmente através da Barca, e ao sopé da Serra da Estrela. Do casario faria parte, nomeadamente, uma estalagem e vários estábulos onde os animais poderiam repousar e ser alimentados durante as penosas viagens. A tudo isto se acrescenta, entre outras infra-estruturas, um forno. Com a água a correr nos ribeiros próximos e os solos propícios à agricultura, acredito que os viajantes não seguiriam viagem à míngua. Muito provavelmente grande parte da economia local estava virada para a estalagem, pois haveria que alimentar homens e animais em esforço.
Desde já encantado pela ligação do Folhadal à actividade salineira, permito que algumas dúvidas surjam. De onde de facto vinha esse sal de que se fala? Seria sal marinho? Se assim fosse porque vinha da Foz Dão para o Mondego? Não sei se os seus rios permitiriam uma ligação fluvial às zonas costeiras produtoras de sal marinho, como é o caso de Aveiro e da Figueira da Foz. Mas não sendo sal marinho só poderia ser sal-gema, de onde viria? E permitam-me os leitores uma última questão importante. Porquê o nome de Carregal do Sal e as referências às salinas?
É de supor, pelo que consegui averiguar, que se tratava de facto de sal marinho, a julgar pelos vários argumentos a favor. Um deles, é de que não parecem existir registos da exploração de sal-gema, muito menos nesse período, foi descoberto na Europa bem mais tarde, em Portugal as primeiras ou pelo menos as mais conhecidas salinas do género (não sei se únicas) ainda hoje existem em Rio Maior. Outro argumento, prende-se com a origem do Carregal do Sal, de onde Carregal deriva de uma planta que abundava na região – a cárrega –, a que se juntou a palavra Sal, uma vez que existiam, num local chamado Salinas, armazéns de sal, exageradamente denominados de salinas. Um terceiro argumento a favor do sal marinho é dado numa nota de rodapé na obra que José Pinto Loureiro dedicou a Nelas, a seguir transcrita:

“Anteriormente à exploração do caminho de ferro, as ligações desta região com Coimbra e com o mar faziam-se pelo Mondego, navegável, então como hoje, a partir da Foz Dão, assim se compreendendo o enorme desinteresse na construção da estrada de Mangualde à Foz Dão, passando por Nelas. Posteriormente à inauguração da estação da Mealhada (10-IV-1864), e uma vez aberta a estrada de Santa Comba Dão àquela vila, já o movimento da Foz Dão declinava, para quase desaparecer vinte anos mais tarde, após a inauguração do caminho de ferro da Beira Alta” (Loureiro, 1988: 221).

De facto, a importância do Mondego enquanto via de comunicação com o litoral parece deitar por terra qualquer dúvida sobre se se trataria ou não de sal marinho. Assim parece ser. Um artigo publicado no nosso Planalto pelo recém falecido Sr. Manuel Borges reforça a importância da “estrada velha” do Vale do Gato na Rota do Sal (que me desculpem os leitores mas não sei precisar a data em que foi publicado). Segundo nos dizia nesse artigo, a importância da “estrada” era tanta que ao ser construído o Caminho de Ferro da Beira Alta a companhia concessionária se viu obrigada a construir uma segunda ponte na Fonte do Ouro para que assim manter a circulação na dita “estrada velha”. [Verifiquei que a velha ponte sobre o linha de caminho de ferro está agora abandonada e sem qualquer protecção lateral, apenas serve como depósito de lixo]. Ainda segundo a opinião do mesmo autor, o mesmo Caminho de Ferro, inaugurado em 1884, associado à construção da estrada Foz Dão/Mangualde, que em 1859 teria o seu troço dentro do concelho de Nelas em construção, e associado à reparação do caminho Nelas/Ponte Nova, em 1864, aspectos de que também nos fala Pinto Loureiro, ditaram o fim da importância da estrada do Vale do Gato, que com o fim do tráfego se viu confinado no último século a um caminho rural.
Esta foi, genericamente, a maior parte da nossa história que se perdeu com a venda das pedras do velho casario do já abandonado Vale do Gato. Penso que após este gesto teremos ainda mais motivos para descruzar os braços, só assim se conseguirá proteger o que é de todos nós. Ficou bem provado que só uma iniciativa das populações impedirá novas campanhas de barbárie sobre o nosso património. Concluo este texto com uma nota de agradecimento à minha tia Eugénia que mais uma vez, como o teu feito sempre, me deu todo o apoio e todas as indicações na realização deste artigo. A ela e a todas as vozes anónimas ou não o meu muito obrigado. Não somos muitos quando se trata de zelar pela nossa terra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Loureiro, José Pinto (1988), Concelho de Nelas (Subsídios para a História da Beira), Câmara Municipal de Nelas.
www.carregal-digital.pt


José Gomes Ferreira

publicado por José às 13:44
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Incêndios em prime time (in Planalto Agosto de 2004)

Em cada Verão o país fica suspenso em chamas e clamores. É o drama dos incêndios que se repete. Tudo se repete, apesar das promessas, e com maior gravidade que no ano anterior. Promessas, promessas, vãs promessas. Mal o Verão acaba nunca mais se volta a ouvir falar no assunto. Antes disso, são as promessas na melhoria de meios de combate, na sensibilização das populações, na reflorestação das áreas ardidas… Na prática pouco é feito, veja-se o nosso concelho, o que foi feito após os incêndios dos últimos anos? Nada, absolutamente nada. E essa é a imagem de um país que se vota ao abandono e desperta angustiado três meses por ano.
Quando se trata de apoiar a Selecção Nacional de Futebol todos somos orgulhosamente portugueses. Passada a euforia do Euro 2004 os portugueses voltam a pronunciar a frase que parece petrificar-lhes a auto-estima – quando algo não corre de feição logo desabafam “Detesto este país!”. Curiosamente apontam essa frase apenas quando se trata de “apresentarem trabalho”, pois na hora de mostrarem que merecem realmente o país onde vivem proclamam a sua negação.
Recordo-me de em tempos idos o povo ser chamado a combater qualquer fogacho que aparecia na nossa terra. Mal tocava o sino da capela lá íamos todos nós. Os bombeiros, a serem precisos, chegavam mais tarde, até porque a prioridade era envolver as pessoas mais próximas. Ora, o que se tem registado nas últimas décadas é uma inversão total destes comportamentos. Agora ficamos onde estamos, enquanto isso os bombeiros são os primeiros a ser chamados e muitas vezes os únicos a combater os incontroláveis incêndios.
Naturalmente que o drama não se reduz a estas causas. Para os governantes a culpa foi da onda de calor, como se não fosse recorrente a situação de altas temperaturas. Da oposição desde os primeiros dias praticamente apenas se escuta o silêncio. Já os ditos líderes de opinião insistem na necessidade do país adquirir meios pesados de combate aos incêndios e os especialistas relembram a falta de ordenamento florestal. Este Verão, talvez não por coincidência, os mais graves incêndios começaram por irromper em áreas secundarizadas na prevenção e vigilância. Referi acima que o povo agora não ajuda no combate aos fogos, acrescento que estamos a falar principalmente de riscos rurais, que ocorrem em áreas já elas socialmente fragilizadas. Nove meses votadas ao abandono ou deixadas aos idosos que já não podem partir, ao contrário dos mais jovens que seguiram outros rumos. Em muitas das aldeias afectadas o que se tem constatado é o progressivo aumento das áreas de floresta e mato e a diminuição das áreas de cultivo. A explicação é simples, cerca de dois terços dos portugueses amontoam-se numa estreita faixa litoral.
Não bastam desculpas, o combate aos incêndios de Verão terá de ser efectuado no Inverno, aliás, durante vários Invernos. Além do mais terá de resultar de políticas concertadas, nomeadamente, entre os Ministérios da Agricultura, o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e o Ministério da Administração Interna, entre outros. Naturalmente todo esse esforço implica o ordenamento florestal, onde se inclui a escolha das espécies mais adequadas, implica, igualmente, a eterna ideia do ordenamento do território. Por um lado, tem que terminar a insistência na plantação de espécies que apenas servem os objectivos de alguma da indústria nacional. Por outro lado, o país não pode ver construídas habitações por tudo quanto é sítio, para usufruto privado mas com custos públicos. De igual modo, o país não pode ser falsamente mobilizado, com promessas de soldados, da paz e da guerra, e de muitos mais.
Com essas ou outras causas, nos últimos dias, simultâneos ao escrever destas palavras, os incêndios têm devastado o país de Norte a Sul, sem dó nem perdão. Após a sua passagem resta a cinza, de novo as lágrimas e uma imensa inquietude, um desespero que prolifera por entre gentes simples e indefesas, que tudo perdem e ninguém lhes pode valer. Coincidência ou não, por vezes, dá a sensação que os próprios incêndios escolhem o prime time televisivo para serem notícia. Assim aparecem no Jornal da Tarde ou no Telejornal da noite, enchem os ecrãs de chamas, suor e lágrimas.
Este ano a agravar o drama dos incêndios repete-se a vaga de calor, estranhamente num ano em que vários especialistas vieram a público afirmar que este Verão não se iria registar uma vaga de calor como em 2003. Quer devido a causas naturais ou devido a causas antrópicas uma coisa parece certa, vivemos uma vaga de calor aparentemente não prevista ou então menosprezada. Parece ser uma manifestação de desagrado dos Deuses face à inoperância dos decisores políticos e face à passividade dos cidadãos.
O problema dos incêndios parece ser paradigmático, pois é uma matéria que todos os anos entra na agenda política, basicamente como resultado da sua mediatização. Mas mal a temática é afastada da agenda mediática a agenda política centra-se bem longe do calor das chamas de Verão. Segundo um estudo em que participei, em Agosto de 2003 foi enorme o peso das notícias sobre catástrofes naturais no conjunto das notícias sobre Ambiente publicadas em dois diários – o Público e o Correio da Manhã. As notícias foram recolhidas, classificadas e analisadas a partir de uma tipologia de referentes temáticos, que agregados resultaram em 12 temas ambientais, identificadas no gráfico.
Um primeiro aspecto a referir prende-se com distribuição geográfica dos registos, a qual cobriu praticamente todos o país, ao nível das NUT II, sequencialmente, a região de Lisboa, Centro, Alentejo e Algarve, com posicionamentos distintos segundo cada jornal. Um segundo aspecto prende-se a diferente cobertura temática. O Gráfico mostra a distribuição temática dos registos, destacando-se no caso do Público as seguintes categorias: Recursos e riscos naturais 49%, Gestão do território 15%, Ambiente e Mundo energético 7%, Mundo vegetal e Poluição 5%, totalizando 88%. Por sua vez, as principais categorias temáticas do Correio da Manhã foram: Recursos e riscos naturais 51%, Mundo animal 14%, Gestão do território 11%, Mundo vegetal e Poluição 5%, Ambiente 4%, Mundo energético 3%, totalizando 90% dos registos.

grafico incendios.jpg

Fonte: Schmidt e Ferreira (Observa: 2004)


Os dados parecem deixar clara a enorme mediatização dos incêndios e da vaga de calor do Verão de 2003, correspondendo a cerca de metade dos registos de notícias de Ambiente publicadas mo mês de Agosto, com a particularidade de uma grande percentagem destes registos, respectivamente, 78% e 87%, no Público e no Correio da Manhã, ter sido publicada na primeira página destes jornais. Estes dados parece que não nos servem de exemplo, pois este ano mal começou o Verão tudo se repetiu. Quando vamos inverter este drama? Para quando um Verão em descanso? Para quando um Inverno dedicado à floresta? Estas são algumas das muitas questões que ficam no ar. Por mim ficarei satisfeito se pelo menos uma delas obtiver resposta. Basta de choros, de angústias, de promessas vãs. Chega de enganos e de decisões de gabinete tomadas para um curto prazo inexistente. Do mesmo modo, basta da apatia das populações, que se ergam em sua defesa e em defesa dos seus pertences, que se unam em redor de uma causa comum, tal como o fazem para outras causas com nobreza discutível ou pelo menos com uma nobreza de hierarquia discutível.

NOTA BILIOGRÁFICA:
Schmidt, Luísa e Ferreira, José Gomes, “O ambiente na agenda mediática em 2003” in AAVV (2004), Actas do V Congresso Português de Sociologia, Braga, 12-15 de Maio, Associação Portuguesa de Sociologia.

José Gomes Ferreira

publicado por José às 13:43
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Manifesto (tardio) contra o corte de árvores na Av. João XXIII (in Planalto 2004)

Dou início a este artigo com um pedido de desculpas aos leitores pelo facto de me ter remetido ao silêncio durante algum tempo, nem eu próprio estou habituado a tal mudez, mas a vida tem momentos em que se revela impossível uma presença em todas as frentes. Mesmo distante por momentos não deixo de aproveitar a oportunidade para agora vir a público denunciar mais uma atrocidade cometida mesmo à nossa frente. Este parece por vezes um concelho dominado por coronéis, que põem e dispõem sem dar satisfação a ninguém. Os mesmos que falam em democracia e em incrementar a participação dos cidadãos, quando convém suspendem a voz do povo e decidem sobre o seu futuro num monólogo dissimulado de diálogo entre os pares.
Durante meses esteve em construção na nossa vila o que se pode designar à escala local como uma mega-torre. Um edifício com critérios estéticos muito duvidosos e com o recurso a materiais que nos deveriam envergonhar, principalmente pelo desperdício energético que promovem. Horrores sobre os quais já deixei publicadas algumas palavras em anteriores registos. Mas, quando todos pensavam que esse seria o maior drama, eis que a conclusão da aberrante estrutura vem deixar a descoberto uma situação vergonhosa. Retirados os tapumes que escondiam a obra fomos capazes (Finalmente!) de descobrir que algumas das árvores que caracterizavam a Avenida João XXIII tinham desaparecido sem deixar rasto.
Não sei se o desaparecimento das árvores tinha alguma vez sido notado pelos habitantes de Nelas. Eu sou suspeito a falar sobre tal sumiço, pois só de passagem me reencontro com as nossas gentes e lugares. Acredito não ter sido o único apanhado nessa distracção. Não sei como foi possível, nem quem foi capaz de cometer tal acto ou de o facilitar fechando os olhos. Sei, isso sim, que com esse gesto desapareceu parte do nosso património vegetal e um dos emblemas da vila sem que nenhum de nós tenha sido chamado a dar a sua opinião.
É assustador o desinteresse que a árvore vem sofrendo nos tempos ditos modernos. Logo após a instauração da República o país festejou durante décadas a Festa da Árvore, uma festa que envolvia não apenas as crianças das escolas, envolvia igualmente as altas figuras da Nação e da sociedade civil. Mais de meio século depois a Festa da Árvore foi reinventada com a designação de Dia da Árvore, uma comemoração já sem a pompa e a celebridade de outros tempos. Um festejo meramente simbólico, sem o compromisso de respeito e glorificação dos valores naturais.
Este episódio do corte das árvores na Av. João XXIII teve outro desfecho num caso idêntico ocorrido em Abril de 1925 na estrada de Povolide, onde a câmara de Viseu dinamitou as árvores lá existentes. Ao contrário do actual silêncio, na altura alguns dos mais importantes intelectuais do país insurgiram-se contra o que apelidaram de um “acto de barbárie” levado a cabo por uns poucos. Em artigo assinado por Aquilino Ribeiro, Almeida Moreira e Samuel Maia, denominado “Desafronta aos beirões” e publicado no jornal O Século de 13 de Abril de 1925, estes afirmavam o seguinte: “A inteligência mais rudimentar entende que a eleição para um cargo envolvendo a administração de um património não confere o direito de submeter esse património a caprichos desordenados. Há sempre que respeitar a opinião pública, quando ela se manifesta, prevenir o consenso público sempre que se trate de inovações”. Mais adiante afirmavam ter sido aquele um acto praticado contra a “inteligência, contra o sentimento, contra o interesse colectivo, contra todos os princípios da moral governativa e ainda da boa educação”. Apontando para os poderes locais concluíam: “Estes homens são indignos da nossa confiança, porque atraiçoaram o mandato de zelar os bens comuns, a nossa dignidade e nome colectivo (…)”, fim de citação. Acrescento que o manifesto acima mencionado gerou várias reacções, sobretudo no Chiado, em Lisboa, onde foi organizado um peditório para que fosse angariado dinheiro para replantar no ano seguinte as árvores cortadas, intenção que foi concretizada. De salientar que para o sucesso da iniciativa muito contribuiu o próprio jornal O Século, que a ela se associou.
É desolador verificar que passados todos estes anos o nosso concelho regrediu, no respeito pelos outros e no respeito pelo património natural, que é de todos nós e não de quem quer decidir por si. Não quero com o recordar deste episódio acusar ninguém pelo corte das nossas árvores. Como repetidamente tenho defendido, sejam os poderes públicos, sejam os interesses privados ou corporativos, cabe ao cidadão estar alerta. Um cidadão passivo é pior que um moribundo, pois do moribundo já pouco se espera e do cidadão passivo guardamos a ilusão de um dia afirmar “Presente!”.
Por agora foram estas as matérias sobre as quais tive oportunidade de reflectir. Desejo num próximo registo deixar algumas palavras relativas ao colóquio que tive oportunidade de organizar no meu Observa (ISCTE / ICS-UL). Denominado “Autarquias, Ambiente e Qualidade de Vida”, serviu para apresentar publicamente alguns estudos realizados pelos meus colegas nos últimos anos, dois deles com relevância na vida autárquica: “Municípios, sustentabilidade e qualidade de vida”, que na prática é uma proposta de indicadores à escala concelhia – daí a importância de escrever algo sobre ele neste nosso Planalto; “Os Primeiros Autarcas do séc. XXI: Novas Estratégias Ambientais”, o qual na prática é um inquérito amostral aos autarcas portugueses sobre a implementação da Agenda 21 Local no país, 12 anos após a sua aprovação na Conferência do Rio. Faço votos para que a pausa prevista para o mês de Agosto me permita reflectir sobre estes estudos.

José Gomes Ferreira


publicado por José às 13:43
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Quem aprovou esta regionalização? (in Planalto 2004)

Nos últimos meses muito se tem visto decidir sobre a criação de “novas” áreas metropolitanas e de comunidades urbanas, cada uma delas, ao que parece, com competências próprias. Digo ao que parece, pois, muito tem sido dito e nada tem sido esclarecido. O caricato de tudo isto é que em alguns casos assistimos à discussão (porventura negociação) sobre onde irá ficar instalada a sede da futura estrutura administrativa, contudo não somos informados sobre que estrutura se trata. Nomeadamente, quais as suas competências e em que domínios as irá exercer, ou ainda, como se vão relacionar institucionalmente com as autarquias e qual o futuro dos Governos Civis e das Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional?
Consta que as novas estruturas administrativas surgem no sentido de articularem a acção das autarquias em áreas de interesse supramunicipal, entre elas, os investimentos em sectores como o saneamento básico, a saúde, a educação, o ambiente, as acessibilidades e transportes, o turismo, a cultura, o desporto e o planeamento. Também se sabe que as novas entidades podem ser de dois tipos: as mais importantes são as Grandes Áreas Metropolitanas, as quais devem ser constituídas por um número mínimo de 9 municípios e pelo menos 350 000 habitantes; as outras são as comunidades urbanas, as quais devem integrar um mínimo de 3 municípios e pelo menos 150 000 habitantes. Mas tudo isto são apenas as formas que o processo virá a ter, nada nos diz sobre a sua aplicação no terreno. Em concreto, até agora parece que as novas estruturas apenas servem para renomear as anteriores associações de municípios e as suas competências.
Surpreende-me, ou talvez não, que os mesmos protagonistas que estiveram na linha da frente contra a regionalização, com consulta popular, venham agora, porventura suportados por laivos de solidariedade partidária ou pela conivência com algum do poder local, apresentar, não uma proposta de regionalização mas, a regionalização como facto consumado. A tudo isto se acrescentam os contornos do processo de escolha – porventura arbitrária, porventura conseguida em negociações entre as partes – de integrar esta ou aquela área metropolitana ou esta ou aquela comunidade urbana. Já para não falar da eventual exclusão de algum concelho de qualquer uma das estruturas administrativas. Num mundo que prima pelo individualismo não nos bastam os indigentes, poderemos ser contemplados com concelhos sem-abrigo.
Relativamente ao concelho de Nelas, naturalmente que tenho de concordar com a sua inclusão na Área Metropolitana de Viseu, outra coisa não seria de esperar, levando em linha de conta que a decisão dos governantes será, mais uma vez, irreversível. Esta parece vir a ser a única área metropolitana do interior, o que deve orgulhar os concelhos que a constituem, pois é sintomático da importância nacional da região. Por conseguinte, não devem é fugir a essa responsabilidade, para o que necessitam de trabalhar mais e melhor, aproveitando a vantagem de passarem a estar agregados numa estrutura que, bem vistas as coisas, deveria ser de nível hierárquico superior.
Como sabem, ou penso que sabem, sou um defensor da regionalização, principalmente face ao enorme hiato existente entre o poder central e o poder local (e na mesma ordem de ideias, entre governantes e cidadãos). Sem me querer colar à opinião de qualquer partido, até porque não me revejo em nenhum deles, custa-me como cidadão assistir à ausência, mais uma vez, de consensos mínimos numa matéria tão importante como esta. Umas vezes são as discordâncias sobre o mapa da regionalização e o surgimento de um pelotão de burocratas. Outras vezes, assistimos a tomadas de decisão unilaterais, sem o consentimento de quem quer que seja e sem qualquer visão integradora de todo o território nacional. Na minha opinião, o problema do mapa parece-me fácil de ultrapassar, dependendo da estrutura que se pretende e do território a que possa estar adstrita, basta que os políticos dos mais variados quadrantes estabeleçam um pacto sobre uma matéria tão importante como esta. Mas, não vamos alimentar ilusões, qualquer que seja o modelo a seguir necessitará de burocratas, sendo certo que quanto mais divisões forem feitas mais burocratas vão existir, nem sempre com correspondência directa no melhor exercício das suas competências.
As ambiguidades de todo este processo não se ficam por aqui. Alguém nos explica, se for capaz, como é possível defender esta regionalização e ao mesmo tempo, de modo a cumprir promessas eleitorais, apoiar a criação de novos concelhos? Penso que todos concordam que é óbvio que assim se esgotam os poucos poderes das câmaras, o que nos conduz a uma importante questão: “Para que servem num futuro próximo os concelhos?”. Se for apenas para agregarem freguesias, não servem para nada. A nível local, com este processo vai esgotar-se todo o esforço do movimento de elevação de Canas de Senhorim a concelho, talvez agora se perceba o desespero das últimas declarações públicas dos seus dirigentes. Também se esgota o próprio concelho de Nelas, que perderá a identidade em prol da região.
Ainda recentemente defendi a necessidade de serem repensados os concelhos, mas nunca me passou pela cabeça que iriam perder competências. A solução aparece mal equacionada, pois não devem ser os municípios a abdicar de competências, deve, isso sim, ser o poder central a atribuir algumas das suas actuais competências às novas estruturas. Em suma, o objectivo deve ser descentralizar e não (re)centralizar. Não quero com estas minhas palavras deixar de reconhecer que em algumas matérias as sinergias intermunicipais podem trazer benefícios operacionais a todos, todavia as actuais estruturas, com menor peso na despesa pública e, porventura, com a mesma eficácia, mostram-se capazes de desempenhar as tarefas que lhe forem destinadas. De nada serve uma regionalização que apenas se prevê que traga despesas acrescidas ao país.
Estas são algumas das minhas preocupações sobre as novas estruturas administrativas. As dúvidas que apresentei resultam, sobretudo, da ausência de informação, nem o recurso diário aos mais importantes meios de comunicação supriu essa lacuna. É em conta-gotas que um ou outro governante deixa escapar alguma informação, ou nos damos conta que determinada autarquia decidiu optar por esta ou aquela área metropolitana ou comunidade urbana. Mais uma vez continua sem existir informação concreta para o grande público e quando este se der conta será demasiado tarde. “De que nos falam os nossos políticos ao referirem-se vezes sem conta a participação e cidadania?”. É mais uma importante questão que fica sem resposta.

José Gomes Ferreira

publicado por José às 13:42
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Diferentes com direito a iguais (in Planalto 2004)

Quase às escuras, mas não pelos mesmos motivos de quem vou retratar, deixo neste nosso jornal algumas palavras sobre o exemplo de afirmação e convicção dado pelo Sr. Prof. Fernando Pereira, que limitado nas suas funções físicas não deixa de ter um importante papel na sociedade portuguesa. Falo às escuras porque não vi nenhuma das reportagens nas nossas televisões, nem o conheço pessoalmente. Pelo meu sobrinho, que aliás esteve presente nessas reportagens e directos, sei que é professor de Português e de História na Escola E.B. 2.3 Fortunato de Almeida, em Nelas. Paralelamente usa a música como forma de expressão, trocando sons por imagens que não pode ver, tocando horizontes com as notas das cordas, talvez pensando serem menos longínquos os céus que a realização dos sonhos. Através do projecto Fernando Pereira & os Stoures, pelo que me foi dado a entender através da consulta da página da Internet (www.escoladetodos.com), a música não se limita a ser uma paixão ou uma forma de expressão, a dimensão lúdica da música tem como esfera de intenções o enriquecimento e a facilitação das sociabilidades dos alunos.
Falo às escuras para me colocar em pé de igualdade com o retratado. Faço-o tentando imaginar quotidianos sem espreitar o azul dos céus, sem me deixar contagiar pela felicidade estampada nos rostos dos outros ou sem sentir no coração o palpitar de olhares ofegantes. Falo das dificuldades de alguém específico, todavia milhares de portuguesas e portugueses debatem-se todos os dias com problemas acrescidos, tantas vezes sem o apoio de ninguém, outras vezes com a sensação de serem vistos como “a coitadinha” ou “o coitadinho”, desabafo que acaba por resultar num “lavar as mãos”. Digo isto sem culpar ninguém, em vez disso uso como exemplo para todos o exemplo de luta e vida dado pelo Sr. Professor.
Não deveremos ter medo, teremos porventura algum pudor, em reconhecer que na sociedade moderna, tecnológica e competitiva, é promovida sem cessar a perfeição do homem. Sei que não é fácil de aceitar mas, silenciosa e lentamente, são promovidas expressões de eugenismo que nos lembram páginas dramáticas da história da Civilização. Por culpa da tecnologia (ou dos seus usos humanos), à semelhança do século anterior, o séc. XXI é também ele o século do corpo, por sinal um corpo que agora se assume cada vez mais em objecto da tecnologia. Estamos, por conseguinte, perante um corpo apenas assumido como matéria e é nessa condição que se presta a ser manipulado no sentido do belo e do sublime, rejeitando todos os outros moldes.
Não é preciso ser-se nenhum especialista para se reparar em algumas expressões de censura a que os corpos menos “perfeitos” se vêm votados. Se antes “gordura era formosura”, agora quem não consumir produtos light e não frequentar um ginásio pode enfrentar o olhar devorador da censura alheia. Semelhante exemplo é o da calvice, se outrora “era dos carecas que elas gostavam mais” agora, excepto se for um exercício de vaidade, a calvice é alvo de forte preconceito. Entretanto, o corpo, de tão exposto que é, já nada tem para revelar, é um mero artifício, produzido uma vezes por necessidade, outras vezes por mera vaidade de um sujeito que se aproxima do arquétipo do cyborg.
Este quadro de institucionalização de práticas sociais resulta (e porventura em alguns casos poder-se-à pensar que é o resultado) num conjunto de actividades aparentemente ao serviço do corpo. São exemplos as biomedicinas, que tanto permitem o nascimento, outrora negado, como o prolongamento da vida, mas também as cirurgias estéticas que permitem artificializar o que era natural. O mesmo se pode afirmar de algumas práticas de aborto, cujos objectivos passem pelo evitar do nascimento de bebés que depois se possam revelar um peso para os pais e um custo para os serviços de saúde de cada país. Não distante das biomedicinas surge a indústria farmacêutica e a cosmética. Num outro extremo aparece a produção e comercialização de produtos alimentares. Como agregadora de muitas destas actividades está a moda – a roupa, o desporto, o lazer, entre outras. Estes são alguns dos exemplos, a lista é infindável e vai sempre no sentido da procura da perfeição do homem-matéria, menosprezando tudo o que não corresponda a um homem-modelo.
Através destes e de outros exemplos fica a ideia de que quem não tem todos os predicados da “perfeição” poderá ser remetido para um lugar não lugar da sociedade. Curiosamente muitas vezes as tecnologias são adoptadas com o argumento da promoção da cidadania, ora, o que na prática se pode constatar é que algumas opções na era das tecnologias acabam por acentuar as diferenças e promover a exclusão. Assim vemos os idosos serem colocados em lares, alguns deles a fazerem lembrar os outrora asilos, com o que a designação tem de depreciativo. Embora o termo lares não possua a carga negativa do passado, contudo a recente avaliação feita pelo Ministério que os tutela dá uma clara ideia de como são hoje tratados os idosos. Mas não são apenas os idosos a serem remetidos para lugares marginais da sociedade contemporânea. Talvez de forma ainda mais grave as pessoas com deficiência, física ou outra, em poucos casos conseguem ver reconhecido o seu lugar como cidadãos. Muitos exemplos se poderiam dar sobre as limitações à dignidade de todos os homens, sugiro apenas dois deles, com a triste virtude de serem comuns a muitos cidadãos deficientes.
O primeiro dos exemplos a que me refiro dá conta das dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, importante para a sobrevivência material de cada um e também para a realização das suas ambições e expectativas. O segundo exemplo é exterior aos contextos de sociabilidades do cidadão com deficiência, contudo atravessam de forma estrutural o seu dia-a-dia, refiro-me à falta de planeamento das cidades, vilas e aldeias, como se sabe nada apropriadas a todos os cidadãos. Se nas ruas são as barreiras físicas, o estacionamento automóvel sem regras, os buracos e o lixo, no interior dos edifícios, com relevância para os públicos e para os espaços de cultura, a falta de planeamento ou a ausência de soluções posteriores dificultam ainda mais as acessibilidades no dia-a-dia.
Muito se fala em solidariedade para com a pessoa deficiente, a prática continua a ser o que sempre foi, ou seja, pouco ou nada significativa. O deficiente não é tido na sua autonomia, nem considerado uma pessoa com a sua própria dignidade, ambições e com um papel social igualmente importante. Ainda assim o pouco que tem sido feito – muito a exemplo do contributo na primeira pessoa do Sr. Professor Fernando Pereira – é só por si motivo para se ter esperança num futuro melhor, mas muito mais é ainda necessário fazer. Acredito que precisamos não apenas de políticas capazes de promoverem o que é comum designar-se como discriminação positiva, mais importante ainda é a necessidade de se mudarem as mentalidades e se afastarem preconceitos mesquinhos. Acredito que só a mudança de mentalidades conferirá a ao cidadão com deficiência, como a qualquer outro, o seu devido lugar na sociedade portuguesa, não um lugar à parte, antes sim, o lugar de cidadão de pleno direito. Em suma, o lugar de diferente a quem deverá ser reconhecido o seu estatuto de igual.
Não termino este meu breve artigo sem deixar uma nota de pesar pela morte do Sr. José Matias, o oleiro do Folhadal, cuja notícia da sua perda me deixou consternado. Uma triste perda para a aldeia e para o concelho, pois, não se perde apenas mais um habitante, perdeu-se uma instituição difícil, porventura impossível, de substituir. Se bem se lembram no ano passado dediquei um artigo aqui no nosso Planalto ao nosso oleiro e ao seu papel na preservação de tamanha herança. Embora não lhe restitua a vida sinto-me honrado pelo facto das minhas palavras e fotografias documentarem a passagem por nós de cidadão tão ilustre. E são uma prova de que o valor social de cada um não se mede pelo poder, pelo dinheiro, pelos títulos académicos ou qualquer outro atributo material que se diga possuir. Antes sim pela sua capacidade de entrega aos outros e a causas comuns. Lamento que em vida nada tenha sido feito para dar sequência à sua obra, acredito que em nós ficará a sua memória.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 13:41
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

A doença da Saúde (in Planalto 2004)

Não é necessário grande esforço para se concluir que, a cada dia, um direito inscrito na Constituição se revelar um direito adquirido não concretizado. Exemplos não faltam. Sirvo-me apenas de um deles, num apontamento que procura ir ao encontro dos anseios e inquietações dos utentes do Centro de Saúde de Nelas. Como podem deduzir estou a falar no acesso à Saúde, evocado na sua expressão local, mas com episódios semelhantes neste Portugal que se reivindica de moderno – pelo menos a julgar pelos festivais de música e pelos torneios de futebol que organiza.
Embora fosse minha intenção ter deixado já algumas palavras sobre a turbulência diária no Centro de Saúde só agora o faço. Todavia, por mera coincidência, não poderia escolher ocasião mais apropriada. Vivemos momentos em que o Ministério da tutela parece interessado em actualizar as listas de doentes e a respectiva distribuição pelos médicos de família. Numa primeira leitura direi que se trata de uma decisão louvável, pois, permitirá melhor gerir os utentes face aos recursos médicos disponíveis, ao ponto de se falar em deslocação geográfica de alguns profissionais. Infelizmente a ideia de actualizar os doentes nas listas dos médicos de família não vem só, mesmo com alguns desmentidos o que mais se ouviu falar ultimamente foi da possibilidade de não serem apenas actualizadas as listas. Muito se tem falado sobre a vontade de alguém, seja com que critérios, “abater” das listas os indivíduos “saudáveis” que não recorreram ao seu médico nos últimos três anos. Uma intenção sem qualquer sentido de equidade e que revela um enorme desconhecimento das necessidades do país. Na verdade, colocar em prática uma medida dessa natureza necessitaria de ver implementado um modelo de segurança social capaz de se constituir como alternativa ao actual. Nomeadamente, capaz de permitir ao utente optar por um ou outro modelo. Sem essa alternativa tudo o que se disser será pura demagogia. E a concretizar-se representará um gesto danoso dos direitos dos utentes.
Apesar deste enfoque anteriormente não previsto recupero agora o motivo principal deste meu breve artigo. Mais uma vez recorro a realidades não por mim vivenciadas mas a testemunhos transmitidos através de diversos meios. Falo mais com o conhecimento de algumas realidades próximas, semelhantes às que me foram relatadas, não me fixo, no entanto, no que me foi transmitido, sem que com isso me afaste da realidade quotidiana de muitos dos utentes do nosso Centro de Saúde. Em Nelas e um pouco pelo país, vivemos num labirinto de promessas vãs e políticas tantas vezes desajustadas, outras vezes mesmo obsoletas, que retiram ao cidadão o pouco que lhe pertence – acima de tudo, o direito de ser respeitado na sua integridade. Só o desrespeito por esse direito permite entender porque motivo se vê esquartejado e empurrado para a calada da noite para conseguir obter uma consulta para si ou para um familiar ou amigo seu na manhã seguinte. Sem que saiba se chegará a tempo de a conseguir.
É humilhante só de pensar que muitos dos utentes deste como de outros Centros de Saúde – diria de doença – passam a noite inteira na expectativa de obter uma consulta com o seu médico de família. Até onde chegou o respeito das instituições públicas ou privadas pelo próximo?! Num concelho e num país em nítido processo de envelhecimento, assim se tratam os que trabalharam a vida inteira e os enfermos. Estar doente parece ser um luxo ao qual nem todos se podem dar, coitados de nós, corremos o risco de sucumbir antes de serem prestados os primeiros cuidados. Para agravar o problema, lamentavelmente a figura do que ainda se chama médico de família não passa de uma memória do passado, reabilitada por mera necessidade figurativa, sobretudo porque aos profissionais é deixado pouco espaço de manobra, dada a enorme quantidade de doentes que são colocados ao seu cuidado.
Sem querer entrar em polémicas não deixo de contestar a pouca dedicação pública de alguns profissionais, desdobrados entre consultas no Serviço Nacional de Saúde e a sua actividade privada. Muito se poderia dizer sobre a questão da exclusividade ou não, contudo essa discussão caberá em primeiro lugar aos profissionais, ou aos seus representantes, e aos representantes do Ministério, sem que esqueçam que a opinião pública, porque é ela que vai ser servida, deve ter uma palavra a dizer. Mesmo assim não deixo de manifestar a minha descrença, pois, por muito que nos custe estou convicto que os poderes instituídos em qualquer esfera social dificilmente cedem o seu lugar, face ao risco de se verem confrontados com outros ou mesmo de se verem subalternizados por estes.
Entre o predomínio de poderes e a inconstância das decisões políticas o país vê-se reflectido no modo como trata os seus doentes e os seus idosos. Revela ser incapaz de curar, revela também não ter coragem para implementar medidas preventivas e, porque não, de medidas paliativas, num esforço de apoio a todos aqueles que se encontram no próprio limiar da vida. Veja-se a timidez com que se tem falado em medidas anti-tabágicas, nem a lei actualmente em vigor é cumprida nas instituições públicas. Lá por fora bons exemplos não faltam. A Irlanda deu o mote no momento em tinha à sua responsabilidade os destinos da União Europeia. A cada dia pelo mundo todos se preocupam com as doenças que podem atingir gerações inteiras, nós portugueses, atlânticos e pequeninos, pensamos estar livres desses problemas. Um motivo para regozijo apenas válido até serem efectuados rastreios à população.
Veja-se, igualmente, o que tem sido feito quanto a uma rede nacional de cuidados continuados, prometida foi, não parece é que tenha sido concretizada. Se bons exemplos existem, ainda que poucos, são fruto da dedicação de alguns profissionais e voluntários que fazem da dor dos outros uma causa sua, outras pessoas preferem escolher o caminho mais curto – o da eutanásia como única solução. Um dado parece certo, cada vez mais as doenças do foro oncológico não escolhem idade, raça ou credo, irrompem em forma de dor no interior das famílias. Uma invasão da tranquilidade familiar que obrigará a que qualquer intervenção a levar a cabo deva incidir não unicamente sobre o doente, até porque lhe restam poucos meses de vida, mas também sobre a sua família ou sobre o seu cuidador. E que se deverá prolongar, sempre que necessário, durante o luto.
Sem cair no habitual lamento sobre o país não posso deixar de expressar a minha indignação face à sua capacidade de curar, prevenir e cuidar dos seus doentes. Não por falta de dedicação da maioria dos seus profissionais mas, sobretudo, pela falta de adequação das medidas e políticas a quem devem servir. Como em todas as dimensões da vida política e social, políticas e cidadãos não devem no sector da Saúde continuar teimosamente de costas voltadas. Se assim for, quem protege os cidadãos?

José Gomes Ferreira
publicado por José às 13:40
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Primavera silenciosa (in Planalto 2004)

Uso para rosto deste artigo o título de uma das obras mais emblemáticas quanto à relação homem-natureza e aos efeitos nefastos desse mesmo homem nessa mesma natureza e na sua própria saúde. Estou a falar do clássico Primavera silenciosa, de Rachel Carson, que, se a memória não me falha, foi editado pela primeira vez na sua versão original em língua inglesa em 1962. Essa obra alertava pela primeira vez para os perigos do uso dos pesticidas na agricultura. Aqui a minha preocupação será outra. De modo prioritário, quero falar-vos acerca de algumas questões locais que irradiam um silêncio fétido e preocupante. Ainda que o uso de pesticidas por todos nós, ao longo dos anos, deva só por si ser motivo de preocupação ou pelo menos de estudo.
A primeira das questões de que vos quero falar não é apenas local, é um drama nacional. Refiro-me ao clima de insegurança e impunidade em que o país tem vindo a ser mergulhado. Não nos bastam as ameaças do horror terrorista, por vezes aqui tão perto e para nós ali tão longe (porque a dor dos outros não é a nossa). Como devem perceber, estou a falar da onda de furtos recentemente registada. Com tudo o que tem acontecido pelo mundo fora e entre nós somos levados a pensar que a Civilização entrou num período de retrocesso, sobretudo, tendo em conta que um dos aspectos que distingue um Estado moderno de qualquer um outro é o facto de ser este a possuir o controlo dos meios de violência. Ora, o que na prática ocorre é que os Estados estão a perder cada vez mais esse seu atributo.
Internamente, regressa o fantasma da justiça popular, uma afronta ao estado de direito e, mais ainda, uma afronta às instituições. Gera-se aqui um paradoxo, uma vez que, curiosamente, é a ineficácia das instituições que fomenta e alimenta a ideia da justiça popular. Por exemplo, neste drama dos assaltos o que na prática tem ocorrido, de norte a sul e agora também na nossa terra, é que irrompem em catadupa nas nossas vidas sem que se veja nenhuma acção eficaz no combate a esse flagelo. Um processo a revelar uma clara falta de capacidade de intervenção por parte de quem deveria intervir. Umas vezes é a falta de meios, outras a falta de preparação dos profissionais, outras então a falta de coordenação, desculpas não faltam. Aí surge, então, o fantasma da justiça popular, achando os seus protagonistas que vão ser capazes de resolver os problemas pelas suas próprias mãos. Embora não simpatize com este ideia reconheço que o desespero possa mobilizar as pessoas para áreas que não lhe estão atribuídas, espero por isso que sejam as instituições a evitar estes extremos errantes
Talvez mais grave ainda é quando os criminosos são apanhados e depois a culpa não é formada. Face a uma justiça tardia e, pelo que cada mais se escuta, injusta, não cessa de aumentar o sentimento de impunidade. Como disse publicamente um mediático advogado: “Em Portugal, quem tem estatuto social e político e poder económico, safa-se sempre”. Isto para não falar nos tribunais a abarrotar e nos processos que prescrevem sem ser feita justiça.
Sobre a nossa terra e o clima de insegurança a que se viu submetida resta-me pedir a todos para não facilitarem. Lá diz o ditado: “A ocasião faz o ladrão”. Longe vai o tempo em que se podiam deixar abertas as portas das casas. Mesmo assim, se algo ocorria lá existia o bode expiatório de sempre, mas à custa dele muitos devem ter ficado regalados. Naturalmente que não deixo de alertar as autoridades com algumas responsabilidades para as assumirem, entre elas a GNR. Pois é esse o seu papel, garantirem a segurança dos cidadãos e o estado de direito, se assim não fosse estaríamos num país de pistoleiros. Infelizmente nem a nossa terra, de algum modo tranquila numa certa pacatez, escapa à perversão das mentes criminosas.
A segunda questão que me levou a deixar estas palavras para os leitores é já uma questão de política local clássica, mas também muito à semelhança do que se passa com o próprio país. Refiro-me ao seu excessivo pendor centralista, com visibilidade depois na sua macrocefalia, ou seja, a persistência da ideia de que “o país é Lisboa e o resto é paisagem” teima em concretizar-se na vila de Nelas. Os exemplos não param, alguns deles capazes de alcançarem impacto nacional, neste caso fico-me com o que para muitos pode ser um pormenor, mas para mim é uma questão de postura dos responsáveis políticos locais face às populações.
A capa do número de dia 1 de Abril do nosso Planalto dava destaque à iluminação pública na Av.ª António Monteiro, de ligação do Folhadal a Nelas. Não deixo de expressar a minha satisfação pela magnificência da iluminação da dita avenida, contudo, não deixo de expressar, igualmente, a minha indignação. Como se pode reparar a iluminação apenas serve os interesses da vila, pois após a última rotunda reina o breu e o jejum. Felizmente o Folhadal tem atributos próprios e não se fina perante esta afronta. Tem boas gentes, é um lugar com uma esplanada sobre o coração da beira, tem o céu iluminado pelas estrelas, neste último caso ao contrário da vila que se ilumina com partículas incandescentes libertadas na combustão dos seus maiores ícones (desenvolvimento a quanto obrigas!).
Não fosse a dependência energética do país – das reinantes energias fósseis, diga-se – e a iluminação pública seria sinónimo de modernidade. Com tantas energias que a natureza nos dá, com destaque para a solar e a eólica, vivemos na terra da abundância e do desperdício. É lamentável que não se recorra a uma dessas opções, talvez assim as luzes que iluminam a avenida fossem capazes de pelo menos iluminar o largo do cemitério ou então fossem capazes de acompanhar toda a Estrada da Felgueira até terminar o Folhadal. Seria uma atitude reveladora do maior respeito pelos seus habitantes.
Apesar desta imagem negativa nem tudo no nosso concelho é mau. Uma outra ideia de primavera silenciosa parece querer brotar. Por ela e pela esperança num amanhã melhor termino o meu artigo com merecidas palavras de apreço para com algumas boas mudanças que lentamente ocorrem., como se a permanência não fosse apenas sinónimo de atraso, fosse, antes de mais, cuidar do passado e garantir a sua manutenção para os nossos herdeiros (futuros) ou para os actuais visitantes das nossas terras. Convicto da necessidade dessa esperança menciono, igualmente, dois exemplos.
Congratulo-me com o anunciado projecto para a transformação da Quinta da Cerca num parque ecológico, um espaço projectado para cumprir a dupla função de educação ambiental e procura de novas vocações, com é o caso do turismo ambiental e cultural. Reconheço, desde já, a prestação positiva da autarquia em todo o processo, que se espera venha a assegurar os sempre necessários financiamentos. Tenho por hábito fazer alusão às gerações futuras e este é marcadamente um passo importante na preparação do futuro, numa perspectiva de médio prazo. São de louvar as iniciativas em prol da educação ambiental. E se neste caso a encaro, basicamente, como destinada aos mais novos, os adultos também dela necessitam. Por exemplo, muitas pessoas teimam em não utilizar o ecoponto ou a fazerem-no mal, não sei se por teimosia, se por resistência, se por ignorância, se por ausência de campanhas de sensibilização ou se por falta de informação. A verdade é que o fazem. Porque não mudar? Um pequeno gesto nosso em cada dia equivale a um dia melhor para todos nós. Mas tudo isso é um processo de aprendizagem.
Outra notícia que me cabe louvar é a referente ao anunciado circuito ciclo-pedreste a criar no concelho, que a concretizar-se será uma importante mais-valia (caso não se concretize será apenas uma mentira do primeiro de Abril, mas recorrente na política). Mais do que uma estrutura destinada ao desporto e lazer uma obra destas é um excelente catalisador para promoção da mudança de mentalidades, principalmente porque permite que se acabem as desculpas e os medos para o cidadão não fazer ou não saber. Trata-se de uma estrutura capaz de complementar de forma subtil o esforço feito no futuro Parque Ecológico da Quinta da Cerca, talvez com a vantagem de ser mais aberta a todos.
Depois do anúncio destas estruturas, ao nível das grandes estruturas ficará a faltar um parque de campismo, preferencialmente junto às termas das Caldas da Felgueira e ao rio Mondego. Se um dia se avançar com ele, colocará a região em definitivo na rota do turismo natureza. E, claro está, falta-nos um Museu Municipal, Etnográfico, o nome pouco importa desde que seja um reservatório da cultura popular. Estes laivos de esperança permitem-nos acreditar que a primavera silenciosa poderá corresponder à edificação de um concelho melhor. Mas se tudo isto são coisas boas, muito falta ainda fazer. Da parte que me toca vejo com optimismo a obra feita mas, como não simpatizo com o cruzar dos braços, reafirmo que deveremos avançar e trabalhar mais e melhor em prol de todos.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 13:40
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Relembrar 2003 (in Planalto Janeiro 2004)

O ano de 2003 pode em boa verdade ser classificado como o ano de todos os sofrimentos. No plano internacional, sem ignorar os efeitos da crise económica e a segunda guerra do Iraque, que culminou com a ida de soldados da GNR para aquele país, foi marcado por graves acontecimentos. Um dos mais importantes acontecimentos foi a pneumonia atípica, que afectou principalmente a grande China e o Canadá. Entretanto, a maré negra provocada pelo afundamento do petroleiro Prestige na Galiza prosseguiu os seus efeitos, chegou mesmo a afectar a costa francesa, sendo certo que sem o problema resolvido o futuro continua incerto. No fechar do ano merece ainda todo o destaque um acontecimento dramático. Falo com tristeza do sismo que derrubou uma cidade inteira no Irão (Bam), em resultado do qual milhares de vidas se perderam - as estimativas apontam para 40 mil mortos. Aos leitores não sei, pessoalmente os sismos causam-me pavor e num caso desta amplitude mostram que o homem pouco é face ao poder imenso da natureza, resta a esse mesmo homem criar as condições para que o sofrimento seja o menor possível. Nesta matéria Portugal esquece que está numa região de risco, por isso cada dia é um dia de aflição.
Outro destaque do plano externo vai, não para um acontecimento como os restantes mas, para um problema do foro meramente político, falo das alterações climáticas e da assinatura ou não pelos EUA e pela Rússia do chamado Protocolo de Quioto sobre a mesma matéria. Se os leitores pensam que a questão pouco tem de relevante estão muito enganados, sobretudo porque não é apenas um questão ambiental, é a prova provada que o ambiente atravessa todas as esferas. O nosso país parece nestes últimos meses ter despertado para o problema, a Confederação da Indústria Portuguesa tem-se mostrado preocupada com as prováveis falências nas indústrias, pois se as empresas não conseguem reduzir as emissões, porventura porque não têm meios para o fazer, a “solução” será o encerramento. O Governo parece também ter despertado. Seja como for, o problema mais grave nem é o da indústria (de tão pouca que é), são bem mais graves os efeitos do trânsito das grandes cidades e o desordenamento do território (para não falar nos malditos efeitos do confortável ar condicionado). No caso português o que é mais grave é que as emissões previstas em Quioto já foram ultrapassadas, sabem qual vai ser o remédio? Entrar no mercado de emissões. Sabem quem vai pagar tudo isso? Nós todos. Andou o país a poupar o que não tinha para em Janeiro de 2005 começar a pagar pelo que não fez.
Em 2003 a nível interno diversas temáticas atravessaram a sociedade portuguesa, destaco em primeiro lugar a crise dos nitrofuranos, um caso suscitado pela vontade de alguns empresários avícolas apostados em retirar o máximo de lucros das suas explorações, sem se preocuparem com os mais que prováveis efeitos sobre a saúde pública. Este foi um caso que chegou a envergonhar Portugal perante a União Europeia e a deixar cada vez mais o consumidor em dúvida sobre que produtos consumir. Felizmente nestas situações muito se fala em agricultura biológica, agricultura de protecção integrada, ou rótulos como o de denominação de origem, ainda muito embora não se assumam totalmente como alternativas, perante a impossibilidade de satisfazerem um mercado de massas, pelo menos alertam para a necessidade de se mudar as práticas e os hábitos de consumo, ainda que o preço a pagar na hora seja maior, mas a saúde de cada um agradece.
Logo após a polémica dos nitrofuranos um outro acontecimento levou a destruição e morte a muitas famílias portuguesas, provavelmente numa escala nunca imaginada. Estou a falar dos incêndios que sensivelmente a partir de 29 de Julho reduziram a nossa floresta praticamente a cinzas, num primeiro momento no Centro do país e no Alentejo, vindo depois a atingir no Algarve. Entre as causas mais prováveis estiveram: as naturais, ajudadas por elevadas temperaturas, a vaga de calor de que tanto se falou; a mão humana; o progressivo abandono dos campos; o desprezo com que tem sido olhada a floresta nacional, tanto pelos governantes, como pelos empresários florestais e pelo cidadão comum; a falta de coordenação e a falta de meios no combate aos sinistros, com destaque para a inércia funcional resultante da fusão, entre outros organismos, do Serviço Nacional de Bombeiros e do Serviço Nacional de Protecção Civil. Sem se esquecer que a prevenção deveria ter sido a primeira e verdadeira política a seguir, mas o português é bem conhecido por ser o desenrasca, o problema é que a tragédia dos incêndios que afectaram o país no Verão de 2003 não ficou solucionada com a lógica do desenrasca, por conseguinte, apenas sobrou o desespero onde havia dor e destruição.
Sem dúvida que a polémica dos nitrofuranos e a tragédia dos incêndios foram dois factos que estiveram sempre na ordem do dia no momento em que ocorreram, fazendo a abertura dos telejornais ou merecendo honras de primeira página nos jornais. Descendo de escala dois assuntos houve que, muito embora numa escala local, também deram origem a notícias nos meios de comunicação publicados à escala nacional. Refiro-me à larga divulgação que mereceu toda a controvérsia sobre a elevação ou não de Canas de Senhorim a concelho e ao rastreio a alguns dos antigos mineiros da Urgeiriça, motivado pelos prováveis efeitos na saúde da radioactividade das velhas minas. Infelizmente nenhum deles ainda encerrado.
Ao nível estritamente local relembro alguns assuntos que eu próprio a seu tempo agendei e fiz questão de sobre eles falar neste nosso Planalto. É com pesar que afirmo que não imagino o que se passa com o edifício do antigo Ciclo Preparatório, que como disse seria o espaço ideal para instalar o que poderia, ou deveria, ser o Museu Municipal, por nada saber quanto a essa questão nada posso adiantar, pelo que confirmei ainda se encontra à venda. Por certo que ao nível local muito haveria para dizer, basta olhar para a vila, que a cada dia se parece mais com uma cidade mineira do início da Revolução Industrial – poluída e desordenada – matérias que até hoje ainda não abordei, mas nunca é tarde. É o progresso, dizem. Estranha ideia de progresso, digo.
Sobre as outras questões, para não me limitar a uma lista exaustiva elejo apenas dois exemplos, acompanhados com fotografias alusivas ao momento em que escrevo o artigo. Os dois exemplos permitem verificar “o que mudou” e “o que permaneceu na mesma” em 2003 no nosso concelho. Têm a virtude de serem exemplos fotográficos e, como é do conhecimento geral, a imagem fala mais alto que algumas palavras e tem maior impacto.
O que mudou em 2003
Se bem se lembram no terceiro trimestre de 2003 tomei a iniciativa de publicar um artigo sobre o escândalo da utilização do campo de tiro como lixeira a céu aberto. Pois bem, as imagens são claras, após a publicação do artigo algo foi feito. A imagem não nos diz mas se forem ao local percebem que foi apenas uma mera intervenção cirúrgica, logo, não preventiva, deixando cicatrizes visíveis por tempo indeterminado, uma vez que o lixo não foi propriamente retirado, mas antes arrastado pela colina abaixo. Mesmo assim é de louvar a iniciativa. O campo de tiro encontra-se agora limpo e com a entrada condicionada, e com uma placa a indicar que é “Proibido vazar entulho”. Todos nós ficamos a ganhar com esse gesto, foi uma vitória da cidadania sobre a apatia. Uma coisa parece já ser certa, teremos de continuar atentos, até pelo que me foi dado observar os prevaricadores estão agora apostados em despejar os detritos noutros pontos, a cerca de meio quilómetro mais acima num troço da estrada velha. Só com a atenção de todos e a aplicação de pesadas multas estes atentados ao que é de todos nós podem terminar.
O que foi ignorado em 2003
Mais uma vez, teimosamente, sem querer acusar ninguém aproveito o poder da imagem para insistir na necessidade de ser condicionada a acção humana numa pequena área que circunda as sepulturas antropomórficas existentes lá para os lados da Rua do Pombal/Largo do Colóquio. As ditas sepulturas podem não ter grande valor nem ser bonitas para os outros, mas para o concelho, de modo geral, e para o Folhadal, em particular, são partes do seu passado que deveriam merecer outra sorte. As imagens são bem explícitas, o que se assiste é um persistente crime contra o nosso passado. Estes não me parecem ser modos sensatos de cuidar do local de repouso dos nossos antepassados mais longínquos. Não culpo quem estaciona praticamente em cima das sepulturas, nem quem sobre elas coloca tijolos, culpo, isso sim, quem nem o espaço limpa, nem tem qualquer ideia em mente para o local, pelo menos a julgar pelas intervenções não levadas a cabo. Por mim – e, penso, pela grande maioria dos habitantes do Folhadal – peço apenas que o espaço seja devidamente cuidado e assinalado, podem até reduzir a faixa de terreno onde estão inseridas, para permitir obter lugares para estacionamento, mas, POR FAVOR, nos metros quadrados que restem façam alguma coisa: coloquem relva, plantem uma árvore, coloquem uma placa identificativa, seja o que for, FAÇAM!
Estas foram em síntese algumas das questões em agenda no ano de 2003 nos diversos planos: internacional, nacional e local. Termino com um desejo, que neste novo ano cada cidadão não abdique de participar em todos os processos para que é solicitado ou nos processos em que acha que o deve fazer, que seja capaz de ir para além de protagonismos em conversas de café. Pela minha parte, reconhecendo as minhas limitações e prováveis falhas, estarei sempre disponível para fazer algo mais pela nossa terra. Resta-me desejar a todos que 2004 seja bem melhor que o ano anterior. BOM ANO.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 13:39
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Aleg(o)ria de Natal (in Planalto 2003)

Como por magia chega mais um Natal. Nesta quadra cidades, vilas e aldeias enchem-se de luz e esplendor. As crianças quase negociam o presente que desejam, os adultos atafulham de ilusões os grandes espaços comerciais e as pequenas lojas. As estradas ficam subitamente bloqueadas perante o vai e vem dos portugueses de um lado para o outro, não tardará partem das grandes centros rumo à chamada “terra”. Em breve a família alargada se unirá, para que assim se cumpra a magia, feita com as alegrias dos corações nos momentos de reencontro e de permanência.
O Natal é também feito de memórias. O frio dos primeiros dias do mês de Dezembro lembra tempos e festejos idos, em que as famílias se aconchegavam no carinho da lareira. Tempos em que se aproveitava para descansar do frio que tido invadido o corpo na apanha da azeitona, tempos também dos enchidos a preencherem a casa de esperança, e em que nas noites longas ao calor da lenha se recordava com saudosismo todos os que já tinham partido, mas que permitiam aos mais velhos recuperar quotidianos, gentes e lugares.
Em contextos como o nosso, o Natal assume-se enquanto momento de exaltação dos laços de família e das redes de sociabilidade. Em contraponto, nos meios cosmopolitas o Natal viu-se reduzido a um mero lugar de troca, principalmente das prendas que agora não se penduram na chaminé mas se escolhem criteriosamente e se entregam em mão, muitas vezes como instrumentos de uma verdadeira acção de marketing. Assim se tecem as relações entre instituições e profissões, do mesmo modo assim se modelam as relações de consanguinidade. Enfim, esta é a quadra da solidariedade, expressa em diversas formas.
Na nossa terra, felizmente, o Natal é mais do que a festividade em si, com os seus próprios rituais. Acima de tudo é um ritual de união da família, consagrado sobretudo na noite da consoada e no almoço do próprio dia. E em alguns casos na missa do galo ou na missa do dia, embora a missa do dia seja, em parte, um ritual consagrado a um primeiro momento de sociabilidade, com visibilidade no traje que se guardou para o momento e na cumplicidade vivida na passagem de quase todos os habitantes da aldeia pelo largo onde arde a fogueira alusiva às festividades. Mesmo os que, por algum motivo, não participem na eucaristia de Natal é certo que mais tarde vão encontrar oportunidade para se deslocarem para junto dos troncos que ardem no largo.
Se a casa é o lugar da família, a capela o lugar da fé, da festa religiosa e a primeira oportunidade de sociabilidade, o largo da aldeia com a sua fogueira é o lugar das sociabilidades por excelência, lá se juntam ricos e pobres, adultos e crianças, habitantes, familiares não residentes e convidados. O largo funciona também como estruturador dos papéis sociais. Tem a particularidade de ser basicamente um lugar de sociabilidade masculina, onde os homens se assumem como que porta-vozes da família. Às mulheres continua a ser reservado um outro papel, o de em conjunto preparem o almoço e de assim facilitarem mais um reencontro de todos.
É junto à fogueira que se trocam as primeiras palavras, é também junto à fogueira que os que partiram para lugares distantes recuperam amizades e laços de vizinhança. Depois, quase à mesma hora, todos partem para junto dos seus, trocam até à derradeira encruzilhada as últimas sílabas da manhã. Alguns partilham o aperitivo para o almoço, quer nas tabernas, quer por vezes em casa. Note-se que o convite para um vizinho tomar um aperitivo em casa, embora feito pelo homem, passa pela confirmação da dona da casa, com um cordial “Entre Sr. António, venha beber qualquer coisa!”. Por norma o almoço é em família, alargada nomeadamente pela presença dos filhos e filhas, das noras e dos genros, e dos netos e das netas.
Horas mais tarde os habitantes hão-de voltar ao largo, como que convictos de que as sociabilidades na aldeia não iludem a permanência. Entretanto, os filhos da terra agora distantes partem em direcção ao destino que os trouxe. Os que ficam recuperam tradições e conversas. Os que partem desejam permanecer e, tantas vezes, impedir a contingência da fuga necessária, mas as suas vidas são também feitas de outros lugares e outras sociabilidades. Antes de partirem, em vez de lágrimas e constrangimentos, preferem sentir mais uma vez as fragrâncias da terra e do pinhal. Respiram fundo silenciosamente! Com esse gesto escondido querem fortificar a ambição de regresso e de constância. Antes que tudo isso aconteça ambos esperam tornar inalteráveis tantas outras festividades natalícias.
Mais uma vez como por magia se cumprirá o Natal. Para todos os amigos e leitores deste nosso Planalto deixo uma ideia de Natal que, felizmente, ainda se concretiza na nossa terra, embora a sua virtude vá sendo dissimulada por objectos e rituais pouco característicos desta quadra. A ideia de Natal que aqui quis deixar não é a de um Natal de luxúria e esplendor. Em vez dessa ilusão escolho a ideia de festa, de familiaridade, e a de reforço dos laços de vizinhança e da manutenção das redes de sociabilidade. São estas ideias as associadas ao Natal, associadas à ideia de reprodução dos laços que nos unem e ao seu fortalecimento.
Não termino sem desejar a todos um BOM NATAL e que o ANO 2004 nos traga muitas alegrias. Votos sinceros de BOAS FESTAS.

José Gomes Ferreira

publicado por José às 13:38
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Este património que nos resta (in Planalto 2003, sem fotos)

Mais uma vez uso a palavra escrita para insistir que nos cabe a todos nós, sejamos autarcas, empresários, agricultores, profissionais liberais, operários, donas de casa, encarregados de educação ou cidadãos, na sua formulação mais genérica, lutar pelo cuidar da nossa herança cultural e patrimonial. Mais, ainda, acredito que é nos contextos locais que se joga o nosso futuro. Não vale a pena dizer que não é connosco, pois somos todos responsáveis e enquanto tal deveremos participar no esforço de melhor decidir o futuro. É tempo de mudar e essa mudança envolve-nos a todos, só assim se promoverá a preservação da nossa herança cultural, testemunho vivo do passado, no presente, a legar às gerações vindouras.
O nosso concelho, com a riqueza natural e patrimonial que o caracteriza, tem tudo para ser um local de atracção, contrariando a tendência do país, de concentração em duas grandes Áreas Metropolitanas – Lisboa e Porto –, tarefa que exige pessoas empreendedoras e com uma visão de futuro. Estamos no coração do Dão, mais um motivo para se ter orgulho nas nossas gentes, nas nossas aldeias e vilas, sem esquecer que a nossa história, bem expressa através de monumentos vivos, faz parte de nós e assim deverá permanecer para quem no futuro por cá ande. Incumbe-nos honrar e dignificar as nossas heranças, é nossa responsabilidade enquanto cidadãos fazê-lo. Não vamos mais uma vez virar as costas.
Em alguns momentos confesso algum desalento face à letargia vivida na nossa terra, ante momentos em que as nossas memórias e os nossos anseios por um mundo melhor são interrompidos por avassaladores sobressaltos, sem que se entendam os motivos da supressão da glorificação de um ideal-tipo de vivência em comunidade com respeito pelas heranças culturais. Como se pode constatar nas fotografias é desse desalento que vos falo, cujo epicentro se localiza na própria sede do concelho de Nelas.
Caros Amigos! É de palavras e imagens que me sirvo para expressar publicamente a minha profunda tristeza e indignação face ao estado de abandono a que chegou o edifício do antigo Ciclo Preparatório, um mau exemplo para quem nos visita, sobretudo ao estar exposto para quem o quiser ver logo ali em frente da Estação dos Caminhos-de-ferro, e um mau prenúncio para os nossos sucessores. Veja-se o cenário que se nos apresenta, o de um edifício em ruínas, moribundo, por quase todos esquecido, em que no momento da recolha das fotografias podia ler-se numa pequena placa um lacónico «Vende-se», como que a colocar em leilão parte da memória colectiva e da vivência das nossas gentes.
Confesso que desconheço qual a história do velho edifício e qual o motivo de ter chegado ao actual estado. Do mesmo modo, ignoro se se trata de propriedade privada ou pública. Seja como for, com um passado mais ou menos importante, propriedade privada ou não, deveria ser recuperada a dignidade de um edifício que durante muito anos recebeu centenas dos nossos pequenos alunos, agora homens e mulheres já adultos. Pelo menos por todos nós, que fizemos daquele espaço um espaço de saber e de sociabilidades juvenis, deveria merecer o mínimo de respeito e atenção. Embora sabendo-se de antemão que o país vive momentos de crise e que as autarquias são quem mais sofre.
Um espaço como aquele, com toda a sua história, seria o local ideal para instalar o que poderia ser um Museu Municipal ou Etnológico, pelo menos por mim sonhado ao longo de várias páginas aqui publicadas, sem que alguém com reais interesses no futuro do concelho tenha feito nada. Sei bem que a cultura “não enche a barriga”, mas sem cultura um país não se justifica enquanto tal, ao não permitir a transmissão da memória colectiva e ao não facilitar a configuração dessa mesma memória. Pior ainda, a história tem sido testemunha de que a ignorância apenas serve regimes de cariz autoritário. Não é isso que desejamos para Nelas, nem para o país. Num Portugal que se deseja moderno as palavras de ordem deveriam ser (entre várias) agir, informar, participar, partilhar espaços e preservar.
Resta a esperança de ver a autarquia ou qualquer outro organismo público assumir qualquer iniciativa, mesmo que seja em parceria com entidades privadas, a lei de mecenato, a concretizar-se, serve é para estas iniciativas, já para não falar nos Programas Operacionais de tudo quanto mexe. Como último recurso resta a esperança de pessoas individuais ou colectivas fazerem avançar essa obra que nos poderá orgulhar. Não se trata de inveja mas os nossos vizinhos possuem o já famoso Museu do Pão, nós, contrariamente, parece que estamos mais apostados em deixar erguer espaços comerciais, onde se vendam os tapetes de arraiolos feitos na China, os aparelhos eléctricos e electrónicos da Coreia do Sul e, porque não, as gangas vindas directamente da Tailândia. Penso que concordam comigo se eu disser que para quem se preocupa com a nossa terra, mas também com o país e com o planeta, estas coisa doem. Para todos deixo o desafio.
Termino o meu artigo com uma última nota de lamento. Sem querer acusar ninguém, até porque não me vejo no papel de delator, não deixo de manifestar o meu profundo pesar pela situação de desprezo que vive a sepultura antropomórfica existente no Pombal. Move-me o desejo de um Folhadal melhor, capaz de ser um exemplo para todos. Entristece-me ver o que já foi um lugar de repouso para os que partiam transformado em parque de estacionamento ou depósito de materiais. Não procuro culpados, no entanto penso que em última instância caberá à autarquia (e que é feito do IPPAR quando se precisa dele?), a responsabilidade de proteger o que é de todos. Uma protecção que poderia apenas passar pelo ajardinamento e vedação da área, com uma placa identificativa da sepultura. Será pedir muito?

José Gomes Ferreira

publicado por José às 13:37
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Natureza para que vos quero (in Planalto 2003)

Convicto da importância do meu olhar, tantas vezes incrédulo, sobre o quotidiano nos nossos lugares e na nossa presença em comunidade – na qualidade de cidadãos, de quem se espera que exerçam em plenitude esse seu atributo –, aqui deixo mais algumas palavras para os leitores mais atentos ou apenas para os simples interessados. Nessa sã convivência entre autor e leitor partilho convosco uma preocupação já tantas vezes expressa e idolatrada, a minha preocupação e dedicação à natureza, sobretudo à natureza vivenciada.
Não me vou deter em aspectos mais académicos, esses são alvo de reflexão em tempo e lugar próprios, no entanto, não deixo de enunciar algumas das minhas devoções e percepções sobre o que se pode pronunciar como “esta ideia” e “aquele lugar”, ou mesmo sobre o Planeta e a ideia e percepção do Cosmos organizado. São essas algumas das alusões correspondentes a uma noção de natureza por vezes entendida como colocando o ser humano fora de si mesma, pois não raramente o homem é referenciado como situado num patamar superior, dada a sua capacidade de agir sobre esta, capacidade que, como se deverá supor, lhe confere responsabilidade na sua acção sobre aquela outra. Sendo certo que esse mesmo homem é apenas mais uma espécie a juntar a tantas outras que corporizam a natureza, com a particularidade de ser a única espécie a agir sobre ela, o que faz dele responsável tanto pela espécie humana como pelo futuro de todas as espécies e de todas as paisagens.
A partir deste enquadramento, percorrendo uma escala que vai do âmbito global ao local, decidi falar-vos sobre uma realidade com que me deparo praticamente em cada visita que faço ao nosso Folhadal. Em cada uma dessas visitas constato um progressivo afastamento das pessoas em relação aos campos, sobretudo os mais jovens, os quais olham com desdém a inocência fatigante dos trabalhos agrícolas, como que rejeitando o suor neles deixado pelos seus antepassados. Não condeno esse quase total alheamento, sei que muito se deve a causas externas, como sejam as políticas agrícolas, a busca de novas oportunidades; ou então a causas internas, genericamente relacionadas com a gestão de expectativas e com as discrepâncias geracionais. Seja qual for a explicação parece tirada de uma qualquer ideia de progresso apenas com registos urbanos, uma ideia com pressupostos falaciosos. Considero, genericamente, que sem a ideia e a prossecução de uma relação primordial homem-natureza não haverá progresso, apenas terá lugar a incessante artificialização do que outrora acreditávamos ser o meio natural.
Em termos sintéticos esta é a realidade com que nos confrontamos nesta nossa terra e em muitas outras comunidades. Paradoxalmente esta não é a realidade sonhada e por vezes concretizada por jovens e adultos que habitam uma qualquer grande urbe. Curioso ou não é que estes últimos anseiam por possuírem um pedaço de terreno onde possam ignorar o ruído e a poluição das grandes cidades, e onde possam viver o compasso das colheitas em detrimento do compasso de chegar a um qualquer lugar.
Os jovens dos meios tradicionalmente rurais fogem de tudo o que de natural os rodeia, exaltam o urbano e os seus valores, ignoram a possibilidade de poderem estar a viver num paraíso anunciado aos segundos [embora seja um paraíso na terra, por conseguinte, com defeitos]. Em contrapartida, os citadinos desejam recriar nas suas vidas a relação milenar do homem com a natureza, substituindo o perverso confronto com o que os rodeia pela vontade de equilíbrio entre eles e a natureza, que é seu desejo os venha a rodear. No campo perdem-se profissões, perdem-se saberes que não se sabem perpetuar, enquanto isso é promovido, sem que se saiba por quem, o desejo de um quase determinismo cultural identificador das grandes metrópoles, infelizmente em inúmeros casos tal desejo aponta para o lado obscuro da vida social urbana. Contrariamente, na cidade imaginam-se saberes, sabores e odores, sonha-se com um recanto picotado pelas estações do ano e pelo silêncio das plantas no quintal e das aves no horizonte.
Em suma, nos contextos agrários são rejeitadas as ideias de natureza e de permanência, optando-se pelo percorrer de uma representação de cidade como sustentáculo de uma ideia de progresso; na cidade, por sua vez, sonha-se com o paraíso, com a imagem e o imaginário campestre, ou então revisita-se a memória. Com ou sem paradoxo um elemento parece ser merecedor de consenso, a natureza é só uma, o que muda em cada contexto é a intervenção do homem sobre ela, ao espelhar diversas matizes do processo de artificialização do meio natural.
Como filho desta terra tento sempre que posso alertar para alguns sintomas de indiferença face ao que nos é exterior. Termino exactamente da mesma forma que iniciei, a expressar o meu desejo pela transformação do que nos é mais querido em todas as suas expressões, ou seja, a nossa terra e tudo o que a ela se refere e em todos os domínios. Não me canso de clamar pelo fim do vosso silêncio, pelo exercício pleno dos vossos direitos e responsabilidades, ou seja, pelo exercício da vossa cidadania, claro está uma cidadania participativa. Só através dela o país fará sucumbir o marasmo e a passividade em que gosta de estar. Sendo certo que do silêncio apenas brotará a ignorância, pois, somente a participação promove uma sociedade mais justa e mais igualitária, com decisões partilhadas e não tomadas pelo grupo dos designados pares. A diferença é que no primeiro caso as decisões servem os interesses da comunidade, de uma comunidade interessada, no segundo caso as decisões apenas servem o grupo restrito de interessados e estão por isso ao serviço destes.
Estas são esquematicamente algumas das questões que sobre a vida quotidiana se colocam, e não apenas sobre a natureza, embora esta seja cada vez mais um forte alvo de cobiça. Estas e outras questões deveriam ser na prática motivo para a tomada de decisões que interessam ao futuro Planeta e à própria Humanidade. Através delas será possível minorar o lado irresponsável da acção humana sobre os seus próprios futuros e a falta de equacionar as questões na perspectiva de tempo longo, e eliminar a desmedida preocupação geracional.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 13:37
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Abandono e Insucesso Escolar no país e no concelho (in Planalto 2003)

No início do mês de Março fomos confrontados com os dados de um estudo sobre o Insucesso e Abandono Escolar em Portugal realizado por uma equipa de sociólogos para o Ministério da Educação, com o diagnóstico por concelho de um conjunto de indicadores. A partir da consulta da página da Internet do mencionado Ministério o texto que a seguir apresento procurara efectuar um breve exercício de análise dos dados obtidos, fazendo menção especial aos dados referentes ao concelho de Nelas, sempre que possível comparativa com o concelho de Viseu.
Os dados apresentados no estudo surgem divididos em três grandes grupos, será a partir deles que tentarei fazer o ponto da situação do nosso concelho, na medida em que a partir daí será possível aos decisores políticos, Governo e autarquia, colmatar as situações menos conseguidas. Os três grupos são os seguintes: Abandono e Insucesso Escolares, Indicadores da Rede Escolar e Indicadores de contextualização económico-social.
O “Abandono e Insucesso Escolares” é constituído por vários indicadores, um destes indicadores é o “Abandono”, que, tal como é dito, diz respeito ao “Total de indivíduos, no momento censitário, com 10-15 anos que não concluíram o 3.º ciclo e não se encontram a frequentar a escola, por cada 100 indivíduos do mesmo grupo etário”. Quanto a este indicador, relativamente ao país, constata-se que na década de 90 os níveis de abandono escolar baixaram significativamente, baixando no Continente de 12,5% da população dos 10 aos 15 anos em 1991 para 2,7% em 2001. Os concelhos da região do Tâmega e do Douro destacam-se pela negativa, nestes pelo menos 8% das crianças em idade de escolaridade obrigatória não concluíram o 3.º ciclo nem se encontravam a frequentar a escola, em 2001. Sem motivo para grande regozijo o concelho de Nelas ficou-se pelos 3,4% de abandonos, percentagem acima dos níveis nacionais obtidos em 2001 e claramente acima de 1,9% obtido por Viseu.
Outro indicador do primeiro grupo é a “Saída Antecipada”, referente ao “Total de indivíduos, no momento censitário, com 18-24 anos que não concluíram o 3.º ciclo e não se encontram a frequentar a escola, por cada 100 indivíduos do mesmo grupo etário”. No Continente, em 2001, aproximadamente ¼ da população dos 18 aos 24 anos não concluiu o 3.º ciclo nem se encontrava a frequentar a escola, com os níveis mais baixos de saída escolar antecipada a registarem-se fundamentalmente nas regiões de Lisboa e do Centro, ocupando os concelhos de Oeiras e do Entroncamento as duas primeiras posições. Contrariamente, os valores mais altos registam-se na região do Tâmega, onde metade dos indivíduos dos 18 aos 24 anos não completaram o 3.º ciclo nem se encontravam a frequentar a escola. Valor que no nosso concelho desce para 26,2%, percentagem próxima da média nacional, mas claramente distante dos 21,6% obtidos por Viseu.
Um outro indicador, a “Saída Precoce”, corresponde ao “Total de indivíduos, no momento censitário, com 18-24 anos que não concluíram o ensino secundário e não se encontram a frequentar a escola, por cada 100 indivíduos do mesmo grupo etário”. Sendo que, em 2001, 44% dos alunos residentes no Continente não concluíram o ensino secundário nem se encontravam a frequentar a escola, com os concelhos de Oeiras, Coimbra e Lisboa a serem os melhores posicionados, onde aproximadamente 1 em cada 4 indivíduos da faixa etária mencionada saiu sem ter concluído o ensino secundário. Em contrapartida nas zonas do Norte do país a maioria dos indivíduos desse mesmo grupo etário não tinha concluído o ensino secundário, atingindo em alguns concelhos o índice de saída precoce mais de 70%. Percentagem que no concelho de Nelas é de 50,4%, relativamente a Viseu obteve neste indicador 41,4%.
O penúltimo dos indicadores neste primeiro grupo é designado de “Retenção”, o qual define a “Percentagem dos efectivos escolares que permanecem, por razões de insucesso ou de tentativa voluntária de melhoria de qualificações, no ensino básico (1.º, 2.º e 3.º ciclo), em relação à totalidade de alunos que iniciaram esse mesmo ensino”. O estudo conclui que a nível nacional a maioria dos concelhos apresenta taxas de retenção próximas do valor médio do continente, embora predominem valores ligeiramente inferiores ou superiores à média nacional, verificando-se as situações mais positivas em concelhos da região Centro e em alguns do Alto Minho. As situações mais negativas ocorrem em concelhos dos distritos de Vila Real, Bragança, Portalegre, Évora e Beja. O concelho de Nelas obtém, para o mesmo período (1999-2000), 12,6%, por sua vez Viseu obteve 10,8%.
O último dos indicadores deste primeiro grupo designa o Aproveitamento no Ensino Secundário. “Este indicador incide sobre os alunos que nos 10º e 11º anos obtêm classificação igual ou superior a 10 valores em todas as disciplinas correspondentes ao curso frequentado ou em todas menos duas e os que concluem o 12º ano”. No conjunto do território nacional a maior parte dos concelhos registam taxas de aproveitamento em torno do valor médio do continente, contudo em algumas regiões predominam valores ligeiramente inferiores. No país pouco mais de 40 dos concelhos apresentam valores de aproveitamento superiores a 70%, com os concelhos de Nisa, de Viana do Alentejo e da Batalha a registarem percentagens de aproveitamento superiores a 80%. Neste indicador o concelho de Nelas regista uma 61,0%, percentagem um pouco longe dos concelhos que lideram o ranking, curiosamente o concelho de Viseu registou 60,6%.
Relativamente ao outro grupo identificado, o relativo aos Indicadores da Rede Escolar, cabe deixar as palavras seguintes. O primeiro destes indicadores é referente aos “Estabelecimentos com menos de 6 alunos” e assume como característica dominante o facto de a maior parte dos concelhos apresentarem valores inferiores à média nacional. Os concelhos que registam valores superiores à média nacional, embora claramente minoritários, fazem subir a média do continente, sendo que alguns deles apresentam valores superiores a 50%, com a particularidade de serem concelhos iminentemente rurais, concentrados em três regiões, duas mais reduzidas – o Baixo Alentejo e o denominado Pinhal Interior; e uma maior – o Noroeste do país. No concelho de Nelas são 11,1% os “Estabelecimentos com menos de 6 alunos”. A realidade do concelho de Viseu nada tem que ver com a apresentada, apenas regista 2,8% de estabelecimentos de ensino com menos de 6 alunos.
Neste grupo importa fazer menção ao indicador “Estabelecimentos com menos de 99 alunos”. Segundo este indicador a maior parte dos concelhos apresentam valores inferiores à média nacional, revelando um reduzido número de municípios com muitas escolas com mais de 99 alunos. Sendo claramente minoritários os concelhos que apresentam valores superiores à média nacional, os quais se caracterizam por serem concelhos iminentemente urbanos, concentrados nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto e no litoral algarvio. Tal como o indicador anterior, no concelho de Nelas este indicador obtém 11,1%, contra 8,5% no concelho de Viseu.
Segue-se o indicador “Estabelecimentos com 1 e 2 professores”, em grande parte coincidente com o indicador “Estabelecimentos com menos de 6 alunos”. Este indicador apresenta como característica dominante o facto de a maior parte dos concelhos registarem valores superiores à média nacional, nestes casos este tipo de estabelecimentos assume uma importância relativa superior a 80%, podendo estes casos atingir valores mais elevados em concelhos iminentemente rurais e concentrados no Baixo Alentejo, no interior da região centro e em grande parte do Noroeste continental. No mesmo período (2001/2002) no concelho de Nelas essa percentagem é de 66%, entretanto o concelho de Viseu fica-se pelos 53,8%.
O último dos indicadores deste grupo é relativo à “Cobertura da educação pré-escolar”, pelo facto deste indicador não merecer análise por concelho não parece pertinente a sua descrição, embora a cobertura da educação pré-escolar seja um indicador da maior pertinência e sintomático do desenvolvimento de cada concelho, sobretudo quando cruzado com variáveis, por exemplo, demográficas.
Resta o terceiro agrupamento de indicadores, os “Indicadores de contextualização económico-social” do estudo do Ministério da Educação. Entre esse grupo de indicadores encontra-se o IDES – Índice de Desenvolvimento Económico e Social, pelas explicações dadas trata-se de uma adaptação para Portugal do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, sendo que no nosso concelho, em 1999, atingiu 0,748, valor sensivelmente idêntico ao de Viseu, este último a registar 0,747.
Outro dos indicadores deste último grupo é o IEDU – Índice de Educação, um índice baseado na taxa de escolaridade da população com 15 e mais anos de idade em ambos os sexos. Em 1999 o IEDU registou no concelho de Nelas 0,944, colocando o concelho sensivelmente no 41º lugar do ranking nacional, o que é motivo para algum contentamento, mas não vamos cruzar os braços, pois podemos sempre fazer mais e melhor. Curiosamente neste caso o valor alcançado por Nelas é superior ao de Viseu, o qual se fixa apenas nos 0,904.
A estes indicadores devem ser adicionados outros, no caso relativos às questões não directamente relativas à educação, mas a questões que atravessam toda a sociedade portuguesa, como sejam, o desemprego, a variação populacional e a concentração dos aglomerados. Relativamente ao desemprego o estudo do Ministério da Educação refere o “Índice de desemprego registado nos jovens”, pena que na versão do estudo do Ministério da Educação analisado não apareciam os valores por concelho. Seja como for este aspecto não se desligará, nomeadamente, dos indicadores de Abandono e insucesso escolar, na medida em que o desemprego e as qualificações não são realidades dissemelhantes, pelo contrário, complementam-se.
Os indicadores unicamente respeitantes à educação, e mesmo o índice do parágrafo anterior, não parecer ser alheio à variação da população e à forma como surgem concentrados os núcleos populacionais. Sobre o primeiro destes indicadores, no período 1991-2001, enquanto Viseu registou 11,8% Nelas registou uma “Variação da população residente” de -2,3% (menos. Mas o problema não se fica por ai, agrava-se com a tendência para a “Concentração urbana-população em aglomerados com mais de 2000 hab.”, a qual registou no concelho de Nelas, em 2001, 38,2%, percentagem que no distrito de Viseu se fixou num mais modesto 25,9%.
O texto apresentado procurou da forma mais simples e diversa possível divulgar os dados do estudo sobre o Insucesso e Abandono Escolar em Portugal, seria de toda a conveniência os decisores políticos terem em linha de conta os resultados desse estudo, principalmente no que aos indicadores de abandono escolar se refere. Por outro lado, não deveremos esquecer que a realidade estudada expressa parte da realidade das nossas crianças e jovens, como tal, assumir unicamente a frieza dos números significa ignorar outros domínios da realidade social, que deveriam num futuro próximo ser alvo de identificação e minimização. Falo aqui, essencialmente, de algumas causas do abandono e do insucesso escolar, as quais devem merecer toda a atenção nos processos de decisão. Dou especial destaque a alguns contextos familiares, que importava ver salvaguardados, mas não ignoro os contextos de bairro e de rua, ambos com reflexos no processo de aprendizagem. Porque este texto já vai longo resta-me afirmar que este é para já o meu contributo, como sempre estarei disponível para tudo o que estiver ao meu alcance.

José Gomes Ferreira

publicado por José às 13:35
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Campo de tiro ou lixeira a céu aberto? (in Planalto 2003, sem fotos)

Sempre que posso regresso às origens, nessa altura, praticamente sem esforço, recolho pedaços da nossa terra. Recupero as memórias naquilo que se perdeu ou naquilo que permanece. Identifico as novas tendências e perspectivo rumos alternativos. Entre a permanência e a mudança troco palavras com alguns dos leitores ou retenho outras conversas. Uma das tristes conclusões a que chego é de que o nosso concelho, apesar de bem dotado pela natureza, vive de costas voltadas para o que tem de melhor: tem um espaço natural por excelência e a sua singularidade – a de porta de entrada para a Serra da Estrela e a de lugar privilegiado no planalto beirão. Com este artigo volto a bater em duas teclas já gastas, a da indiferença dos cidadãos e a da ineficácia, ou ausência, de políticas públicas.
Vergonha, irresponsabilidade, um verdadeiro escândalo – são as únicas palavras capazes de classificarem o espectáculo dos detritos de diversas proveniências amontoados num espaço que em alguns momentos dizem ser um campo de tiro. Lamentavelmente, em pleno séc. XXI, alguns dos habitantes do concelho de Nelas revelam um total desprezo pelos outros e pela natureza. Infelizmente é uma imagem que caracteriza o país.
Posso admitir que ao longo das nossas vidas o ambiente e todas as questões ligadas à defesa da natureza tenham sido remetidas para um lugar à margem das decisões, assim como da acção das instituições e de cada cidadão, dado o peso da herança cultural. Não aceito é que persista a indiferença para com a natureza e, nessa ordem de ideias, para com todos os seres humanos, também eles membros de pleno direito dessa mesma natureza, com a particularidade de serem os únicos com a capacidade de agir sobre ela. Como tenho repetidamente referido esta particularidade obriga o homem a assumir responsabilidades para com todos os outros seres, para com as paisagens, os recursos minerais e marinhos, as serras e montes, os oceanos e mares.
Com mágoa sou obrigado a reconhecer que a defesa do meio ambiente praticamente se limita a ilustrar discursos, com a agravante do mau exemplo vir de cima, facto que demove o cidadão de participar. Ainda assim não desculpo os cidadãos. Por exemplo, muitos dos leitores ignoram que durante anos consecutivos, para retirarem o mínimo de sustento da terra que cultivavam com o esforço de suor e lágrimas, contaminaram os solos com pesticidas, cujo efeito na saúde humana estará ainda por investigar. Tudo isto quando é do conhecimento público que os novos cancros encontram no meio ambiente as condições mais favoráveis.
O tempo urge! Os recursos são cada vez mais diminutos, o planeta revela-se incapaz de se regenerar e, por si só, de fazer face aos atropelos e danos da acção humana, cada vez mais irreparáveis. É cada vez mais urgente uma mudança de comportamento por parte de todos e a promoção de boas práticas ambientais. E a resposta está unicamente em nós. Quando é que nos vamos dar conta de que é necessário mudar de hábitos (maus hábitos, diga-se)? Que desculpas vamos agora dar? Será que vamos continuar a usar o tradicional argumento do «Não sabia» ou «Não estava informado»? NÃO! DESTA VEZ NÃO! Com o ambiente a estar presente em todas as esferas do quotidiano não é compreensível tamanha despreocupação. Por certo a informação ainda é insuficiente, mas vamos parar de sacudir a água do capote, basta que cada um não feche os olhos, basta que retire a atenção da notícia sobre futebol, basta que as conversas se libertem da análise da vida alheia. É preciso mudar de atitude, é preciso dizer BASTA!
Pela minha parte lamento que as palavras que tenho publicado neste nosso Planalto nem sempre encontrem eco em muitos dos leitores, mesmo assim não desisto de partilhar convosco as minhas preocupações. Acredito que estas e outras palavras possam deixar algumas sementes, acredito que, como em todas as dimensões da vida, o mais importante seja plantar hoje para colher amanhã. Embora relativamente à protecção da natureza se tenham já ultrapassado muitos dos limites. Alguns dos leitores podem não ter disso consciência mas muitas reacções catastróficas da natureza têm causas humanas, é esse o caso das alterações climáticas, mas também do efeito de estufa e, outrora, das chuvas ácidas. Em Portugal a ameaça do próximo Inverno parece ser a da erosão provocada pelas chuvas, mais uma consequência dos incêndios que no Verão afectaram o país, com a agravante da erosão poder resultar em cheias catastróficas, dada a ausência de vegetação, única barreira ao deslizamento de terras.
Apesar das prováveis reacções catastróficas da natureza o país vai fechando os olhos a numerosos atropelos ao ambiente, mais ainda num período de crise económica como o que agora se vive. O nosso concelho não foge aos males do país, só assim se justifica que um campo de tiro se veja transformado numa lixeira ilegal, a que as autoridades competentes parecem fechar os olhos. As imagens que apresento foram colhidas em Setembro semanas após a realização de uma competição de tiro, sobre elas devo dizer que são incapazes de exibir a real dimensão da lixeira. De regresso ao local no início de Novembro deparei-me com o mesmo cenário, por sinal agravado pelos despejos constantes. Quem for ao local poderá contemplar na parte plana da infra-estrutura resíduos de obras, nomeadamente pedaços de tijolos resultantes de paredes derrubadas, e muito ferro velho. Por sua vez na encosta (desta montanha de lixo) observamos todo o tipo de refugos, com destaque para as dúzias de pneus e para o verdadeiro ferro velho de electrodomésticos. Um olhar mais atento permite avistar logo ali um dos ribeiros que alimentam o caudal do rio Mondego. Não nos basta o escândalo da lixeira a perturbar os nossos sentidos, depressa se conclui que as prováveis escorrências – óleos usados nos automóveis, borracha proveniente dos pneus e resíduos perigosos dos electrodomésticos – vão rapidamente entrar nas linhas de água e acabarem por ser mais uma fonte de poluição do grande rio, símbolo das beiras (Alta e Litoral).
Não pretendo eleger culpados, pois somos todos nós, mesmo assim não deixo de criticar a atitude da Câmara Municipal de Nelas, ao que parece indiferente a tudo isto, pelos menos parece fechar os olhos, aliás à semelhança da ausência de intervenção do Ministério das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente. Fica ainda por saber quem procedeu à “limpeza” do campo de tiro para o torneio de Setembro, tudo indica que quem o fez utilizou uma retroescavadora para deixar o terreno plano, atirando os lixos encosta abaixo.
Importa relembrar que o Ministério criou nos últimos anos a Linha SOS Ambiente, com o número 808 200 520, para que os cidadãos possam alertar para qualquer atentado ao meio ambiente. Estamos perante um simples instrumento que permite a cada um denunciar situações mais gravosas, cometidas pelo próprio Estado ou pelos outros cidadãos, sobre o espaço natural.
Desde o primeiro momento em que me deparei com o espectáculo do lixo decidi dar voz a uma situação outrora porventura sem importância, que cada vez mais importa abolir da nossa vida quotidiana. Fiz tudo isto convicto de que o exercício da cidadania tem expressão no espaço público, enquanto espaço de participação de todos e lugar de construção da sociedade civil e do indivíduo. Seria razoável se cada um de nós agisse preocupado com o outro, incluindo os vindouros, e com o espaço natural que o rodeia. Perante o testemunho revelado pelas fotografias que aqui deixo parece, infelizmente, ser pedir muito a alguns de nós. É tempo também eles de mudarem.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 13:34
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Dia Internacional do Idoso (in Planalto 2003)

Um dia não basta para homenagear com a eloquência merecida todos aqueles que agora, com um certo tom de desdém, são chamados de Idosos, de Velhos ou por Terceira Idade. É no mínimo lamentável que se esqueça que envelhecer é apenas o culminar de um processo natural, correspondente ao aproximar da última das fases da existência humana, uma fase a que nenhum de nós escapa. Com a particularidade de nas últimas décadas o envelhecimento, sobretudo devido aos desenvolvimentos da medicina e da farmacologia, poder equivaler a anos ou décadas de vida.
Os idosos são, em muitos casos, pessoas activas e, não raramente, a ausência de actividade, para quem sempre foi activo, poderá ser um elemento catalisador de alguns problemas que mais tarde ou mais cedo, associados a outros, podem ser fatídicos. Do mesmo modo, encarar a velhice como uma doença será transformar os nossos idosos em meras máquinas nem sempre operacionais que para funcionarem se sentem dependentes dos médicos, dos laboratórios farmacêuticos, dos cuidadores ou dos lares. Com frequência o idoso só não é activo se não for chamado a intervir, se for tacitamente ignorado. É então que várias questões se colocam: Quando nos tornamos idosos? Na idade da reforma? Quando diminuem as nossas faculdades? Questões para as quais não se obtêm respostas objectivas, pois o mais importante é a própria experienciação da velhice.
Se a velhice não é uma doença o avançar da idade surge associada a muitas doenças. No idoso a dor, para além das maleitas próprias da idade e das características de cada indivíduo é, em parte, reflexo do abandono e incapacidade de fazer coisas que outrora eram rotineiras. É tantas vezes a dor da angústia, perante a fragilidade e a dependência e perante a incapacidade de adaptação ao novo período da vida. O fim da vida associado ao envelhecimento requer, por conseguinte, uma atenção redobrada junto da pessoa idosa, tantas vezes uma quase constante presença dos familiares ou outros de cuidadores. No nosso concelho, como em qualquer outro lugar, urge preparar esta fase da vida, o que em primeira instância nos implica a todos directamente e envolve igualmente todos aqueles que mais directamente nos rodeiam.
Ao contrário do que muitos especialistas e políticos nos fazem acreditar as ditas modernas sociedade ainda não passaram da mera depreciação da velhice para o elogio da velhice. Uma verdade persiste, o idoso continua a ser um cidadão, aliás, neste caso com a vantagem de possuir saber e experiências acumuladas, conhecimentos que poderá partilhar com os restantes grupos etários. Assim sendo, numa sociedade pluralista como a nossa, é cada vez mais um imperativo dignificar a presença do cidadão idoso em sociedade, nomeadamente através da promoção da sua maior integração e da sua plena aceitação, como exemplo da diversidade de vivências e da partilha de experiências inter-geracionais.
Estas palavras ganham maior peso quando expostas a dados estatísticos. O Censo realizado em 2001 pelo Instituto Nacional de Estatística permite-nos constatar que em Portugal o grupo etário com 65 ou mais anos, corresponde a 16,4% do total da população residente no país. Em termos absolutos, um total de 1 693 493 num universo de 10 356 117 residentes. Este envelhecimento da população portuguesa tem como prováveis justificações adicionais às causas que permitem o aumento da esperança de vida: a diminuição do número de nascimentos e a diminuição do número de nados mortos.
No caso do concelho de Nelas os dados preliminares do mesmo Censo permitem concluir que o grupo etário com 65 ou mais anos corresponde, em valores absolutos, a 2 917 do total de residentes no concelho, para um universo de 14 283. Ou seja, o grupo etário com 65 ou mais anos corresponde a praticamente 20% da população do concelho, cerca de 4% acima da média nacional. Uma percentagem que nos deve a todos preocupar, com especial destaque para os titulares de cargos políticos, à escala nacional e local.
Em prol do progresso as fábricas têm contribuído para a melhoria da qualidade de vida de todos, o reverso é que a progressiva industrialização e terciarização do tecido económico concelhio acelerou o afastamento dos campos. Um processo que, por se processar tão rapidamente, tem reflexos directos no próprio tecido familiar, uma vez que rapidamente os jovens, ao contrário dos seus pais que praticavam, e alguns ainda praticam, uma agricultura de subsistência, adquirem independência económica em relação à família de origem. Muitos deles acabam por conseguir cedo a sua futura habitação e o seu automóvel, e em alguns casos chegam a casar mais cedo do que os seus pais esperariam, ao conseguirem conquistar o seu próprio lugar na comunidade e deixarem de estar fora do jugo familiar. Mas apesar de cedo garantirem a sua autonomia, facilitada pela abertura do mercado de trabalho, muitos são os jovens que não contribuem para o rejuvenescimento do concelho. Outros chegam mesmo a partir para outras paragens à procura de novas e melhoras oportunidades, facto que acentua o envelhecimento das populações de origem.
A família rural, ou que resta dela, é cada vez mais a família nuclear, constituída basicamente por pais e filhos (os que permanecem). Em contrapartida, a família alargada, tantas vezes estabelecida em redor de um patriarca (muitas vezes uma matriarca, basicamente quando viúva), apenas se consegue recuperar através das palavras de um romance. A família fragmentou-se e o nosso concelho não ficou indiferente a essa realidade. O recurso a dados estatísticos permite verificar uma ligeira diminuição do número de residentes no concelho – de 14 618 residentes, em 1991, para 14 162, em 2001 –, diminuição que, curiosamente, não impediu o aumento do número de famílias, feita aqui à custa da diminuição média das famílias. Segundo os Censos 2001, no concelho de Nelas, em 1991 o N.º de Famílias era de 4 737 e em 2001 alcançava 5 170. Por sua vez, a Dimensão Média das Famílias era em 1991 de 3,1, valor esse que em 2001 desceu para um preocupante 2,7.
Em suma, os dados demonstram que, apesar de ter sido registada uma diminuição do número de residentes no decorrer de uma década, tal diminuição não impediu o aumento do número de famílias, aumento este feito à custa da diminuição do tamanho da família, agora com dificuldades em se reproduzir. A situação é preocupante porque pode corresponder a lares em que os filhos partiram e agora apenas se mantém o casal de origem ou mesmo só um dos membros do casal, no caso do outro membro ter já falecido. Mas se os mais jovens querem manifestar a sua independência face aos restantes membros da família, por isso partem em busca dessa independência, os mais idosos dão-se conta da progressiva perda de autonomia, sobretudo porque o avançar da idade trouxe consigo algumas das doenças associadas, no que se faz sentir grandemente na perda de mobilidade.
Foi assim que a família outrora alargada deu lugar a maior número de famílias mas com menos membros. Aos idosos resta, em muitos casos, a solidão e a partilha de quotidianos com os seus vizinhos. Restam igualmente os lares, onde, se é certo que muitos podem viver dias felizes, também é certo que não estão ao dispor da grande maioria das famílias. Na comemoração do Dia Internacional do Idoso não deixo de prestar o meu sentido reconhecimento pelo importante papel social desempenhado pela Associação Cultural e Recreativa do nosso Folhadal, desta vez pelo seu contributo na dignificação do idoso na sociedade portuguesa, em geral, e na comunidade local, em particular. Mais uma vez um exemplo a seguir.

José Gomes Ferreira

publicado por José às 13:34
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Rastreio dos condenados (in Planalto 2003)

Caros Amigos! No dia em que escrevo estas palavras o nosso concelho voltou a ser notícia em meios de comunicação à escala nacional por motivos poucos abonatórios. Nesta mesma noite pelo menos um dos Telejornais de umas das televisões de maior audiência deu enorme destaque ao problema da contaminação radioactiva da área adjacente às Minas da Urgeiriça, dias antes tinha já sido motivo de notícia em alguns jornais nacionais. O propósito da notícia decorre do anúncio da realização de um rastreio à população afectada e da implementação de medidas de minimização dos impactes ambientais decorrentes do estado de abandono da dita mina.
Tudo indica que relativamente ao primeiro aspecto o estudo terá como objectivo averiguar da possibilidade de relação entre o problema da radioactividade da mina e da prevalência de cancro na região. Ao que percebi o rastreio será feito em cerca de 300 pessoas do concelho, sobretudo habitantes de Canas de Senhorim. Em todo o processo parecem ser apenas sujeitos ao estudo alguns dos trabalhadores da antiga mina, a mim espantam-me tais critérios, não sei como é possível diluir o risco a que foram sujeitos os ex-trabalhadores em análises apenas genéricas, estou convicto que todos eles merecem ser sujeitos a um estudo diferenciado, pois sempre estiveram mais expostos. Mais ainda, o estudo deve incluir outras populações do concelho e de outros concelhos, ambas desagradavelmente invadidas pelos restos de um passivo ambiental e de saúde pública sucessivamente ignorado pelos vários governantes. Na mesma sequência devem ser realizadas análises à fauna e flora, bem como aos solos e aos aquíferos da região.
Naturalmente que o estudo é bem vindo, mas quantos mais precisam de morrer para comprovar a necessidade de avançar com ele? Tantos anos de exploração e posterior abandono, com elevada exposição à radioactividade parecem de nada servir, parece que apenas serviram para mergulhar nas águas do Mondego tudo o que fosse possível mergulhar. Relembro aos mais esquecidos que estamos a falar de um problema que deveria ter visto solução e ser correctamente monitorizado após o encerramento da mina, ocorrido no meio da década de 80. É, aliás, no final da mesma década que surgem as primeiras notícias alarmistas sobre os efeitos da radioactividade, nesse caso sobre a sua prevalência na albufeira da barragem de Aguieira, facto que suscitou apreensão junto dos autarcas e levou o Gabinete de Segurança e Protecção Nuclear a decidir-se pela realização de vários estudos.
Mesmo após todos estes anos, como se pode comprovar no local ou a partir de estudos pontuais e de várias reportagens da comunicação social, as minas continuam abertas a viagens itinerantes de crianças em deambulações pelo abismo e pela mediocridade passiva da denominada responsabilidade humana. A partir dos vários relatos que nos chegam torna-se possível constatar, nomeadamente, o seu aspecto de abandono, a libertação de escorrências, a facilidade de qualquer um de nós ter acesso privilegiado ao local e os níveis de radioactividade que alguns conhecedores do fenómeno dizem ter detectado. Perante todo este cenário, de despojos de uma guerra sempre perdida e lenta, pergunto: “Que mal fizeram estas gentes?”, “Será que não merecem saber qual o ar que respiram, a água que bebem, a radioactividade que os aniquila?”
Se alguns de vós se recordam no Verão passado escrevi um artigo para este nosso Planalto sobre a mesma matéria, a que dei o título ”Verão radioactivo”, no qual recorria a algumas das minhas memórias para alertar todos vós e, sobretudo, as autoridades competentes. De novo é com uma enorme tristeza que deixo estas palavras. Nesse primeiro artigo referia que as águas vindas da limpeza do “minério” eram depois utilizadas na agricultura, a troco de determinada importância, que quase religiosamente os agricultores a cada ano iam levantar aos escritórios da Empresa Nacional de Urânio (ENU), tenho presente ter ido algumas vezes quando ainda era muito jovem. Lembro-me que para muitos agricultores aquele dinheiro representava como que um ordenado que não tinham, pois quase todos eles praticavam a chamada “agricultura de subsistência”, pelo que aquele dinheiro, conjuntamente com a produção daquelas terras, era como que “ouro sobre azul”. Pena que, pelo que recordo, em momento algum a entrega do dinheiro tinha anexada qualquer informação sobre a perigosidade das águas.
Como muitos sabem parte da minha infância, adolescência e mesmo início da idade adulta foi passada a trabalhar a terra, que no caso familiar se localizava em parte fora do Folhadal, uma grande quantidade de parcelas situava-se nas proximidades, ou quase no interior, de povoações como as Caldas da Felgueira, Vale de Madeiros e mesmo perto de Canas de Senhorim, por conseguinte sempre vivi de perto com os despojos das Minas da Urgeiriça. Talvez por isso tantos anos passados não me conformo com o que fizeram às nossas gentes. Pergunto-me: “Como foram capazes de comprar a sua inocência?”. Alguns agricultores mesmo que nos seus pés estivessem umas botas de borracha tocaram com as mãos água com propriedades que nem sequer imaginavam, como foi possível tal acontecer num Portugal dito de herdeiro de Abril?
Quanto ao futuro recuso-me a pensar que depois da dor de algumas famílias tudo será novamente esquecido. Não quero nem pensar que será necessário um alerta maior, por exemplo na barragem de Aguieira, como é óbvio com um risco de enorme dimensão, a que a região Centro está potencialmente sujeita, para que alguém diga as palavras mágicas: “Faça-se!”. Faço votos para que o rastreio não confirme as preocupações das populações. Faço, igualmente, votos para que sejam desde já implementadas as já tardias medidas de restrição do acesso às áreas contaminadas e para que toda a área seja devidamente reabilitada ambientalmente.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:45
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

À descoberta do Folhadal: Mãos que o barro molda (in Planalto 2003, sem fotos)

Quase silenciosamente, como o vento frio que sopra nas noites longas de Inverno, este nosso Planalto é, com grande certeza, um fiel depositário da cultura passada e presente do nosso povo legada ao futuro. Tem sido, aliás, com essa convicção que sempre que posso colaboro na redacção de uma história escrita em quotidianos, ainda que muitas vezes pressinta que as minhas palavras se percam num labirinto de silêncios e olhares flagelados pela nortada.
Desta vez, até para alargar o âmbito da minha participação a outras temáticas e clamar pela presença de outros protagonistas desta nossa terra, aproveito a ideia de uma actividade escolar das nossas crianças para prestar a minha, e penso que de todos os leitores, homenagem ao homem que há várias décadas escolheu o nosso Folhadal para instalar a sua olaria, o que muito nos honra. Foi assim que no último dia do ano de 2002 na procura de material para as tarefas escolares do meu sobrinho fui visitar a Olaria do Folhadal e o seu artesão, o Sr. José Matias, em boa verdade um artista a moldar o barro, numa paixão contagiante pela efervescência, emoção e convicção.
As palavras que aqui deixo são breves não tanto devido aos meus afazeres, mas porque as fotografias para as quais o Sr. José "pousou" com toda a simpatia falam por si. São o espelho da obra feita e do seu artista, e reflectem-se nas formas e na simplicidade das suas peças. Tantas vezes se procura a perfeição, muitas vezes se ignora que se encontra na simplicidade, dando a ideia de estar escondida dos nossos olhares e das nossas sensações. Pena que nem sempre descobrimos que quem se encontra num esconderijo somos nós e dele teimosamente não queremos sair. Parece que os gestos simples e as palavras nos ofuscam e assim se perdem pessoas, lugares, objectos e emoções.
Neste texto repousa parte do meu olhar sobre esta nossa terra e o meu sentir daqueles momentos que passei com o Sr. José naquela tarde de passagem de ano. As fotografias que dou a moldar às palavras foram feitas na qualidade de amador, mesmo assim penso que dão voz à nossa terra e exaltam as suas tradições e as suas gentes. Escolhi apenas duas delas, talvez algumas das restantes sejam aproveitadas para o meu sobrinho, ou o professor dele, colocar na Internet, o que nos deixaria a todos felizes.
Numa das fotografias pode ver-se o nosso homenageado num momento de produção das suas peças, numa outra apresentam-se algumas das peças já retiradas do forno. Se fosse um filme iria mostrar o esforço que vai do preparar do barro até ao momento da peça final ser retirado do forno e ficar pronta para regalo dos nossos ancestrais olhares. E porque não para o uso que se lhe queira dar, desde os pequenos jarros nas velhas adegas até à utilização de vasilhames de grandes dimensões para morangos ou flores, vários usos podem ter.
Da conversa mantida alguns registos merecem destaque, por isso mesmo acrescento algumas notas e termino com uma sugestão. A nota que encabeça todas as outras diz respeito à perpetuação desta arte. Tivemos sorte em ser escolhidos para lar da Olaria do Folhadal Mas como será no futuro? Quem vai aprender esta arte e dar sequência a esta obra de muitas gerações? Sendo certo que a preocupação maior é a falta de jovens aprendizes com vontade de aprenderem e seguirem a actividade.
Ao contrário do que se possa pensar a actividade parece ser muito solicitada e parece ser rentável. Leva tempo, é certo, contudo acredito que venha a ser mais rentável se os futuros aprendizes, tenho esperança que se revelem, sejam capazes de inovar e de criarem os seus próprios objectos e os circuitos de comercialização, pois cada vez mais a arte não começa nem acaba na peça. A arte tem de facto início na procura da matéria-prima que melhor se adequa, todavia apenas termina quando consegue chegar ao mercado para que é destinada. Não podemos pedir mais ao Sr. José, para mim à sua escala ele cumpre integralmente o seu papel. Quem no futuro tiver coragem e engenho suficientes para se dedicar a esta arte terá de descortinar o seu mundo de oportunidades, mesmo que para isso tenha de sujar as mãos em barro o ano inteiro, mas se o fizer com convicção terá pela frente um futuro promissor.
A terminar, para que esta arte nobre de perpetuação da relação do homem com a terra e com as formas com que a molda de facto seja capaz de se permanecer entre nós, deixo algumas sugestões a algumas entidades com competências e responsabilidades. Antes disso, porém, deixo o meu elogia à iniciativa da nossa escola.

Sugestões
- Seriam bem vindas iniciativas promotoras do aprendizado, por exemplo em regime de Ocupação de Tempos Livres de jovens, mas também de desempregados de longa duração e porque não de deficientes, basta que a Câmara Municipal de Nelas e todas as entidades interessadas estejam receptivas e disponíveis;
- As nossas tradições, o nosso património e a nossa cultura são o nosso melhor cartaz turístico, com essa convicção sugiro à Câmara, à Junta Freguesia, às entidades que tutelam o Posto de Turismo e porque não à própria Região de Turismo a inclusão da Olaria nos cartazes turísticos da região, caso ainda não esteja incluída, fazendo nomeadamente parte dos panfletos, livros promocionais e roteiros.


Por aqui termino a exposição que tinha preparado sobre a Olaria do Folhadal e sobre o seu principal e até agora único protagonista, o Sr. José Matias, a quem agradeço publicamente a sua simpatia em mostrar todo o seu trabalho e, mais importante ainda, o seu gesto de humildade para com o Folhadal. Em meu nome pessoal, e penso de todos os leitores deste nosso Planalto, o meu MUITO OBRIGADO, que seja um dos nossos durante muitos e bons anos.

P.S. Infelizmente entretanto ocorreu a morte do nosso oleiro sem que nada fosse feito.

José Gomes Ferreira

publicado por José às 11:42
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Canas de Senhorim Um concelho para armazém de lixo tóxico? (in Planalto 2003)

Durante vários meses alguns de vós insistiram comigo para escrever sobre o que se estava a preparar para Canas de Senhorim, a de um provável negócio entre o Governo entretanto eleito e os ditos defensores dos interesses dos habitantes de Canas, organizados sob a bandeira do Movimento para a Restauração do Concelho de Canas de Senhorim. Todavia durante todo este tempo deixei os acontecimentos tomarem o seu rumo, principalmente por falta de elementos concretos sobre esse eventual negócio.
Embora evite pronunciar-me sobre a questão da restauração ao não do dito concelho, não deixo de afirmar o seguinte:
1.º Talvez porque convivi desde cedo com os habitantes de Canas de Senhorim reconheço alguns traços particulares que os identificam, com destaque para uma tradição operária ligada aos Fornos Eléctricos e às Minas da Urgeiriça, uma tradição operária nunca recuperada após o colapso das duas unidades.
2.º Qualquer habitante mais atento será capaz de reconhecer que no concelho de Nelas as opções não têm ido no sentido do seu desenvolvimento integrado (embora com outros contornos agora tantas vezes dito de sustentável), que envolva todas as populações e todos os habitantes por igual. O que ocorre em Nelas é um fenómeno idêntico ao país, onde Lisboa é quase tudo, é um concelho cada vez mais desmembrado mas com a cabeça cada vez maior, sem qualquer preocupação com a implementação de políticas viradas para o ordenamento do território e para o seu desenvolvimento harmonioso, mais ainda, sem a implementação de políticas viradas para quem se destinam – os habitantes de TODO o concelho.
Apesar de expressar estas duas ideias não pensem os defensores do concelho de Canas de Senhorim que ganharam um aliado, quer uns quer outros estão enganados. Não me meto em discussões que apenas têm como resultado perturbar a integridade do concelho e criar assimetrias entre as várias localidades e os seus habitantes. É bom que ambos os lados da barricada tenham presente que a luta tal como se tem apresentado tem nas populações não os ganhadores mas sim as vítimas. Cabe-lhes reconhecerem que as lutas por protagonismos particulares apenas servem interesses particulares, em desfavor dos reais interesses – os interesses dos habitantes do nosso concelho.
Estas palavras que vos deixo resultam, mais uma vez, de uma notícia publicada num jornal nacional de referência. Sinto-me cansado de tanta vez ver o nome do concelho estilhaçado nas páginas de jornais ou nas televisões, sempre por maus motivos. Até hoje ainda não me dei conta da comunicação social de expressão nacional divulgar qualquer apontamento positivo sobre a nossa terra, temo que isso seja mesmo uma obra praticamente impossível.
A notícia a que me reporto diz respeito à eventual permissão para a instalação de uma Unidade de Armazenamento Temporário de Resíduos Industriais Perigosos em Canas de Senhorim. Curioso ou não essa eventual permissão é a moeda de troca do Governo à criação do futuro concelho. Desejo que nenhuma das partes me leve a mal, mas a melhor maneira que achei para expressar esse negócio foi através do esboço de edital que insiro no presente texto, com todo o respeito que Canas de Senhorim e as suas gentes merecem.
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Edital
Câmara Municipal de Canas de Senhorim
Para dar cumprimento ao acordo que presidiu à elevação a concelho desta localidade determinam os responsáveis desta câmara a seguinte permuta:
1.º Pela saúde e bem-estar de cada habitante deste concelho aceita-se uma tonelada de resíduos industriais perigosos.
2.º Caso os governantes o solicitem em alguns casos podem aceitar-se duas ou mais toneladas.
Os responsáveis

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A ser verdade a concretização deste negócio estamos perante um dos maiores escândalos de sempre na região. É inadmissível que certas pessoas para elevarem o seu protagonismo troquem o bem-estar das populações por situações de alto risco. Será que os “pensadores” deste negócio já reflectiram sobre “Quem quererá viver com uma Unidade de Tratamento de Resíduos Industriais Perigosos à porta?”. Acredito que não seja à porta de nenhum deles.
Acho incrível como é que os responsáveis do Movimento para a Restauração do Concelho de Canas de Senhorim entraram neste negócio.
Depois de tanta luta, por vezes usando métodos pouco convencionais (mas penso que sempre convictos de estarem a defender os interesses das populações, numa causa que acreditavam ser nobre), mudam de estratégia e preparam-se para traírem as mesmas populações que sempre estiveram nessa luta. Como resultado, pretendem trazer para o actual concelho de Nelas um problema ambiental da maior gravidade. Preferem vir a todo o custo ser concelho, mesmo que no futuro esse concelho tenha tudo menos habitantes, pelo menos saudáveis. Parece que a Canas não basta a grave situação da radioactividade das Minas da Urgeiriça.
Estamos perante um negócio vergonhoso, a única esperança está nos verdadeiros defensores dos interesses de Canas de Senhorim virem a terreiro desempenhar o seu papel, caso contrário o negócio será o da troca da saúde das populações por determinada quantidade de resíduos tóxicos. Pergunto-me: Quem no futuro quererá viver num concelho assim? Deixo a resposta aos envolvidos nesse negócio.
Não deixo é de me questionar se estes ditos lutadores não têm amor aos seus? Pois não denoto qualquer preocupação pelo seu futuro, nem tão pouco como responsáveis, mais ainda, com o negócio de que se fala não os encaro como íntegros. Como diz o povo, estão a “vender a sua própria alma”.
Agrada-me que tenha surgido neste processo o denominado Movimento Cívico «Por um Ambiente e Qualidade de Vida Melhor». Fico bastante satisfeito quando na nossa terra os cidadãos se organizam em prol de causas tão nobres como o Ambiente e a Saúde das populações.
Peço a todos que sigam este exemplo, que lutem com determinação pelos interesses de todos. Para o efeito, muito conta a forma como estamos organizados, daí a vantagem de movimentos como o acima citado, outros são bem vindos, mas sempre agindo em uníssono, sem que com isso abdiquem dos princípios que presidem à sua constituição.
É dever das populações, mesmo não vinculadas a qualquer associação, participar nas iniciativas promovidas em seu favor. Ficar de braços cruzados é ver o negócio entre o Governo e o pequeno grupo de interessados na restauração do concelho de Canas de Senhorim realizar-se à custa das populações. Será ter a atitude da preguiça, que como se diz correntemente “morreu à sede à beira da água”.
Por fim, à câmara de Nelas cabe defender os interesses de toda, e repito, toda a população do concelho, deixando de lado a luta contra as reivindicações de subida a concelho por parte de Canas de Senhorim. A saúde pública e a defesa das populações estão acima da luta política mesquinha entre meros interesses particulares ou meros interesses de classes favorecidas.
Pela parte que me toca, dentro das minhas possibilidades, estarei sempre disponível para defender a nossa terra, da melhor forma que souber.

José Gomes Ferreira

publicado por José às 11:38
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Não há concelhos sem senão… (in Planalto 2003)

O dia em que escrevo estas palavras é um dia negro para o país, pois como por magia viu votados novos concelhos, o concelho de Fátima e o concelho de Canas de Senhorim. Parece mentira mas o que nem por sombras se adivinhava aconteceu, os Srs. Deputados eleitos por todos nós fizeram a vontade aos aparelhos dos respectivos partidos e aprovaram novos concelhos. Fica é sem se saber se a maioria deles sabia o que estava em causa, tão afastados que andam das realidades locais. Tudo isto pretensamente para darem voz aos anseios das populações.
No caso que mais nos toca o processo aparenta ser pouco claro, sem se perceber o motivo de elevar a concelho uma localidade sem condições para o ser, repartindo um dos minúsculos concelhos do país, sobretudo quando de fora ficam sem os respectivos concelhos localidades como Esmoriz, Tocha e Samora Correia, porventura melhor colocadas para essa elevação. Que fique registado que nada tenho contra as populações de Canas de Senhorim nem contra a elevação da vila a concelho. O mesmo não digo do processo que eleva a vila a sede de concelho, talvez associado à questão dos resíduos tóxicos. Mais ainda, não vejo necessidade de ver surgir no país mais concelhos, os que existem bastam, o país precisa é de melhores concelhos ou de órgãos administrativos locais similares funcionais e que estejam ao serviço das populações. Estamos perante um bizarro paradoxo, pois os mesmos políticos que chumbaram a regionalização com o argumento de que a concretizar-se levaria ao surgimento de novos burocratas e de toda uma pesada máquina votaram a favor do surgimento de novos concelhos.
Mas que desejam os nossos políticos com a criação de novos concelhos? Uma dúvida enorme se levanta: “Será que com a criação de novos concelhos não estão a fazer exactamente o que outros previam com a regionalização, com a agravante de andarem a fazer pequenas regionalizações em escalas locais?” Uma coisa é certa, ao darem voz a disputas locais em vez de unirem cada vez desagregam mais, promovendo interesses subjectivos em detrimento dos reais interesses do país e dos interesses colectivos. Daqui resulta que em vez promoverem a mudança num Portugal europeu estão a reconduzi-lo a tempos idos, em que o modelo de divisão em concelhos deu os seus resultados. Pena que em vez das necessárias reformas se assista a essa tentativa de regresso ao passado, convém é que não esqueçam que o tempo não pára.
Respondem a anseios legítimos das populações, segundo dizem. Mas que ganha o país com isto? Julgo que até perde, ganham é alguns grupos de interesse e alguns protagonistas individuais, assim sendo, em vez da festa deveria ter acontecido um velório: pelo que o país perde e pela forma como foram usadas as populações neste processo. Como imaginam uma decisão desta natureza vai sair muito caro a um país que quer a todo o custo equilibrar o deficit, pensem só nas verbas necessárias para colocar em andamento toda a máquina necessária para fazer funcionar os órgãos concelhios, quer de Canas de Senhorim quer de Fátima, já para não falar no esforço financeiro em instalações, equipamentos e pessoal. Assim vê o país surgir concelhos sem um motivo maior, somente resultantes de um momento político talvez favorável a qualquer um dos dois partidos que nas últimas décadas têm repartido o exercício governativo, levando a reboque os partidos de esquerda, entre eles naturalmente o Bloco de Esquerda, para satisfação do Sr. Deputado Luís Fazenda, que obviamente não iria renunciar às suas origens.
Tendo em conta que o factor histórico foi o principal argumento para elevação de Canas de Senhorim a concelho, em jeito de brincadeira pergunto-me porque motivo os Srs. Deputados da Nação não votaram a elevação a concelho do nosso Folhadal, que curiosamente nem à categoria de freguesia foi alguma vez proposto. Quem diz o Folhadal diz qualquer outra localidade que viu o concelho extinto com reforma dos concelhos. Fico com a sensação que a qualquer uma dessas localidades bastaria utilizarem técnicas de protesto agressivas, por vezes capazes de embaraçarem as principais figuras da hierarquia do Estado, para dentro de anos serem elevadas à categoria de sedes de concelho. Aliás, as populações afastadas da possibilidade de serem concelho deixaram esse lamento, falaram com falinhas mansas e viram os seus anseios frustrados.
Em todo este processo como filho do concelho lamento que o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Nelas tenha acordado tarde para o marasmo de que ele próprio é um dos responsáveis. Face ao seu adormecimento para além da sua demissão não vejo outra saída. E deve demitir-se porque, se ficou clara a sua incapacidade para impedir a elevação a concelho de Canas de Senhorim, não fica demonstrada a sua capacidade para gerir no futuro o que resta do concelho de Nelas. Nesse sentido deixou-lhe o seguinte apelo:
- “Sr. Presidente! Faça um favor a si mesmo e às populações, assuma a responsabilidade politica pelo acontecido. Demita-se!»
Um apelo que estendo aos Srs. Vereadores. “Por favor, demitam-se!”. Se ambos acreditam que podem contar com o apoio das populações sujeitem essa crença a sufrágio. Sejam responsáveis pelos seus actos e aceitem a vontade ao sabor do veredicto popular. A política é assim mesmo, os eleitores estão fartos de ver o típico enfiar da cabeça na areia como a avestruz, é hora de olhar em frente e assumir os erros.
Enganem-se os que julgam que o Dr. Correia é o único culpado. Infelizmente o Sr. Presidente não é o único culpado, culpados somos todos nós, pois o processo de elevação a concelho de Canas de Senhorim não vem de hoje, é antigo, e durante todo esse tempo ninguém foi capaz de erguer a voz a favor da unidade do concelho. Agora é que dizem que fazem isto e aquilo, que se manifestam, que vão impugnar, isto e aquilo, mas porquê apenas agora? Servirá para alguma coisa? Meus amigos vamos aceitar as coisas como elas são e assumir a irreversibilidade da decisão. Na minha opinião, e procuro ser sensato, em vez de palavras vãs penso que o único gesto e as únicas palavras que nos restam devem ser de felicitação das populações do novo concelho, se assim não for a relação entre ambas as autarquias e as suas populações não deixa antever nada de positivo para o futuro.

José Gomes Ferreira

publicado por José às 11:36
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Um exemplo maior – manifestação pelo nosso descontentamento (in Planalto 2003)

Pela primeira vez na história do nosso concelho os habitantes juntaram-se para que num registo comum manifestassem o seu descontentamento por qualquer situação. Espantou-me a capacidade de mobilização! Exemplo único por estas bandas. Falou-se de 24 autocarros e cerca de 1200 a 1500 pessoas presentes em Lisboa para se manifestarem contra a criação do concelho de Canas de Senhorim e para fazerem valer, finalmente, a sua voz junto do Sr. Presidente da República, para que este venha a vetar a lei-quadro da criação de novos municípios, o que inviabilizaria a criação do novo concelho. Os números apontados provam que quando as pessoas querem estão unidas e são capazes de lutar não apenas por si. Fiquei surpreendido com a capacidade de mobilização e com o civismo das acções de protesto. Esboço desde já um desejo: que no futuro se aproveite este impulso para em conjunto se enfrentarem novos desafios.
Tenho a lamentar o facto de não me poder ter associado ao movimento, a hora a que se realizou e o facto de ter ocorrido no lado oposto ao que me encontrava na cidade de Lisboa foram motivos mais que suficientes. Não pensem os que possam discordar das minhas palavras que foi por cobardia que não estive presente. Que depois não venham dizer que apenas sei falar e na hora de agir viro as costas. Como devem imaginar tenho os meus próprios compromissos, sendo certo que nem sempre me permitem ter disponibilidade para lutar pelas minhas convicções. Quem me conhece sabe que Nelas e o nosso Folhadal estão sempre no meu coração e têm estado bem presentes na forma emotiva com que nos últimos anos tenho escrito vários artigos que com todos partilho aqui no nosso Planalto, convicto que estou a contribuir para uma causa comum.
Relativamente ao assunto a que me proponho neste artigo, sem retirar as palavras que pronunciei no artigo “Não há concelhos sem senão…”, fica-me agora bem elogiar a postura do nosso Presidente da Câmara. Que a verdade seja dita, agradou-me ver na comunicação social que o Dr. José Correia apelava no sentido da manifestação a realizar ser pacífica, usando apenas como instrumento de protesto as pessoas, alguns cartazes, algumas palavras de ordem mas, sobretudo, palmas, muitas palmas a demonstrarem o descontentamento pela criação do concelho de Canas de Senhorim e pelo escandaloso processo que facilitou essa criação. Com a agravante, como todos sabem, da criação do novo concelho não se dissociar da utilização de tácticas de protesto assumindo por vezes formas ofensivas das figuras do Estado português, motivo que levou alguns candidatos a sede de concelho afastados a lamentarem não terem utilizado os mesmos métodos, ao concluírem que os seus bons modos e as suas falinhas mansas foi paga através de um frio desprezo. Será assim de louvar o sentido de civismo e de cidadania colocado na acção de protesto que levou muitas das nossas populações a Lisboa para manifestarem o seu repúdio pela criação do concelho de Canas e clamarem pelo veto presidencial.
Temo é que seja demasiado tarde. Ainda que o processo esteja eivado de contradições e de prováveis inconstitucionalidades, ainda que o Sr. Presidente da República, figura suprema das instituições, se tenha manifestado publicamente contra a criação de novos concelhos e tenha defendido a realização do que poderá ser o Livro Branco sobre a matéria autárquica, mesmo na expectativa do Dr. Jorge Sampaio vetar a lei-quadro da criação de novos municípios, apesar de tudo isto, estou convicto que o actual processo de criação do concelho é irreversível. Neste ou em outro momento o concelho de Canas parece-me ser uma realidade a que ninguém pode ficar indiferente. Mas mesmo que a criação do novo concelho não consiga ser agora uma realidade o processo abriu uma brecha tão grande entre as populações das várias localidades que no futuro vai ser difícil de fechar. O que os políticos conseguiram foi dividir as populações, extremando posições, lamentavelmente não vão ser esses mesmos políticos a sofrer nos seus quotidianos essa divisão. Muitos anos vão ser necessários para que estas feridas sarem, sem que se conheça o remédio para as sarar, só o tempo poderá colmatar danos maiores, ou então só um novo modelo de administração do território será eventualmente capaz de minorar conflitos maiores.
Mesmo assim os defensores da criação do novo concelho não desistem, alguns falam na resolução do “problema de Canas”. Pergunto-me: “Que problema?” Quantos são os filhos bastardos que não podem ignorar a sua paternidade. Esses não pedem para serem adoptados e não querem ainda pequeninos ser adultos. Sempre assumi existir uma identidade própria das duas vilas, seja como for não me parece que seja motivo para um virar de costas, nem de uns nem de outros. Pelo contrário, seria motivo mais que suficiente para cada uma das localidades e dos seus habitantes lutarem pela integridade do concelho, pena que algumas figuras coloquem o seu desejo de protagonismo acima dos reais interesses das populações. Ao terminar, tal como expressei no outro artigo, desejo que as populações consigam elas anular as divergências em que se viram envolvidas, que sejam capazes de aceitar os erros dos outros e minorar os seus efeitos, só assim as gerações futuras se vão relacionar harmoniosamente.

José Gomes Ferreira

publicado por José às 11:35
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Notas de um verão escaldante (in Planalto 2003)

NOTA 1 Chamas e lágrimas num país moribundo
Dói o coração ver o país reduzido a cinzas e os olhares desfeitos em labaredas de lágrimas. Tem razão alguém quando diz: “Isto é pior que uma guerra!”. Com o fim de uma das nossas maiores riquezas – a floresta – e a destruição de colheitas e a perda de vidas humanas e não humanas o mês Agosto, mergulhado em elevadas temperaturas, mal teve tempo de conhecer o inimigo e a sua capacidade de destruição. Nada restou dessa batalha, nem a esperança de paz. Chamas de medo e de uma profunda angústia varreram vidas, destruíram habitações, deixaram imagens de um sofrimento atroz, sem cores, somente cinza, destruição e desespero. A única certeza não é a do fim deste inferno mas a de tudo terminar reduzido a despojos de dor e a do aniquilamento de soldados e civis, com igual exterminação da paisagem e de todos os valores naturais a que dava forma. Muito dói ver tamanha destruição, sobretudo quando não se acreditam em coincidências, tal é a profusão de chamas em todo o território.
É comovido que escrevo estas palavras. Se bem se lembram o nosso concelho sofreu tamanho pesadelo no Verão passado, por isso e porque perante imensa catástrofe natural, tantas vezes com mão humana, deveremos ser solidários com os concelhos que este ano foram dizimados pelos incêndios. Estamos perante os piores incêndios florestais registados no país, pelo menos de que há memória registada, apesar da coragem e determinação dos nossos heróis – os Bombeiros – a quem devemos uma sentida homenagem e agradecimento.
Lamento que este e outros governos, numa postura de aparente corte na despesa pública, tenham remetido a floresta nacional para um plano secundário. É absurdo chegar-se ao Verão e os postos de vigia da floresta permanecerem encerrados. Certo é que o país precisa de poupar, de conter a despesa pública, mas, pergunto-me, terá Portugal de conter a despesa pública através do sacrifico de vidas humanas e com a destruição de uma das suas principais riquezas? Estou convicto que não. Só um voltar das costas aos cidadãos e à natureza torna aceitável tal política. O meu desejo é que todo este sofrimento sirva de exemplo a quem tem poder de decisão e que a partir de agora não nos iludam mais com esta ideia feita de que a poupança se efectua com o corte nas despesas, parece claro que tal política está a deixar o país moribundo, aliás, já cadáver, do qual paira no ar um cheiro a carne, humana e animal, cremada em agonia. A poupança consegue-se prosseguindo os investimentos, dirigindo-os a áreas prioritárias como as de que aqui falo, não me parece que o envio de soldados de GNR para o Iraque seja uma prioridade, com os custos que implica.
Ainda que aponte o dedo ás políticas dos últimos governos considero que nestes momentos de nada vale procurar os culpados da incapacidade de combate aos incêndios, a questão de fundo não é essa. O problema é estrutural e requer, em primeiro lugar, vontade política, em seguida, a participação de todos os produtores florestais e de todas as populações envolvidas. Entenda-se, de uma vez por todas, que a floresta tem de ser tratada como um jardim, a precisar de ver as suas árvores plantadas e alinhadas correctamente e a necessitar de ser cuidada ao longo do ano. Enquanto persistir, por parte de todos, este olhar indiferente sobre uma riqueza ilusoriamente certa tudo se irá repetir de ano para ano.
É urgente o planeamento da floresta portuguesa, que seja capaz de projectar manchas florestais devidamente ajustadas aos respectivos territórios e os indispensáveis acessos, com as espécies arbóreas também elas adequadas e que não se limitem a satisfazer exigências do mercado. Não será com eucaliptais que o país se defende de agressões como estas. Do mesmo modo, é urgente que os produtores florestais assumam os seus deveres, não basta possuírem um pinhal, mostra-se necessário assumirem o seu usufruto legítimo. O que falta ao país é o sentido de prioridade, ele não precisa apenas de adquirir grandes aviões de combate aos incêndios, precisa, principalmente, de planear e agir, ou seja, de ver aplicado o princípio da precaução e ver assumido por cada um a sua responsabilidade, só assim será possível minorar tragédias como estas. POR FAVOR, não vamos fingir novamente.
Antevejo com tristeza que de nada serve agora esgrimir argumentos, acredito que lá para o Inverno todos vão esquecer o problema, excepto os directamente afectados. Veja-se o caso do concelho de Nelas, de que serviram as palavras que durante os incêndios do passado ano deixei aqui no Planalto no artigo “Verão em chamas”? Reconheço que não serviram absolutamente para nada, não sei se pela minha incapacidade de fazer mover os políticos locais ou se por incapacidade destes políticos e dos próprios governantes. Como se pode constatar a única coisa que até hoje foi feita foi o rentabilizar da madeira queimada, deixando antecipar que poderá ser apenas para isso que servem estas chamas.
NOTA 2 Um veto contra uma promessa
Relativamente ao processo de elevação a concelho de Canas de Senhorim quando tudo parece perdido o veto presidencial anula as festas já realizadas e desfaz os sonhos já desfeitos. Não sei é se deveremos elevar as mãos aos céus, pois, tal como referi nos anteriores artigos, foi aberta uma ferida difícil de sarar. Com a agravante dos responsáveis por este precedente irem a partir de agora fazer vénias ao silêncio. São estes os nossos políticos, chegam ao ponto de deusificarem as populações para posteriormente as abandonarem, num jogo em que os políticos locais são meros figurantes, sempre à espera de retirarem protagonismo.
Como é do conhecimento público o veto presidencial sempre se justificou, face aos erros processuais e face ao ridículo que é elevar duas localidades a concelho num dia e somente no dia seguinte ser votada a lei-quadro que os configurava. Curiosa é agora a atitude dos partidos políticos com representação parlamentar. A oposição que votou a favor da criação dos novos concelhos veio logo a terreiro elogiar o veto presidencial. O PS ficou igual a ele mesmo, quieto e caladinho. Entretanto, o PSD, com a cumplicidade do PP, como que a dizer que cumpriu a promessa eleitoral, promete deixar tudo como está, convicto que cumpriu a promessa e nada mais lhe cabe fazer, e de que a culpa não foi do partido, pois ele até se esforçou.
Sem me querer alongar nesta peça e nessa matéria, mesmo assim, aproveito a oportunidade para voltar a pedir ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Nelas e aos Srs. Vereadores para se demitirem, sendo que agora estendo esse pedido ao Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Canas de Senhorim. Peço a ambos para se demitirem e para abandonarem a dita política activa, acredito que só assim as populações podem pensar em alguma concórdia. Veja-se o exemplo de Angola, onde a luta se particularizou até ao momento em que um dos dois intervenientes tombou no campo de batalha. Por esse exemplo e, essencialmente, pelo respeito que as populações merecem, repito, MEUS SENHORES DEMITAM-SE! Basta de levarem as populações para lutas particulares. Basta de irem ao sabor dos aparelhos de qualquer partido, sejam capazes, pelo menos, de respeitarem os eleitores.
NOTA 3 Desporto para todos nas noites de Verão do Folhadal
Nem tudo é negativo neste Verão, deixo para o fim uma breve nota sobre o torneio de futebol organizado pela Associação Cultural e Recreativa do nosso Folhadal. Quando o país espera ansioso o início do Euro2004 são as pequenas associações que demonstram aos senhores políticos e aos senhores do futebol que são elas a exercer um importante papel social em prol do desporto e da cultura, com repercussões evidentes nas sociabilidades, sobretudo dos jovens, mantendo e reforçando laços por vezes praticamente ancestrais.
Foi um regalo assistir aos encontros, com o público a incentivar os seus jogadores a participar de forma voluntária e descontraída numa importante acção social. Este é um exemplo do fazer e do levar as pessoas a aderir, sem necessidade do recurso a qualquer campanha consumista e sem serem gastos dezenas de euros no frenesim dos novos estádios. Lamento que o papel dos grandes clubes seja unicamente o do lucro, são agora meras empresas, sem qualquer função social palpável, os novos estádios são agora meras catedrais de consumo, onde só um produto se vende – o futebol e todo o que a ele se relaciona. Os clubes do coração e da adesão voluntária das massas disformes são agora os pequenos clubes e as pequenas associações recreativas, são elas as únicas a chegarem ao cidadão comum e a partilharem nos seus espaços as suas alegrias e os desgostos. Independentemente da classificação final, por tudo isso e porque é um bem sem igual na nossa terra saúdo esta e outras iniciativas da nossa Associação, convicto que é uma das nossas maiores riquezas.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:33
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Regresso com partida anunciada ou momentos de reencontro com os nossos imigrantes (in Planalto 1998-2002)

Corre o ano puxado por uma brisa que retoca, de quando em vez, as altas temperaturas que se têm feito sentir nestas últimas semanas. Aos poucos, as aldeias silenciosas e pintadas por tons homogéneos são retocadas por quem tão distante tem andado - os nossos imigrantes -, merecedores das palavras apresentadas seguidamente.
Sem querer deixar aqui um qualquer registo autobiográfico, move-me a emoção de pensar num regresso mais uma vez previsto e quase sempre anunciado de todos aqueles que outrora foram levados a procurar novas paragens para aí colmatarem a ânsia de muitos dos seus sonhos. Ultrapassando montes e vales na primeira etapa de uma luta que mais tarde os levaria a juntarem a si parte da família, desfazendo muitas das lágrimas que a distância cobrava aos seus rostos. Família que aos poucos cresceu.
Entretanto, muitos compatriotas, vizinhos, amigos e colegas de fábrica iniciaram o seu regresso. A casa nova na aldeia, o pequeno negócio, o simples desejo de regressar ou as crianças na escola com os primos que nunca conheceram outra paisagem, foram um chamamento ao coração. Os que permaneceram longe das suas terras assistiram a um novo aumento da família, agora devido ao casamento dos filhos. Agora, lá em casa a língua portuguesa, por vezes, só se houve quando toca o telefone e do outro lado está alguém que chama pelos netos a kilómetros infinitos de distância, quando a saudade bate mais forte que o sino da pequena capela pintada de branco.
Estamos hoje num momento de efémero regresso de alguns desses nossos imigrantes. Familiares, amigos ou, por vezes, pessoas indiferenciadas somente distinguíveis pelo automóvel com matrícula estrangeira e pelo aportuguesamento de uma qualquer língua, assim como pelo colorido das suas roupas e dos seus rostos felizes por estarem cá. Regressam com uma mancha de alegria que transborda mais do que as águas escaldantes do Mondego. Sei que param, embora menos distante também o faço, para inundarem os seus olhos e a sua ausência de tanto tempo com o verde dos pinheirais e com a magia de respirar fundo e tocar a sempre presente Serra da Estrela, exclamando: "Estou na Minha terra. Finalmente!"
A família alonga-se num perfilar de gerações. Por momentos, até os antepassados regressam, são recordados com toda a eloquência, pelos seus feitos ou pelos simples gestos de ternura que cativaram quem os recebia. Recordam-se as poucas sardinhas assadas que eram repartidas sem lamento por todos, recorda-se o milho verde e bucólico dos meses de Verão que depois deveria reunir família e vizinhos numa desfilar de cantigas por todos entoadas.
Do que vos falo já cada rua, cada moradia, cada localidade experimentou - o sabor dessa simples evocação ao regresso. Das romarias enquanto momentos de reencontro dos compadres, com aquele abraço que tantas vezes se tem repetido todos os anos pela mesma altura, estendendo-se a cumprimentos a toda a família, que não raras vezes com novos membros nem sempre habituados a todo o ritual. Segue a cerimónia, pé ante pé, no silêncio transmitido pelos andores, cruzam-se olhares, sorrisos trocados como apertos de mão. Observam-se as janelas engalanadas, admira-se a beleza dos santos eleitos de cada um, juntam-se todas essas alegrias depois no leilão das oferendas.
Surge a noite, em cada largo ou associação recreativa novos rituais de alegria e reencontro se sucedem, prolongando-se nas curtas presenças dos nossos imigrantes meses, ou até anos, de afastamento. Contudo, mais uma vez os dias rapidamente se sucedem e amanhã é dia de voltar a partir. Fica para trás a beleza de todos estes anos revivida em breves trechos. Por mais que se evite, o coração amargurado pela partida destroça ambos os lados da família. Sentem uma dor só quebrada numa próxima visita e, ao mesmo tempo, sentem a felicidade que guardaram dos últimos dias, que lhe permitirá superar mais um ano. Ambos sabem como estão próximos na distância que os separa. FORTES SÃO OS LAÇOS QUE NOS UNEM!

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:33
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Bloco de notas (in Planalto 2003)

Parece quase um lugar de encontro com as palavras cada viagem que efectuo à nossa terra, nesse momento encontro os lugares, as pessoas, as sílabas e os acentos que preenchem depois páginas deste nosso jornal. Embora sem muita matéria consistente para fundar como notícia, principalmente porque os afazeres me afastam destas paragens, achei que deveria escrever umas breves notas, pelo simples facto de considerar que se justificam. São meros apontamentos, por sinal escritos na progressão do comboio rumo à capital, parece que assim as memórias, os lugares e as pessoas estão coloridas de um certo sentir que importa recuperar e partilhar.
Dados os condicionalismos da própria viagem e das tecnologias serei breve, o objectivo principal é deixar um relato de alguns aspectos que penso serem motivo de nota. Antes disso, porém, quero deixar claro que o meu objectivo, quer neste quer em qualquer outro artigo, não é tecer comentários unicamente de cariz reprovatório, pelo contrário, se reprovo é porque considero que podemos e deveremos em muitos dos casos fazer mais e melhor. Aliás, como já afirmei várias vezes, eu próprio quando escrevo faço-o com a convicção de estar a participar em algo em prol do designado bem comum, sem que seja por mera satisfação pessoal, se assim fosse ficaria em silêncio.
A primeira nota vai para a ausência por doença do professor das nossas crianças, a quem desejo uma rápida recuperação. Não coloco em causa a pessoa do Sr. Professor, o que está em causa é que em 15 dias, pelo menos há data em que escrevo, não apareceu ninguém para o substituir. Meus Amigos! É uma Vergonha! Sei que o Folhadal fica a centenas de quilómetros dos centros de decisão e que não tem importância política nem mediática, mas crianças são crianças em todo o lado, pelo que deveremos zelar pela preparação do seu futuro estejam onde estiverem. Não me parece que sem aulas, algumas delas porventura sem ocupação, esse futuro esteja a ser cuidado. Senhores responsáveis, POR FAVOR, merecemos algo mais que o mero desprezo, também somos portugueses.
A segunda nota é um reparo final da viagem de fim-de-semana, por se situar praticamente na área da Estação de Caminho de Ferro. Cada vez que visito a nossa terra é com amargura que verifico que o edifício onde durante muitos anos funcionou a Escola Preparatória (ou Ciclo Preparatório) está na mais completa ruína. Não imagino se se trata de um edifício público ou de propriedade privada, apenas sei que deveria ser um edifício classificado como Património de Interesse Público e por isso ser recuperado. Penso que muito bem nele ficaria um Centro Cultural, com o Museu que eu teimosamente acredito e quero fazer acreditar ser um elemento a erguer, para que o futuro não esqueça o passado e para que o presente nos encha de orgulho.
Por fim, a última nota que deixo, confesso que hesitei se a deveria ou não expressar publicamente, embora a expresse por vezes em privado. Falo do próprio Planalto, pois também ele deve ser alvo da nossa preocupação e do nosso engenho. Lembro-me que no Verão fiquei muito satisfeito com as mudanças graduais ao nível dos conteúdos. Confesso que nem sempre acompanho todos os números, de qualquer forma, a tendência para privilegiar os acontecimentos de cada aldeia e de cada lugar deverá ser de encorajar. Como de encorajar deve ser a participação dos leitores, que muitas vezes falam de tantos assuntos mas muitas vezes também se abstêm de participar. Não está certo, o Planalto é obra da diversidade, de todos nós, por isso a nós cabe dar-lhe forma. Claro está com a necessária regulação do seu Director.
Mas não são os conteúdos que me desagradam, esses vão fluindo como flúem os quotidianos, o que me desagrada é o grafismo do jornal, em particular da capa e da contracapa. Se é certo que tenho gostos próprios uma coisa também é certa, não é normal um jornal ter tanto colorido, sobretudo num momento de crise como o que se atravessa. Não rejeito o colorido, apenas prefiro expressões de simplicidade. Veja-se o exemplo dos jornais nacionais de grande tiragem e de referência, a maioria dos quais tem sofrido uma evolução gráfica que merece rasgados elogios. Penso que com a participação de todos ao nível dos conteúdos e o necessário acompanhamento ao nível gráfico o nosso muito estimado Planalto só terá a ganhar. Com esta breve critica termino as notas que pensei fazer sentido partilhar convosco.

José Gomes Ferreira

publicado por José às 11:33
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Rescaldo de um concelho em chamas (in Planalto 1998-2002)

Por vezes ser notícia de destaque nas diversas televisões, rádios, jornais e restantes meios de comunicação social significa que estamos perante uma situação anómala, que justifica a atenção redobrada por parte de quem tem por missão informar. O que não seria de esperar era que o concelho de Nelas fosse um dia alvo preferencial de notícias. Mas perante tamanha tragédia que se abateu sobre as nossas matas, as nossas culturas agrícolas, as nossas habitações e as nossas gentes, o que não se imaginava aconteceu.
Não tenho memória de tamanha tragédia. Recordo-me de um conjunto de incêndios que lá para o final da década de 70 assumiram grandes proporções, destruindo irremediavelmente os pinhais e propriedades agrícolas nas duas margens do Mondego. Tive oportunidade de confirmar que em 1985 toda a região beirã foi também fortemente afectada por vários incêndios. A partir daí outros incêndios ocorreram, sobretudo em áreas já atingidas, pois de ano para ano, sem qualquer esforço de reflorestação, o mato cresceu por tudo quanto era lado, facilitando o propagar dos incêndios.
O mês de Julho de 2002 ficará na nossa história como uma mancha cinzenta que nem a cor da televisão conseguirá disfarçar. Quem no futuro percorrer os arquivos televisivos ou as reportagens dos jornais encontrará os incêndios do concelho de Nelas como uma das principais catástrofes de sempre.
Calamidade Pública?
A dimensão da catástrofe, as implicações ambientais e sociais na região parecem mais do que motivos suficientes para levar o Governo a decretar medidas de excepção para a região, equivalentes à declaração do estado de calamidade pública. Só assim será possível intervir atempadamente em muitas situações: - quer recompensando de forma imediata os produtores florestais e os agricultores; - quer levando a cabo medidas que evitem a especulação com as madeiras queimadas; - quer equacionando desde já a reflorestação das áreas ardidas. O planalto de Nelas não tem a importância política de um Parque Natural Sintra-Cascais ou de um Parque Natural da Serra da Arrábida, tem, mesmo assim, igual dignidade, pelo que deverá ser intervencionado.
Em esforço percorri uma parte da área ardida, embora nem a metade tenha percorrido, infelizmente não seria possível em tão curta estadia percorrer a totalidade da área sinistrada. Como relato de tantos quilómetros percorridos, em cima de apenas cinzas, deixo as minhas palavras e algumas das fotografias que ao longo do percurso fui recolhendo para que fiquem na memória de todos.
As fotografias pretendem mostrar um pouco a extensão da calamidade, não tanto no sentido exacto da extensão, pois essa não a poderia colocar numa foto, mas mais na variedade de áreas ardidas. Duas das fotografias mostram como o fogo alastrou das matas para os campos cultivados. Numa dessas duas com um pouco de atenção consegue mesmo ver-se uma macieira carregada de fruto mas queimada, a mesma fotografia serve igualmente como exemplo da acção do fogo sobre as várias "palheiras" e outras pequenas casas rurais, também elas afectadas pelo fogo. A terceira fotografia tenta mostrar como o fogo atravessou a Estrada Nacional n.º 234 e como chegou perto de algumas das localidades do concelho de Nelas, neste caso foi tirada no cruzamento que dá acesso ao Hotel da Urgeiriça, embora tenha galgado o concelho, pelo menos, desde Canas de Senhorim, Vale de Madeiros, Caldas da Felgueira, Folhadal e Póvoa da Roçada.
Ao longo do meu percurso pelas cinzas da véspera recolhi também alguns argumentos, sobretudo de revolta de quem perdeu parte de si nas chamas. Por exemplo, assim escutei algumas criticas à actuação dos bombeiros no combate ao sinistro, a pergunta que fica é a seguinte: "Como foi possível arder tão extensa área com tantos homens e tantos meios empregues no combate ao incêndio?" Pela minha parte acredito que os nossos bombeiros tudo fizeram para inverter a situação, com o risco da própria vida, tal como foi noticiado em todos os meios de comunicação social, não deixo mesmo assim de remeter a questão para quem tem responsabilidades - ao nível local, regional ou nacional - na coordenação do combate aos incêndios.
Falando em combate aos incêndios registei outro comentário. Recordo-me que outrora perante o mínimo sinal de alerta de um incêndio tocava a rebate o sino da nossa capela, após o qual se juntava o povo e ajudava unido os bombeiros no combate ao fogo, antecipando-se por vezes aos bombeiros. Mas os tempos passam, as pessoas mudam, agora cada um parece mais interessado em salvar a sua pele do que em contribuir para o bem comum, pois, ao que tudo indica, preferem olhar ao longe as chamas.
Assim não dá! Sei que para muitos a agricultura e as matas são tidas com indiferença. Tidas como "coisas de velhos", mas convém que não se esqueçam que muitas das unidades industriais em que trabalham têm como suporte o que a terra lhe pode fornecer. Penso ser fundamental tomar todos os sectores de actividade de uma forma integrada e não olhar para alguns com desdém. Sei que a agricultura e a floresta surgem associadas aos mais velhos, tidas como coisas dos tempos antigos. Enganam-se os que com essa atitude que julgam ser Moderna assim pensam. Argumentos desse tipo apenas reflectem alguns laivos de analfabetismo estrutural, pois, nos países ditos desenvolvidos, ser Moderno corresponde, contrariamente, ao dar importância aos valores naturais. Por conseguinte, o desprezo por tais valores somente reflecte o quanto teremos de aprender.
Eucaliptização? Não, obrigado!
Sr. Presidente da Câmara, Sr. Ministro da Agricultura, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, Sr. Primeiro-Ministro e outras entidades com jurisdição na matéria, e porque não, Sr. Presidente da República, peço a todos a Vossa intervenção na reflorestação das áreas ardidas: o concelho de Nelas é um concelho praticamente livre da praga dos eucaliptos, Por Favor garantam essa continuidade.
Pela parte que me toca fiz não só este pequeno levantamento, como escrevo estas palavras a juntar a tantas outras. E fiz tudo isso convicto que estarei a ser um contributo válido, quer na apresentação dos problemas, quer na discussão de futuras medidas a adoptar. Medidas que no presente caso devem passar, obrigatoriamente, pela reflorestação das áreas ardidas, com as espécies arbóreas mais adequadas e com a devida gestão dos espaços. Espero que essa reflorestação não seja como é habitualmente, ou seja, inexistente, limitando-se a ver crescer o mato, sem qualquer plantio de novas árvores, sem abertura de novos caminhos. Em suma, sem qualquer tipo de acompanhamento de quem o deveria fazer.
Só assim se conseguirá recuperar algumas das perdas, mas essa recuperação passa, inevitavelmente, pelo trabalho de todos nós. Não vamos, mais uma vez, pensar que «Não é connosco», pois desta vez, como em tantas outras que ignoramos, é mesmo connosco.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:32
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Verão em Chamas (in Planalto 1998-2002)

Caros Amigos! Mais uma vez chego a vós, pois são muitas as palavras que sempre se podem escrever e partilhar quando nos destroem as nossas riquezas. Falo emocionado dos incêndios que mais uma vez têm consumido irremediavelmente as nossas matas. Custa ver arder locais que de ano para ano são sujeitos à voracidade das chamas, ou apenas à voracidade e cobiça de homens cegos por um abanar de oportunidades. De ano para ano são desfeitas em cinzas partes de muitas vidas, retirando o verde dos nossos olhos para o transformar em apenas escuridão.
Custa acreditar que seja obra do acaso. Cheiram a esturro alguns incêndios! Não me cabe a mim apontar o dedo a ninguém, nem tenho provas, nem conheço os factos em concreto, por isso me limito a reflectir sobre as situações que sempre conheci e sobre as situações que as nossas televisões vão amargamente reproduzindo. É duro ver as chamas romperem sem rumo sobre as nossas matas.
Dirão vós, "Apanhem-me esses malandros!", ou como é comum, "Deveriam era arder no meio do fogo que atearam!". Não vos condeno por pensarem assim, embora não veja a questão da mesma forma. Não se resolveria o problema, pois tem "pessoas" que por dinheiro tudo estão dispostos a fazer.
Seria positivo eliminar algumas das causas possíveis. Volto aqui, como outras vezes o tenho feito, a referir a necessidade de se proceder à prevenção dos incêndios. Com ou sem mão criminosa, somente na hora do aperto os incêndios são tema de preocupação, mas no inverno, com a chuva, o frio, por vezes a neve, tudo esquece. Amigos! Assim dão dá! O país irá todos os anos continuar a arder, para gáudio de interesses ocultos.
O problema não é simples, como se sabe. Implica o estabelecer de regras claras quanto às madeiras queimadas. De penas pesadas para estes criminosos, mas não apenas estes, acima de tudo para os seus mandantes. Passa, igualmente, pelo correcto ordenamento e gestão da nossa floresta: com a construção de caminhos, a reflorestação das áreas ardidas com espécies adequadas, a limpeza das matas e o evitar de fazer fogueiras em momentos pouco adequados. Penso que são alguns exemplos dessa gestão e ordenamento. O que passará, acima de tudo, por uma mudança de mentalidades, tanto dos produtores florestais como dos políticos, pois "Esta do deixa andar que depois se verá" já deu provas que não é uma boa política. De nada servem aviões e meios pesados, quando o mato com a altura de um homem cresce pelas encostas inacessíveis.
Assim não dá! Como todos os anos as madeiras queimadas não têm regras. Como todos os anos as matas queimadas, mais artificio menos artificio, lá conseguem ser desanexadas dos usos a que os Planos Directores Municipais (os bem conhecidos PDM's) as destinavam, lá conseguem dar a volta à classificação de Reserva Agrícola Nacional (RAN), de Reserva Ecológica Nacional (REN), ou qualquer outra servidão ou restrição à ocupação humana.
Devem as autarquias, em colaboração com o poder centrar definir de uma vez por todos as áreas com potenciais para construção, eliminando de uma vez por todas a possibilidade de construir onde antes seria impossível. Para que servem os planos de ordenamento se depois, com engenho e posição "social", é possível rodear esses mesmos planos.
Amigos assim não dá! De uma vez por todos haja coragem para pôr termo a esta vergonha.
Assim ardem gerações de árvores e de gentes, transformando em cinzas parte da nossa história e das nossas belezas naturais. Sei que vou acreditar que tudo vai mudar no próximo inverno, que depois das cinzas e com a vinda das primeiras chuvas juntos vamos decidir o que será melhor para a nossa floresta. Juntos iremos então zelar pela sua conservação e pelo afastar do maior perigo que paira sobre ela - o próprio homem, esse ser impróprio para um mundo natural, da qual ele faz parte, mas que ele próprio se encarrega de destruir.
Amigos, pergunto a Vós "Será este o futuro que desejam para as gerações vindouras?" Penso que não, penso que querem deixar algo melhor como herança, não querem apenas deixar um triste baú cobertores de cinzas e teias de faúlhas, mas rios e ribeiros a correr com água límpida e peixes sem intervenções biotecnológicas, pinheiros e tojos a crescer, sem as chamas a extinguirem o verde que nos encanta.
Amigos! Sei que a minha visão do futuro parece irreal, parece um sonho sonhado. Mas não é um sonho, é uma probabilidade, basta para tal que se trabalhe em conjunto para debelar os males que no futuro nos vão ser fatais.
Deste Vosso Amigo.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:32
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Florestas da nossa preocupação (in Planalto 1998-2002)

Sem querer absorver todo o espaço deste nosso representante que dá pelo nome de Planalto, um jornal que não poucas as vezes se lê como se fosse uma carta escrita bem lá longe com todo o carinho e com toda a saudade, aproveito o início do período estival para deixar mais umas quantas palavras, que espero retocarem as memórias e os lugares de todos aqueles que nos visitam nesta altura. Neste, como em outros artigos, não me move a necessidade de qualquer protagonismo, nem tão pouco o tomar partido seja por quem for, nem associar a minha voz a qualquer movimento contestatário, como digo por vezes, quem me move são as pessoas, essas sim são o meu partido, o meu querer. São as nossas gentes que disputam em mim a necessidade de dar um contributo que tenho consciência poder dar, isto no caso dessas mesmas pessoas estarem predispostas o suficiente para receberem as minhas intenções e os meus gestos. Por certo não é na satisfação pessoal que me refugio, mas tão somente num dar-me a uma terra que tanto estimo e às suas gentes.
Além dessa questão de cariz mais particular não deixa de ser uma força motriz o facto dos poderes públicos e mesmo as vontades privadas necessitarem de serem reguladas por uma opinião pública atenta e elucidada sobre as várias matérias que a ela dizem respeito, no que cumpre a cada um participar. É certo que cada um utiliza, necessariamente, as ferramentas que possuí nessa actividade de regulação, pessoalmente utilizo as palavras, pois com elas partilho convosco uma emoção e tantas preocupações, pois com elas deixo o meu testemunho e um gesto que pretende ser um alerta à participação na construção de um futuro comum, pois com elas tenho vivido nos últimos anos.
Findo este pequeno trecho introdutório vamos ao assunto que aqui me traz desta vez. Na minha memória estão ainda enorme incêndios que, sobretudo, nas três últimas décadas foram devastando os pinheirais, os matos, as vinhas e as searas da nossa Beira. Por causa dessas memórias, e com a temperatura a subir depois de um Inverno rigoroso, e em parte pelo facto de profissionalmente ter elaborado um breve texto sobre as vicissitudes por que passou a floresta durante o séc. XX a partir da análise da tematização feita sobre a mesma matéria na imprensa escrita, aqui estou perante vós para vos falar sobre as nossas florestas. Certamente que não vou fazer deste pequeno texto um trabalho académico, até porque seria muito compacto e dificilmente percebido pela grande maioria de vós.
Posso até ignorar a grande campanha de arborização levada a cabo pelo Estado Novo nas serras, baldios e outros terrenos incultos, da qual resultou o que se pode chamar como a pinheirização do país. Posso até ignorar o período de enorme vivacidade sofrido pelas nessas florestas nas décadas de 80 e 90 devido ao ataque final aos terrenos baldios e ao forte lobby das indústrias de celulose, que acabaram por plantar eucaliptos em largas manchas florestais do país. Por isso falo-vos mais do reflexo na floresta do abandono dos campos outrora agrícolas, não sei se por culpa da reforma da Política Agrícola Comum, a bem conhecida PAC, se pela mera ausência de vontade das novas gerações em se dedicarem a uma agricultura que em muitos casos utiliza métodos ancestrais ou então pelo facto destas gerações encontrarem na indústria um futuro mais risonho. Seja como for, os campos foram sendo abandonados, multiplicando-se os terrenos incultos, crescendo os matagais e os perigos de incêndio.
Depois de mais um fim-de-semana na vossa companhia regressei preocupado a Lisboa, passou o país um período conturbado de luta contra os eucaliptos e contra as celuloses e agora o que se vê é os eucaliptos serem plantados nas encostas que nem couves compradas na feira de Agosto. É de pasmar o que se pode observar das Termas das Caldas da Felgueira, sei que quase todo aquele arsenal de eucaliptos está fora do nosso concelho mas está no nosso país, e não tarde contribuirá para um postal ilustrado inegavelmente angustiante do nosso cartaz turístico por excelência. Não sei quem permitiu tal acto, sei que não tarde as termas transformam a sua vocação, não ouso afirmar que se vão transformar numa fábrica de pasta de papel, podem muito é ver as margens do exuberante Mondego ser engolidas por uma praga verde capaz de deixar os solos ainda mais pobres e de secar as nascentes, talvez até mesmo a das termas. Com a agravante de servirem de combustível a novos incêndios que possam ocorrer.
Não me parece que os incêndios se combatam em pleno Verão com as chamas a destruírem as árvores indefesas. Por isso falo-vos, igualmente, da necessidade das políticas públicas, neste caso talvez mais as implementadas pelo poder central, dada a sua competência e a sua maior responsabilidade nesta matéria, procurarem concretizar estratégias de gestão da floresta que façam face a possíveis impactos negativos quer no ambiente quer na economia local. Sobre este último aspecto parece ser indiscutível o papel da floresta na economia local e nacional, ao gerar matérias-primas e ao ser uma fonte de emprego.
Uma política florestal adequada deve levar em conta não só os impactos referidos como quais as espécies mais adequadas a cada local, onde arborizar e como arborizar como ordenar o território a florestar. Certamente estas são algumas das questões a discutir, não nego que existam outras, como acima referi este não é um trabalho académico, é como que uma proposta para fórum de discussão. Estou certo que ainda vamos a tempo, podemos parar com algumas iniciativas, não quero no futuro ter as mesmas imagens do passado, com os incansáveis bombeiros a convidarem as chamas a colocarem pôr termo à sua vida, com os incansáveis bombeiros, voluntários de seu nome, a deixarem os seus lares e as suas famílias para no caldeirão da noite sentirem a luz de cada braseiro. Não me parece estar a dramatizar a questão, todos nós sabemos que assim é. Peço-vos a vós, amigos, para reflectirem sobre estas questões antes de permitirem que as vossas matas sejam utilizadas para plantações com eucaliptos. Peço às autoridades competentes para que não permitam estas situações e para que procedam ao arranjo e abertura de caminhos rurais que tanto jeito dão no combate aos incêndios, não só por facilitarem os acessos mas também por servirem de barreira natural à progressão das chamas. Eu e todos nós ficaremos futuramente agradecidos.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:30
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

As manilhas da indiferença - um caso de saúde pública (in Planalto 1998-2002))

Caros amigos! Desta vez chego a vós em larga medida porque foi solicitada a minha intervenção num processo que tem cerca de 20 anos e que vem sendo votado ao esquecimento, eu próprio pensei que tinha sido entretanto resolvido, infelizmente não. O caso que vos relato foi conseguido a partir de uma conversa que um nosso amigo e vizinho teve comigo, e a partir de outras pequenas conversas que posteriormente mantive com outras pessoas, claro está que conta largamente com a minha vontade de até vós chegar, bem patente no conjunto de artigos que tenho levado a todos vós.
Falo-vos aqui na já distante história das manilhas partidas na altura em que a câmara procedia à conclusão das obras de saneamento básico no Folhadal, no lugar do Maninho, pelo que sei com o envolvimento de um engenheiro a quem a partir daí alguns chegaram mesmo a denominar como o "parte maninhas", passando-se, por coincidência, a dita história em propriedade da família do dito engenheiro. Mas não são as águas passadas que vos trago aqui, embora neste caso ainda movam moinhos, os da indiferença pelo bem estar das populações. Apesar deste enredo não é directamente sobre ele que vos venho falar, não pretendo passado tantos anos vir a ser o delator de seja quem for, o meu papel neste artigo vai no sentido do pedido que me foi expresso e com o qual me identifico plenamente.
O que de momento está em causa não são as ditas maninhas partidas, até porque essas com vontade política deveriam ter sido substituídas, o que está em causa é que as ditas maninhas passados todos estes anos de forma alguma foram substituídas. Ora, em resultado desse deixa estar e da inexistência de uma qualquer Estação de Tratamento de Águas Residuais, as bem conhecidas ETAR's, no percurso que antecede essa ausência de maninhas, está em causa não só um atentando ao Ambiente, que é de todos nós, presentes e futuros, como um grave atentado à Saúde Pública das nossas populações, não só quem no Folhadal vive, que diariamente é presenteado com o mau cheiro dos esgotos da nossa aldeia, tão nauseabundo que afasta as nossas gentes das suas parcelas de terra e de pinhal nas proximidades, mas, igualmente, um atentado à Saúde Pública das populações serpenteados por este riacho de detritos humanos, que mais metro menos metro vai acabar por desaguar no caudal de uma das principais jóias da nossa Beira Alta - o nosso velho e amigo Mondego, que assim se vê cada vez mais poluído.
Amigos! Não compreendo como é possível tantos anos depois de terem sido concluídas as obras de saneamento básico da nossa terra a situação permaneça exactamente na mesma, parece impossível que não tenha sortido qualquer efeito a legislação ambiental implementada por Portugal, sobretudo desde a sua adesão à Comunidade Económica Europeia em 1 de Janeiro de 1986 e que teve como momento alto a publicação no ano seguinte do que ficou conhecido como a Lei de Bases do Ambiente. Perante estes factos questiono-me: de quem é a responsabilidade, por que não assume essa responsabilidade e onde anda metido o princípio do poluidor-pagador, será que não se aplica a entidades públicas?
Pode não parecer mas estamos perante um grave atentado aos nossos direitos, pois como cidadãos temos todo o direito a viver num ambiente limpo e saudável, não contaminado pelo mau cheiro e pela indiferença. Estamos perante motivos mais do que evidentes e suficientes para uma intervenção de quem de direito, suponho que em primeira instância da autarquia, não me cabe a mim aqui registar as responsabilidades políticas na questão, cabe no entanto registar que todos nós temos de assumir as nossas responsabilidades, é aliás por isso que não deixo de criticar a falta de empenhamento nesta e tantas outras situações por parte das próprias populações. Não aceito o virar das costas por parte dos responsáveis políticos mas também não aceito que cada um de vós se limite a uma conversa de café e depois na hora de agir se abstenha de qualquer tipo de intervenção, é minha convicção que essa indiferença serve apenas os interesses de quem quer assumir o exercício da governação sem ser incomodado, processo que de democrático nada tem, muito se assemelha ao monopólio na actividade económica. Não é a primeira vez, nem será a última, que insisto na necessidade de uma maior participação dos cidadãos nas actividades públicas, não duvido que a falta dessa participação está por detrás desta história de maninhas partidas e de esgotos a céu aberto, assim como de tantas outras situações.
Quem é feito daquele Folhadal que até cantado foi? Desculpem os autores do hino dedicado a este antigo paraíso mas não deixo de com mágoa escrever uma nova versão de parte da letra desse hino, assim surgindo:
Oh Folhadal
Que lindo és
Com esse esgoto a céu aberto
Mesmo a teus pés
...
Pode até ser motivo para um breve sorriso, mas acreditem que não tenho qualquer vontade de rir, estou consciente da gravidade da situação e não me conformo com a falta de atitudes quer dos governantes quer dos governados. Espero por uma qualquer reacção de quem de direito, tarefa que em última instância incumbe aos serviços do Ministério do Ambiente fazer cumprir, os quais à data da publicação deste artigo devem estar concentrados o recém formado Instituto do Ambiente, constituído a partir da fusão da Direcção-Geral do Ambiente com o Instituto de Promoção Ambiental. Espero, igualmente, pela intervenção directa dos poderes locais neste processo, pois foi iniciado por eles e a eles cabe dar continuidade, muito me desagradaria e a todos vós que estas minhas palavras não fossem escutadas, está em causa a Saúde Pública das populações e a defesa do meio ambiente, conjunto de aspectos prioritários na promoção da excelência desta nossa terra. Acredito que a promoção de um concelho com tanta beleza e tão rico em património se faça a partir de uma intervenção directa no ambiente e na saúde das populações, paralelamente à execução ou ao apoio a iniciativas com maior visibilidade, a exemplo do qual posso destacar o apoio a dar ao nosso rallye caso consiga fazer parte do conjunto de provas do campeonato nacional da modalidade. Mas quem promover iniciativas desta natureza terá obrigatoriamente de ter a noção do sentido de prioridade, de modo a dar resposta a alguns dos anseios das populações, caso contrário os apoios a dar não passam de meros caprichos de alguns, pois não interessa criar uma imagem de excelência da nossa terra no exterior quando por cá as populações se deparam todos os dias com estradas com profundas crateras ou, como no caso que aqui se apresenta, com esgotos a céu aberto sem qualquer tipo de tratamento.
Ao terminar este meu texto cabe-me referir que estando impossibilitado de viajar as vezes que pretendo a esta nossa terra, ao contrário do que tinha previsto acabei por escrever este artigo disponibilizando-o para publicação mesmo sem fotos, com pena minha, também não sei se nas fotos se iria conseguir sentir tamanho mau cheiro ou mesmo ver estas obras de Santa Engrácia, pois as silvas e mato devem servir de manto a este perfeito habitat de bactérias e vírus. Dadas as contingências da minha vida pessoal pedia-vos que em situações semelhantes fizessem chegar até mim as situações que pensem vir a ser notícia, se possível com fotos a acompanhar, será de todo mais simples preparar um texto nessas condições.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:29
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Apontamentos de um fim de semana (in Planalto 1998-2002)

Os afazeres dos últimos meses não têm cedido tempo e espaço para estar mais vezes na nossa terra, nem para dedicar a ela algumas palavras. Dados todos esses constrangimentos as breves palavras que aqui deixo são meros apontamentos de um fim de semana, uma curta estadia da qual foi possível recuperar algumas temáticas que aqui são apenas esboçadas em três apontamentos.
As primeiras palavras vão para a estrada de ligação de Nelas às Caldas da Felgueira, que no troço Nelas-Folhadal deveria ter agora uma esplendorosa Avenida. Aquando da última visita, em Agosto, as obras em curso ainda faziam prometer uma vistosa Avenida, capaz de ser o orgulho de todos nós. Contudo, lamentavelmente, meses depois, as obras estão paradas, sobre os motivos dessa paragem não me detenho, pois não falo sobre o que desconheço, nem sobre a possibilidade desta ser uma Santa Engrácia do alcatrão, mas tenho de mencionar o perigo que as obras paradas representam.
A má imagem das obras paradas desfaz qualquer expectativa que sobre o futuro se tinha, para além de dar uma triste imagem do concelho. O perigo que a obra representa está bem patente em vários exemplos, na impossibilidade de deixar uma lista exaustiva deixo dois exemplos: a falta das linhas tracejadas é um perigo acrescido na condução, principalmente nocturna, no inverno que se aproxima; o poste eléctrico que se encontra quase à entrada de Nelas, praticamente no meio da via, mais parece uma obra do demónio, pelo facto de não deixar antever nada de positivo.
O segundo apontamento de fim de semana que aqui deixo prende-se com as sepulturas antropomórficas existentes no Pombal. Lamento que as minhas sucessivas palavras não tenham qualquer efeito, quer nas entidades públicas, quer no cidadão anónimo. É uma VERGONHA que as sepulturas estejam apenas a ser utilizadas como mais um espaço para ajudar ao estacionamento automóvel, assim se massacrando com pneus os pedaços que restam da nossa história. É mais do que o momento indicado para se ter vergonha deste deixa "andar". De nada serve a minha sistemática tentativa de zelar pelo nosso património. Clamei pela defesa das sepulturas, sugeri a existência de um Museu Etnográfico, fotografei objectos do quotidiano, deixei as minhas memórias expostas para o bem comum, mas nestes anos todos apenas o tempo passou, NADA foi feito e se o foi serviu apenas para evitar a sua maior mediatização.
Deixo ainda um último apontamento, infelizmente, na sequência dos anteriores. Refiro-me à demolição da pequena "cantina" existente junto da Escola Primária e que estaria a servir o pré-primário. Sobre a demolição em si nada tenho a dizer, o mesmo não digo da sua não reconstrução. A entidades que promoveram a demolição do velho e pequeno anexo esqueceram tanto a sua história como a sua função social, a sua não reconstrução reforça esse esquecimento. Assim os cerca 50 anos de história são pervertidos pelos martelos da frieza e a sua função social é iludida pela compensação do serviço prestado pela Associação.
Não quero com isto dizer que a Associação não possa substituir a "cantina". Justiça seja feita, a nossa Associação deverá ser um motivo de orgulho para todos nós, pelo trabalho que durante décadas tem feito em prol de todos nós. Motivo que, aliás, deveria ser mais do que suficiente para ser alvo do reconhecimento por parte das entidades públicas, locais, regionais ou nacionais, basta que estas não se esqueçam do importante papel desempenhado pelas associações com as características da nossa.
No presente apontamento a questão que se coloca é a da deslocação das crianças, que assim passam a deambular de um lado para o outro para receberem um bolacha e retribuírem com um sorriso. Suponho que o frio e a chuva, ou os riscos porque possam passar não valem tamanho esforço.
Amigos! Não sei o que leva os nossos representantes a tomarem este tipo de decisões. Sei que o momento é de crise generalizada, mas também sei que caso não se criem as condições à fixação das pessoas nos lugares, sobretudo no interior, este país não tarda estará prestes a transformar-se numa pequena faixa litoral que albergará todos os habitantes e numa grande faixa interior apenas com pedras, mato e incêndios. Por tudo isso e por muito mais, pela minha parte e pela parte de todos aqueles que se identificam com as minhas palavras solicito a quem de direito:
«Por favor! Integrem o cidadão e o respeito pelos valores naturais e patrimoniais nas políticas públicas»
Com este apelo termino os apontamentos que numa visita breve à nossa terra foi possível registar.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:28
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Novo ano, velhas esperanças (in Planalto 1998-2002)

Nesta quadra festiva não poderia ficar remetido a um qualquer pálido silêncio. Muitos são os motivos para festejar, muitos são os motivos para reflectir. É a propósito destes últimos que se erguem estas minhas palavras.
No advento de um novo ano, bem como de um novo milénio, torna-se necessário repensar este Homem e o rumo que para ele se quer, uma vez que o legado histórico que nos deixa do séc. XX está repleto de múltiplas ocorrências de sinal divergente. Correu este Homem atrás da ideia de ciência e das suas potencialidades para a espécie humana. Correu tanto que na primeira oportunidade colocou em causa tanto a ideia de progresso como a existência da Humanidade. Inevitavelmente, a bomba atómica e todo o poderio que a energia nuclear, com fins de guerra ou pacíficos, é uma das imagens de marca do século que finda.
Oppenheimer, talvez o principal arquitecto das bombas atómicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1954 depois de se conhecerem de facto os efeitos das bombas atómicas afirmou: A ciência transformou a vida dos homens. Materialmente, modificou o nosso trabalho, os nossos ócios, o nosso poder e os limites deste poder - tanto no que respeita aos homens como às comunidades de homens. Intelectualmente, modificou os instrumentos e o conteúdo dos nossos conhecimentos, os termos e a forma em que o problema do bem e do mal se nos apresenta. Mudou a maneira de pensar dos homens sobre si próprios e sobre o mundo. (Robert Oppenheimer "O homem perante a ciência", In Vida Mundial 5 de Junho de 1954)
A ciência transformou, igualmente, a relação que este Homem de que vos falo aqui tem mantido ao longo de gerações com a Natureza que o abriga e da qual ele é parte integrante e insubstituível. Neste aspecto cabe, aliás, referir que o Homem enquanto ser capaz de agir sobre a Natureza tem, por esse motivo, de assumir as suas responsabilidades face a ela. Ele é o único de todas as espécies existentes capaz de matar animais inofensivos para realizar os seus caprichos e é o único capaz de derrubar árvores e montanhas para exprimir a outros idênticos o seu poder de realização, do mesmo modo altera o curso dos rios e mares, altera o curso da sua própria existência. É este o novo Homem inaugurado pela ciência que ele próprio criou. Um Homem capaz de construir e de destruir, mas na verdade incapaz de dominar as forças da Natureza.
O séc. XX é também o século das catástrofes que o Homem "gerou" na Natureza. Em todos os tempos houve inundações, tempestades, secas,..., fome, contudo só recentemente se experimentou a fúria dos elementos devido a causas exteriores aos próprios elementos: a poluição cobriu de miséria lagos e florestas através de chuvas ácidas, os mares estão a esgotar os seus recursos, o clima altera-se, o buraco do ozono aumenta, o horror atómico mostrou em Chernobil como é frágil este progresso, como são frágeis as fronteiras que a guerra fria quis erguer.
De momento, muito cenários vividos ao longo destes últimos 100 anos estão a cair num absurdo esquecimento. Cada vez mais nos move o interesse, o desejo de ir mais longe, a utopia da perfeição. Estamos, segundo alguns, na denominada era da globalização, onde a identidade local procura não se dissipar no discurso globalizante, onde a cidadania recebe novos instrumentos para se realizar. Mas onde a indiferença substitui as relações de vizinhança.
Pessoalmente não reconheço fora da esfera económica o carácter global da nossa sociedade. Este é um planeta com mais desigualdades que recursos, é esse o pesado fardo que devemos evitar transportar para o novo ano e novo século. Sei que as denominações países ricos e países pobres estão fora de uso, o mesmo com a denominação de Terceiro Mundo, ainda assim, mesmo nas sociedades de tipo ocidental como a nossa, estão bem visíveis as desigualdades.
As desigualdades que mais me movem estão longe e aqui tão perto. O ano de 2000, a exemplo dos últimos, fica marcado por um grandioso avanço científico, tantos foram os milhões que se gastaram na sequenciação do Genoma Humano (tanto no Projecto do Genoma Humano como na Celera Genetics) e tantos foram os milhões que se gastaram a investigar doenças que algum personagem famoso entretanto terá contraído, pese embora o facto de várias outras ainda não serem passíveis de serem solucionadas pela ciência, como é o caso de algumas formas de cancro, da SIDA, ou das consequências no homem da BSE.
Contudo, nestes últimos anos o exemplo que mais nos move, pelos menos as consciências pelo elevado número de mortos daí resultantes, é a infeliz malária, infeliz porque devora milhares de indefesos todos os anos aqui tão perto, em África. Meus amigos, o que acontece com a malária e outras doenças tropicais que afectam sobretudo a África e alguns países da América Latina é algo que deve envergonhar o Homem que aqui vos trago, por tratar assim o seu semelhante. Esta malária é mais uma catástrofe a devastar o continente esquecido, mas não é por isso que os grandes laboratórios se envolvem na sua cura, mas não é por isso que os políticos dão voz aos povos que sofrem!
Do mesmo modo, enquanto a Internet e as novas tecnologias dominam os discursos e as relações humanas do mundo moderno, no mundo ignorado tanta é a comida que nesta sociedade dita de moderna se desperdiça que os corpos de crianças e de adultos que não chegam a ser adultos caem famintos só o pó da terra seca que os consome. Não podemos e não devemos ser insensíveis ao sofrimento dos outros.
Perante a perspectiva de tudo isto assumir proporções ainda mais inquietantes, que infelizmente é o cenário mais previsível, peço-vos para reflectirem um pouco nesta quadra festiva, pois, é legítimo que outros possam também ter motivos para festejar. Desejo que o novo ano seja capaz de derrubar as barreiras da indiferença e trazer a todos os Homens o respeito que merecem. Não devemos comprometer nem os direitos nem as esperanças de todos os povos realizarem a sua história.
Findo o meu texto desejando a todos votos sinceros de Boas Festas.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:28
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Argumentos em defesa da dignidade humana (in Planalto 1998-2002)

Findo o mito de uma ciência unicamente criadora de benefícios, com capacidade de resolução dos problemas que quotidianamente se nos apresentam, os actuais momentos apresentam-nos novos e surpreendentes desafios.
Invadem-nos com os discursos acerca das novas tecnologias da informação. São para nós um labirinto infindável de oportunidades de circulação num espaço-tempo dissolvido na ilusão da presença de outrém. Como se o consolo da vizinhança nos cativasse em permanência.
Em nós emerge um desejo subalternizado. Somos reflexos distantes das memórias dos nossos antepassados. Surgimos como vozes e imagens de um mundo virtual. Cheio de luzes, de cores, de chamamentos. Inerte à faculdade de sentir.
Gestos e rituais são trocados por palavras dispersas. Configurados em catadupas de informação. Olhares diversos sobre realidades tão equidistantes que próximas.
Já não sabemos dormir sem dizer olá ao outro lado do mundo. Já não sabemos percorrer a rua e escutar quem chama por nós. Vivemos de imagens e sons. Circuitos que a Internet multiplica e os telemóveis sintetizam.
Prometem-nos discutir o poder das biotecnologias. Tudo esperamos dos poderes públicos, na ânsia de poder proteger os interesses privados, na expectativa de alguém anunciar defender a condição humana deste Homem artifício. Move-nos a Natureza, nela se dissolve a nossa capacidade de criar novos mundos a partir de um mundo objecto.
Esquecemos a importância de um olhar e de um poder sorrir bafejando as palavras trocadas em jeito de melodia, do crepúsculo ao amanhecer. Mais grave ainda, damos a nós mesmos a liberdade para legitimar a indiferença.
De nós são retirados meros pedaços de compaixão, levados à ribalta sob a forma de títulos de meros acontecimentos. Por eles damos a mão a Timor, por eles não sentimos serem nossos os horrores do Kosovo, do Ruanda e de Angola. Não são dados à nossa proximidade, são tomados como meras imagens que facilmente se confundem com filmes. É certo que uma ou outra lágrima se desprende no passar da película, dá para se acreditar na capacidade de ainda sentir dor.
Os écrans inundam-se de água e lodo. Moçambique já não chora porque os rostos estão ensopados na esperança!... Depressa os soldados são mobilizados para combater, lenta é a agonia de dar à luz uma criança na copa de uma árvore.
Num ou outro lugar são desperdiçados os alimentos que um povo tanto deseja. Num ou outro lugar é indiferente o sofrimento. Não nos movem as causas alheias. É tamanha a aceitação da dor que os outros sentem. É atroz a não dignificação da pessoa humana em todos os cantos de um mundo tão frequentemente apelidado de global.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:27
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Ambiente do nosso descontentamento (in Planalto 1998-2002)

Nestes últimos meses têm sido tantas as imagens e palavras que todos os dias passam nas nossas televisões, rádios e jornais que o simples ser humano se sentirá como fazendo parte de uma história vertida para os ecrãs por um qualquer filme de Hollywood. O certo é que para ser um filme rodado na América nada lhe falta, pois tem os vilões e os heróis, bem à medida do cinema das terras do dito tio Sam.
Por cá reproduzem-se essas imagens e acrescentam-se as imagens de umas apáticas campanhas eleitorais, aliás também elas com vilões e heróis e, do mesmo modo bem aproveitados para aquecer as audiências da estação ou jornal.
Naturalmente nada tenho a obstar contra o direito à informação, nem contra qualquer meio de comunicação social, o mesmo não posso dizer do chamado agendamento das notícias, ou seja, sobre as notícias que "elegem" para figurar nos seus noticiários ou páginas de jornais e a posição que ocupam nesses minutos ou espaços de notícias (por exemplo, na primeira página ou nas páginas centrais). É esse agendamento que nos bombardeia com notícias tipo "pronto-a-vestir", deixando à margem os problemas quotidianos dos portugueses, e quando isso não acontece a notícia presta-se, por vezes, a servir de exposição da desgraça alheia. Com a agravante de quem vê, ouve ou lê ficar como que sonâmbulo face ao sofrimento, pois ele são tantas as mortes que todos os dias nos são anunciadas que a própria morte parece afirmar-se gradualmente como uma notícia que vai deixando de ser notícia, dada a sua frequência.
Assim se têm ignorado questões fundamentais, quer numa escala global quer numa escala local. Poderia dar vários exemplos, todos os dias surgem aos nossos olhos, mas em vez de deixar uma lista de exemplos vou unicamente centrar as minhas palavras em redor da temática que me tem absorvido nos últimos anos, porventura absorveu a vida inteira, estou a falar do Ambiente ou numa dimensão mais contemplativa e conceptual, da Natureza.
É preocupante que nas vésperas de mais uma Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, dez anos depois da Cimeira da Terra no Rio de Janeiro, (também conhecida como Eco 92), a comunicação social ignore de forma sistemática a realização da referida conferência. Com excepção de um círculo restrito de interessados na dita conferência ou apenas interessados em perceber o mundo que os rodeia mais ninguém está a par dos debates que vão ocorrer sobre o seu futuro. Certo é que não podemos culpar a comunicação social portuguesa desse esquecimento do seu dever de informar o que muitos dizem ser a opinião pública, pois estamos perante dinâmicas mediáticas de cariz empresarias inerentes a uma economia dita de global, que podem mesmo entrar em choque com critérios jornalísticos, bem como com o proclamado interesse e serviço público.
No caso concreto de Portugal o que é curioso é que, no momento pós eleitoral que vivemos muitas das ideias a serem defendidas na conferência a realizar em Joanesburgo no presente ano fizeram parte de alguns cartazes da campanha eleitoral e mesmo dos seus programas eleitorais.
Pela parte que me toca, pela oportunidade que tive em observar os capítulos relativos ao ambiente e ao ordenamento do território dos partidos com assento Parlamentar, considero-me maravilhado com algumas propostas, embora consciente do seu mero carácter de propostas, mas também me sinto assustado. Sobre este último aspecto posso deixar o exemplo da problemática, já longa, do processo da queima de resíduos indústrias perigosos pela indústria cimenteira, processo que conheço relativamente bem desde o eclodir deste conflito ambiental no ano de 1998. Ora, o que se verifica desde essa data, incluindo na campanha eleitoral, é que o problema tem vindo a ser adiado com pormenores de circunstância, sem que nesses pormenores se debatam as questões fundamentais. O que eu vejo são soluções pontuais. Com a agravante, penso que todos nós sabemos, da informação facultada ou omitida se dirigir a uma opinião pública tantas vezes incapaz de descodificar pareceres científicos, discursos políticos ou especulações jornalísticas. Uma opinião pública mais habituada a dar protagonismo aos ilustres da sua terra.
Enganem-se os leitores que pensam que esta temática nada tem que ver com a nossa terra. Tanto tem porque os problemas deste planeta a todos nós dizem respeito e porque as questões que todos implicam exigem a participação de todos no processo de tomada de decisão. À semelhança de outros meios de comunicação social de cariz local ou regional temos a vantagem de possuir este nosso Planalto, com as possibilidades que estes meios de comunicação podem conferir ao centramento das problemáticas no contexto local.
Estou convicto que não poderemos debater os problemas que afectam o planeta continuando a adiar a tomada de consciência da nossa intervenção ao nível local. É começando pela nossa terra, confinada ao planalto beirão mas com uma vista para o resto do país e para o mundo, que poderemos e deveremos participar nas decisões a tomar a uma escala planetária.
Por vezes penso que sou eu apenas a sonhar com a possibilidade de um quotidiano com mais qualidade de vida e com um amanhã promissor para quem cá estiver. Ainda que em muitas dessas vezes possa deixar-me invadir por algum desânimo não penso desistir deste meu propósito, em parte é isso que tenho feito em muitos artigos publicados neste nosso jornal, em parte é isso que tenho feito noutros campos da vida.
Estão em causa as nossas matas, que todos os anos são arrasadas por incêndios ou por outro tipo de acção humana directa, e que tantas vezes crescem sem qualquer tipo de ordenamento e de protecção. Estão em causa os nossos ribeiros e o nosso Mondego, cujos caudais são barrados ou libertos consoante a vontade particular. Estão em causa os nossos solos agrícolas, cujo uso de pesticidas os deve ter poluído irremediavelmente. Está em causa o ar que se respira, que felizmente ainda cheira a este verde imenso. Estão em causa as nossas ruas, que a cada dia são conquistadas por automóveis ávidos de ordenamento urbanístico. Estamos todos nós em causa.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:27
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Euro: uma moeda única preocupações comuns (in Planalto 1988-2002)

Num país em que se gastam milhares de contos em sondagens cujo objectivo é dissertar nas primeiras páginas dos jornais e na abertura dos telejornais acerca de qual será na verdade "a cor do cavalo branco de Napoleão", chegando em alguns dos casos a formarem-se comissões de inquérito para o efeito ou então ver-se a oposição e os governantes a usarem com toda a legitimidade longos períodos de debate parlamentar onde ambos querem concordar que a dita cor é branca, mas acabam por discordar entre a branca e a branca, porque não fica bem concordarem com os seus opositores, num país como este, dizia, ficam por debater algumas das mais importantes questões do interesse nacional. Neste caso, falo-vos do Euro, essa ilustre e desconhecida moeda única.
Dizem-me: "Mas a comunicação social tem falado nisso!", "É verdade!", digo eu. A questão é que comunicação social, apesar de ser um importante veículo de transmissão de informação ao público, ocupando na opinião de muitos o lugar de quarto poder, por vezes, até uns degraus mais acima, pode ser também um factor de distanciamento em relação às informações que produz/reproduz. Com a familiaridade dos acontecimentos muitas são as vezes que não deixa no público mais do que um lamento face ao que se passa lá longe, levando as pessoas a habituarem-se a ver as imagens que no quotidiano chegam aos seus lares e a distanciarem-se dos seus conteúdos. Por vezes uma lágrima é solta em cada rosto porque as televisões "vivem" os dramas de uma ponte que caiu, por vezes uma dor aperta o coração porque a fome e a sida levam crianças indefesas.
O que aqui vos trago remete-nos para o facto desse factor de proximidade desta vez ser tão real quanto tão despreocupante por parte de quem de direito e de todos nós. Desta vez somos nós, e outros europeus claro, os motivos da notícia, ainda assim somos teimosos, não queremos saber do que se passa, o problema é que no final do presente ano o Euro vai fazer parte dos nossos quotidianos.
Como sabem, o Euro é já a moeda oficial dos países da União Europeia que participaram na União Económica e Monetária, embora ainda não estando disponível em forma de notas e moedas. A 1 de Janeiro de 1999 tornou-se possível efectuar pagamentos em Euros através de cartões de crédito e de débito, cheques ou transferência bancária. Como igualmente sabem a 1 de Janeiro de 2002 começam a circular as notas e as moedas de pagamento em Euros.
O quadro que se apresenta resume em traços gerais o calendário da introdução do Euro, generalizando a dita moeda pelos países aderentes. 1 de Janeiro de 2002 Entrada em circulação de notas e moedas em Euros
Início da retirada de circulação das notas e moedas nacionais
Janeiro a Fevereiro 2002 O Euro e as moedas nacionais vão coexistir sob a forma de notas e moedas
1 de Março de 2002 Retirada definitiva de circulação das moedas e notas nacionais e utilização exclusiva do Euro
A nova moeda tem como grande vantagem não necessitar de ser trocado nos países onde circula, uma vez que é a moeda corrente em todos eles. Note-se que a possibilidade de poderem ocorrer enganos nas conversões dos Escudos para os Euros foi reduzida no momento em que foi fixada a taxa de conversão, em que 1 Euro corresponde a 200, 482 Escudos.
Estas e outras informações já os meus amigos leitores do Planalto conhecem através das campanhas entretanto lançadas. O que está em causa, na minha opinião, é que essas campanhas não me parecem ser eficazes, por isso, talvez se imponha uma mudança de estratégia que, pela urgência do problema, deve passar por informação do tipo porta-a-porta, caso contrário, penso ser preocupante a possibilidade, infelizmente bem real, de ocorrem situações de burla, sobretudo em meios mais fechados e mais isolados, envolvendo grupos etários específicos, provavelmente os mais idosos. Não é a preparação dos bancos e das empresas que me preocupa, isso são questões técnicas que a essas entidades cabe resolver, essa é a sua obrigação. Quem me preocupa são os cidadãos indefesos capazes de caírem na trama dos burlões, não tenho dúvidas que isso se trata de uma questão de segurança nacional e que por isso mesmo cabe ao Estado garantir a segurança de todos os cidadãos, segurança que neste caso é melhorada com campanhas de informação adequadas e capazes de irem ao encontro dos reais interessados, que por acaso somos todos nós. Jovens, adultos e idosos, pobres ou ricos, com ou sem formação académica, portugueses ou europeus, somos todos nós que rapidamente vamos deixar de usar o escudo como moeda de circulação, com tudo o que isso implica, num país em que o escudo sempre foi um símbolo nacional, mesmo nos momentos trágicos das sucessivas desvalorizações. O que será das pessoas que sempre viveram com o escudo? Essa é a questão que se coloca, pois não se trata de fazer uma qualquer diferença cambial, como o fazem os nossos emigrantes, mas de passar a viver de acordo com uma lógica de troca assente numa outra moeda - o Euro. Por mim, termino aqui as palavras que tinha guardadas para vós, espero com elas alertar para possíveis situações gravosas do bem público e contribuir de alguma forma para a informação do leitor sobre esta matéria. A vós cabe-vos escutar de forma atenta o que o simpático senhor do anúncio nos diz e, sempre que possível, questionar as respectivas entidades bancárias sobre a questão ou então recolher informações directamente junto da Comissão Nacional Euro e do Observatório Nacional do Euro, entre outros exemplos. Fiquem atentos!

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:25
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Verão radioactivo (in Planalto 1998-2002)

Embora Verão, momento para o descanso de muitos e aumento da azáfama para outros, parece ser também este um momento oportuno para falar sobre um dos mais graves problemas de Saúde Pública que durante décadas terá afectado silenciosamente muitos de nós ou dos nossos antepassados. Refiro-me, claro está, à radioactividade gerada por via da exploração de urânio nas Minas da Urgeiriça.
A sua oportunidade advém, por um lado, da apresentação de um documento por parte de um dos partidos com assento na Assembleia da República, da autoria de um deputado originário da região. A este respeito convém reforçar que, pessoalmente, não assumo, nem expresso, qualquer preferência política, como tantas vezes digo, o meu partido são os cidadãos, são eles que me interessam e não o aparelho do partido A, B, ou C. Não quero com isto dizer que os partidos não sejam importantes, naturalmente que o são, pois assumem-se como um dos pilares da Democracia, embora sem a criação dos chamados círculos uninominais se coloquem várias questões, mas não é sobre elas que escrevo este artigo.
A oportunidade advém, por outro lado, pelo menos foi um dos motivos que serviu de inspiração a este artigo, da exibição em momento oportuno pela RTP1 de um programa da série Planeta Azul dedicado ao problema das minas portuguesas de urânio e dos problemas a elas associados, que pela parte que me toca espero que venha a dar atenção às minas da Urgeiriça. Confio na objectividade do Planeta Azul, um dos programas que, sem sombra de dúvidas, cumpre o tão falado Serviço Público de Televisão, peca talvez pela hora em que tem ido para o ar, que como muitos sabem tem lugar aos Domingos antes da emissão do Jornal da Tarde, sendo posteriormente repetido no final da tarde de Segunda-feira.
Não vou aqui tomar as linhas de apresentação quer do texto apresentado à Assembleia da República, nem imaginar quais as linhas do intervenção do programa Planeta Azul, ou então esperar pela sua emissão, esses são apenas motivos acrescidos, só por si não justificam, pela minha parte, este artigo, embora sejam da maior importância. Focados estes dois elementos cabe assim dar sequência ao artigo.
Assim, pela parte que me toca, retomo, como tantas vezes o tenho feito, as minhas memórias. Como muitos sabem, vivi e cresci a trabalhar na agricultura, vivi e cresci entre o nosso Folhadal e Nelas, mas também entre as Caldas da Felgueira, Vale de Madeiros e Canas de Senhorim. Porque a minha avó Teresa casou em segundas núpcias com o meu avô José Valério, sendo este último natural de Vale de Madeiros e proprietário de vários terrenos agrícolas dispersos entre as três últimas localidades.
Esta referência mais pessoal, neste caso justifica-se, pois foram essas vivências que me levaram a outros lugares e a conhecer outros rostos, tantas vezes incapazes de deixarem de comentar aquele quadro com duas crianças tão jovens em tarefas e em lugares já em progressivo abandono. Foi assim que cedo me confrontei com as águas poluídas de um ribeiro, cujo nome de momento não tenho presente, mas que referi num anterior artigo dedicado aos moinhos de água. Este ribeiro corre das proximidades das minas da Urgeiriça em direcção às Caldas da Felgueira.
Não sei se era da limpeza de algum minério, porventura urânio, porventura do que restava da exploração do volfrámio, esse ribeiro corria amarelo, por vezes quase laranja, recordo-me que não impedia o milho de crescer, mas crescia num verde opaco. Ao seu lado, as ervas daninhas que crescem em redor de todos os milharais quase não cresciam, por sua vez a terra parecia uma esponja,, quase como um doente em coma, como quem sem dor e sem prazer.
Recordo-me de ver pessoas andarem muitas vezes descalças com os pés na água, talvez eu tenha feito o mesmo. Nunca soube o que era aquilo que corria para o Mondego, recordo-me apenas de regar aquele milho com aquela água e de muitas vezes fazer o mesmo a umas oliveiras que estavam bem junto à velha ponte do dito ribeiro nas Caldas da Felgueira.
Não tenho memória das populações serem advertidas para os perigos daquele ribeiro. Sei que na altura não era tão pública como agora a problemática da radioactividade, sei também que as problemáticas do Ambiente e da Saúde Pública eram na altura, infelizmente tal como em muitos casos agora, praticamente ignoradas. Mas sei também que, culpados haja, nunca é tarde assumir as culpas e fazer o Rastreio da população, penso ser o mínimo que se pode esperar, quer da Empresa Nacional de Urânio, quer do próprio Estado português, pois são ambos culpados. De uma coisa me recordo, uma vez por ano chegava uma carta da E. N. U., para se receber determinada importância em dinheiro, que para muitos era o suficiente para regressarem aos seus lameiros regados por aquelas águas e apenas regressarem no ano seguinte.
Não venho aqui pedir nada, até porque talvez seja difícil provar que a radioactividade terá tido efeitos nefastos sobre a Saúde dos nossos antepassados. Mas venho aqui, apenas, pedir que se encarem os erros do passado e se encarem de frente todos os problemas que no futuro possam surgir. Não peço, como é lugar comum, que se faça justiça, mas sim que se informem os cidadãos de todos os problemas que os possam afectar, melhorando o seu bem-estar e a sua qualidade de vida. Pela parte que me toca, penso não ser pedir muito. Assim espero, que quem de dever cumpra a sua parte, é certo que tenho as minhas dúvidas, pois meses passados ainda encontro as manilhas quebradas como há 20 anos. Parece que assim jaze a nossa História. Deste Vosso Amigo, com desejo de um Bom Verão.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:24
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

"Água imprópria para consumo" (in Planalto 1998-2002 sem fotos)

Caros leitores! A maioria das minhas intervenções no nosso Planalto tem procurado catapultar itinerários da imensa memória colectiva do nosso povo para novas vivências, novas formas de viver e de sentir o que os nossos antepassados outrora viveram, procurando por essa via alertar para a perda dos quotidianos anónimos e para a perda de significação do que de mais simples no rodeia. Apesar do testemunho que fica pergunto-me muitas vezes se esse meu prazer de me dar através das paisagens de palavras, rostos, personagens, figurantes e cenas de uma dramaturgia rural e beirã, alcançará vozes não remetidas ao
silêncio.
Desculpem-me os mais directamente envolvidos mas, neste breve artigo, procuro basicamente lançar um alerta, em causa está o não funcionamento das nossas fontes públicas. Nas principais capitais europeias os técnicos em saúde pública e em protecção civil alertam para a necessidade das bicas e fontanários públicos estarem em perfeitas condições de serem utilizadas, porque é tradição as populações fazerem uso destas fontes e porque constituem uma importante alternativa no abastecimento público de água em situações de catástrofe. Por isso aconselham os responsáveis políticos a levarem a cabo as medidas necessárias ao seu funcionamento em condições que não comportem riscos para a Saúde Pública. Amigos! Será que na nossa terra esses argumentos não são suficientemente fortes? Tomo aqui, como podem ver pelas fotografias, uma das fontes do nosso concelho, que eu conheço desde que me conheço a mim mesmo, localiza-se no Folhadal, na Rua da Vala, mas poderia localizar-se em outra localidade e em outra rua, este não deve ser um exemplo único, infelizmente.
Pendurada na torneira a placa assinala "Água imprópria para consumo", ao que parece devido a contaminações nas canalizações com efluentes líquidos particulares, no entanto, muitas são as vozes que afirmam que o problema surge logo nas próprias nascentes. Não deixo de estar preocupado! Nem sei se a ordem expressa na placa é cumprida, sabemos todos que a tradição cria por vezes resistências, é assim bem possível que algumas das pessoas continuem a consumir esta água em detrimento da água que recebem nas suas casas distribuída pela rede pública. É igualmente possível que algumas das pessoas retirem esta água para os seus animais, consumindo-a então indirectamente, pois estão no topo da cadeia alimentar. Embora não seja um perito nestas matérias outra questão me preocupa, a das próprias canalizações no caso de serem de chumbo (as antigas canalizações eram em chumbo). Sabe-se agora que este material evidencia algum risco para a Saúde Pública, reduzindo nomeadamente o desempenho intelectual das crianças.
Sem assumir para mim qualquer interesse particular, pois o meu único objectivo é a produção de uma narrativa capaz de contribuir para a promoção do "bem comum" das nossas gentes, expresso aqui às autoridades competentes a minha preocupação, no que aproveito para solicitar junto destas que discutam, preferencialmente em conjunto com as populações, o futuro destes fontanários, nos tópicos propostos: o respeito pelas tradições, os riscos para a Saúde Pública e o equacionar de um abastecimento alternativo de água em situações de catástrofe. Estou certo que as minhas palavras vão ser devidamente ponderadas.
Obrigado!

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:23
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Memórias que não se querem apagar - Instrumentos do quotidiano rural (in Planalto 1998-2002, sem fotos)

Onde estão os velhos carros de bois? Poderá ser este o mote para uma longa discussão em redor da perpetuação do passado no presente. Esta foi uma das questões que coloquei várias vezes quando efectuei a recolha fotográfica de que vos falei no artigo anterior. Não obtive até hoje qualquer resposta agradável, sei que não fiz uma busca exaustiva mas devem ser raros os carros de bois, sobretudo os carros de juntas de bois, existentes hoje no nosso concelho. Ganham assim maior importância, pelo menos é o que eu penso, as palavras e as fotos que aqui exponho, uma vez que assim se manifesta ser urgente promover iniciativas que permitam salvaguardar estas heranças do passado. Atrevo-me a lançar o seguinte alerta: “Não vamos deixar morrer a nossa história!” Estamos a falar do testemunho da presença dos nossos antepassados sobre a terra, da cultura do nosso povo, da labuta quotidiana das nossas gentes, do suor, sangue, alegrias e lágrimas de muitas gerações. É nosso dever respeitar e zelar por essa herança de modo a transmiti-la da forma mais intacta possível às gerações vindouras.
Para satisfazer, em parte, o objectivo que acabo de referenciar apresento pequenos objectos que rotulei de “Instrumentos do quotidiano rural” mas que na verdade são objectos da nossa história presente, objectos que foram incapazes de reagir à gradual mecanização dos processos agrícolas e que por isso envelhecem escondidos por entre palavras, restos de madeiras, ferros e num amontoar de ausência de cuidar e prolongar.
São meros exemplos, eu sei, tão banais como o amanhecer no vale do Mondego. Mas é perante tamanhas marcas herdadas da relação do homem com a terra que me movo e removo ao sentir que nada se tem feito no sentido de as preservar. Esta é a tradição cultural de uma terra de gentes que toda a vida amanharam a terra para dela retirarem o seu sustento e que por isso mesmo nos conferem a responsabilidade, enquanto cidadãos de pleno direito e atentos à odisseia das civilizações, de intervir no cuidar destes objectos utilizados na conquista desta terra rica em experiências humanas e em afectos.
Na minha opinião, assim nos cabe, em primeiro lugar, proceder ao diagnóstico do que ainda se pode aproveitar e zelar pela sua conservação futura. Nesse sentido, seria desejável existir no nosso concelho uma estrutura do tipo Museu Etnográfico ou uma instalação semelhante. Essa estrutura teria como principal objectivo estabelecer uma ponte entre passado, presente e futuro na nossa terra, cuidando das heranças do passado, expondo ao público no presente essas heranças para assim tornar possível prolongar a sua existência pelo futuro. Muito me agradaria saber que este meu desejo vai de encontro a desejos semelhantes e que juntos, com dedicação e carinho pela nossa terra, fossemos capazes de erguer este monumento de homenagem a todos quantos já partiram e nos deixaram os seus testemunhos em forma de objectos.
Além da referência aos carros de bois apresento nesta peça fotografias de três exemplos ainda bem presentes na memória das nossas gentes, embora saiba que muitos outros exemplos já se escaparam dessa memória e são para muitos de nós meros complementos do imaginário colectivo, por isso mesmo, como acima referi, ganha um estatuto prioritário proceder à recolha e gestão deste enorme reservatório de cultura. Estou certo de que muitos dos instrumentos de que vos falo, na eventualidade de se proceder à sua salvaguarda numa estrutura idêntica à referida, seriam cedidos de boa vontade por muitas das pessoas que os possuem, pois não sendo indiferentes ao que nos rodeia teriam todo o prazer em contribuir para algo que nos dignifique a todos. Por mim deixo já através destas palavras e destas fotografias um contributo primeiro para que uma iniciativa desse género possa vir a ter lugar, dispondo-me a outras contribuições futuras caso seja para tal solicitado. Estou certo que uma tarefa deste género implica superar muitas dificuldades, sobretudo institucionais, dadas as limitações de verbas para fazer coisas de raiz, mas também estou certo que a vontade das pessoas é capaz de mover montanhas e dar os seus proveitos, por isso confio essa tarefa a todos nós, em geral, e aos nossos representantes, em particular.
Feitas as devidas considerações resta-me fazer uma breve referência aos objectos apresentados. São eles: um serrote de lenhador, um charrueco (parente mais próximo e mais pequeno da charrua ou arado) e por último uma “traiéla” (em muitos locais designado por malho). Talvez nem tanto o charrueco, mas o serrote e a "traiéla" representam talvez ainda mais o sentir comunitário das nossas gentes, com as tarefas a serem realizadas em conjunto, tantas vezes com as tristezas a dissolverem-se nas alegrias das cantigas que acompanhavam cada cereal ou cada tronco a cair no solo. O charrueco representa mais especificamente o rasgar dos sonhos dos homens e a realização desses sonhos, por sinal a realização depois alcançada em plenitude quando o resultado tombar já sobre a eira à espera de ser tocada pela azáfama de homens, mulheres e crianças, com os ancinhos, as “traiélas” e os dias de verão.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:21
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Memórias que não se querem apagar: Lugares da História (in Planalto 1998-2002, sem fotos)

Como tinha prometido cumpro neste artigo a apresentação de uma trilogia de exemplos sobre as questões do património existente no nosso concelho herdado dos nossos antepassados, depois de em finais do ano passado ter publicado um artigo com características teóricas relativo à mesma matéria.
O rol de exemplos que aqui incluo para muitos de vós talvez sejam a ilustração de algo não classificado integralmente como de património construído, aliás, à semelhança do que possa ter acontecido com os artigos anteriores. No obstante, quando se fala em património e na necessidade de o conservar, preservar e valorizar, não falamos somente de monumentos, de palácios, de conventos ou de gravuras do Paleolítico. Falamos, igualmente, nas pequenas coisas que por singulares que são invadem suavemente o nosso quotidiano, é essas pequenas coisas que eu procuro divulgar e fomentar um "cuidar de si" por todos nós e para os outros. Assim apresentei os moinhos de água e a sua importância enquanto exemplares únicos de ligação do homem, no caso o moleiro, à terra. Assim apresentei os objectos do quotidiano rural que gradualmente tendem a desaparecer, por isso a urgência de manter pelo menos exemplares únicos em estrutura própria. Desta vez, neste número do nosso Planalto, preocupei-me em alargar o âmbito desta pequena viagem com outros símbolos da nossa riqueza cultural e natural. As fotografias apresentam três momentos únicos da nossa história em três exemplares nada semelhantes. Procurei recolher alguns ícones da sociedade civil, da vida religiosa e da dimensão sócio-técnica: por isso apresento o pelourinho do Folhadal, pilar da fundação desta terra, uma dádiva de D. Dinis aos seus 26 moradores e um legado que nos ficou desses moradores; por isso apresento o cruzeiro, um símbolo da religiosidade das nossas gentes e do seu respeito pelos mortos; e por isso apresento o denominado marco geodésico, que apesar de ser um monumento classificado não passa de uma desconhecida torre a fitar a beleza da Serra da Estrela como se a distante montanha fosse uma miragem.
Sei que outros exemplos se podem oferecer ao leitor, por agora vão ter de ficar de fora, mesmo assim tenho a convicção de que os exemplos apresentados despertaram em vós o interesse pelas questões que aqui me trazem. Se bem se lembram tinha um objectivo à partida, que era exactamente o de elucidar a população e os seus representantes para a necessidade de dar continuidade ao projecto de comunidade ensaiado pelos nossos antepassados, sobretudo no que se refere ao respeito pelos valores naturais e patrimoniais, tarefa a executar mediante a valorização das suas heranças e pela sua transmissão às gerações vindouras. Dizer que esse objectivo foi conseguido corresponderia à valorização de mim próprio, não é isso que pretendo concretizar. Estou convicto que alcançar os objectivos a que me propôs não é obra de uma única pessoa nem se consegue num só dia, terá de nos comprometer a todos e de ser um processo continuado, não um processo de intenções, antes um processo de constante aprendizagem e reprodução dessa aprendizagem, também ela a passar dos pais para os filhos, de gerações para gerações. O meu maior desejo é contribuir para a efectivação desse projecto de aprendizagem.
Cabe a cada um intervir na defesa dos seus legítimos interesses, ainda que em verdade não sejam interesses individuais. Neste processo cabe às escolas, como principais instituições socializadoras, a par da família, participar no processo educativo e civilizacional das nossas crianças, incutindo-lhe esses princípios colectivos e promovendo um cada vez maior envolvimento destas crianças com o meio natural e cultural que as envolve. Em contrapartida, cabe aos poderes públicos satisfazerem os anseios das populações que representam, agindo em consonância com os princípios para o qual foram eleitos, na sua qualidade de representantes do interesse público.
Na conclusão deste texto e desta trilogia deixo uma ideia, que penso possível de concretizar, pois os custos são certamente menores que a herança que permitem deixar. A ideia foi sendo ao longo dos últimos meses que convosco estive apresentada, refiro-me à catalogação em livro ou publicação similar de monumentos e lugares da nossa história e do nosso concelho. Esta obra, por certo, iria encher de orgulho as nossas gentes e acabaria por ser também ela um monumento da nossa história, para além de um catálogo turístico por excelência. Até lá deixo estes meus artigos, que em papel ou no futuro em microfilme, podem também servir de breve testemunho das nossas riquezas e, infelizmente, da nossa manifesta incapacidade de as reconhecer enquanto total. Por mim, por todos nós, não é esse o meu desejo. Aliás, felizmente, sinto que não é esse o desejo de nenhum de nós, prova disso está na atenção dada por todos ao problema focado no meu artigo "Água imprópria para consumo", espero pela sua continuidade. Aproveito para apresentar as minhas desculpas a todos aqueles a quem quer que a água faz falta para regar os seus canteiros, espero que compreendam que quando se trata de Saúde Pública o interesse colectivo não pode de modo algum ser colocado em risco. Obrigado!

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:20
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Memórias que não se querem apagar - Profissões de outrora (in Planalto 1998-2002, sem fotos)

À memória da minha avó Teresa,
que me ensinou a trilhar tanto estes como outros caminhos da vida


Após ter publicado no final do ano passado, neste nosso jornal, um artigo genérico dedicado à problemática da preservação do património, designado "Memórias que não se querem apagar", no que agradeço desde já as fotografias que ilustraram fielmente as minhas palavras, achei por bem dar sequência ao carácter ainda mitigado da reflexão nele contida. Desta feita, embora sem possuir o engenho e a arte de um jornalista, parti para este imenso reservatório de cultura que são as nossas tradições, os nossos antepassados, a nossa ligação à terra fértil e cheia de encantos, em direcção aos símbolos da presença do homem sobre a terra e aos objectos utilizados na sua conquista. Assim, para dar cumprimento a esses objectivos encetei uma pequena recolha fotográfica desses elementos que penso serem caracterizadores da nossa história e do património do nosso concelho, sendo certo que a essas imagens estáticas acrescem outras tantas rendilhadas de movimento, de um labutar quotidiano das nossas gentes e de um descontraído gesticular da natureza vivido no sublime voo das aves e no sequencial correr das águas rumo ao grande oceano. É assim que surge o presente artigo, certamente também ele construído com os materiais que a memória de acontecimentos vividos e contados coloca à disposição e sem os quais seria uma tarefa em vão partilhar convosco estes momentos.
Sublinho desde já que, de modo a aproveitar o acervo fotográfico iniciado já há cerca de dois anos e agora reforçado, penso vir ainda a publicar nos próximos meses dois outros artigos, respectivamente com os subtítulos "Instrumentos do quotidiano rural" e "Lugares da História", podendo eventualmente haver lugar para mais alguma apresentação. Cumprindo-se assim uma trilogia de exemplos apresentada a partir da reflexão generalista acima referida
Feitas as anotações a esta peça cabe frisar que a sua tematização obedece unicamente a critérios que se prendem com a necessidade de cuidar e dar a conhecer os elementos do património em risco de destituição da memória e da sua própria narrativa. Move-me a vontade de contribuir com estas minhas palavras para o engrandecimento dos nossos valores naturais e patrimoniais, e para a necessidade não só da sua protecção e preservação, mas tanto mais da partilha com as gerações mais novas. A sua publicação num jornal com as características do Planalto aumenta, quanto a mim, o sentido de oportunidade do texto, uma vez que enquanto testemunho, singular por certo, da identidade e dos elementos locais surge, assim espero, como um contributo ao não esquecimento e como um esforço no sentido de um cuidar de si para aos outros dessa identidade e desses elementos locais. Tarefa para o qual a imprensa regional e local tem um papel importante a desempenhar, embora seja a nós mesmos que cumpre todo o empenho e sentido de participação neste como em outros processos, é essa aliás uma das nossas responsabilidades de cidadãos, face ao qual de modo algum nos devemos abster.
Caros amigos! Chamei a este artigo "Profissões de outrora", embora dedicado a lugares e presenças, sabendo que desses lugares e desses gestos doces retirados à Natureza, como se pode ver pelas fotos, nada mais resta do que um amontoado de granitos submersos em silvas e mato maior que os sonhos do Homem. Foi por causa disso que me aventurei a fotografar um desses lugares, já sem profissões, já sem gentes e sem o singelo sabor a humanos sorrisos. Digo-vos que foram enormes as dificuldades que passei para obter estas fotografias, mas estou consciente de que essas barreiras naturais e a sua beleza exigem um pouco de empenho na sua reconquista, para mim não são essas dificuldades que fazem sentido, partilho com todo o prazer estes momentos, sabendo que a película não registou as tantas vezes que por ali passei nem as tantas vezes que por ali me detive.
Como podem observar, esta é assim a história da aventura de muitas vidas, aqui somente deixo uma alusão minimal do lugar, uma breve viagem que agora eu próprio também efectuei por entre giestas, silvas e coisas tantas. O motivo de apresentar este artigo prende-se basicamente com a necessidade de reflectir e de fazer incidir as minhas reflexões sobre outros lugares do concelho, sem que com isso deixe de estar presente a realidade vivida de muitos anos na minha outrora pequena aldeia e os laços bem fortes que nos unem. Como muitos sabem, a minha ligação à terra durante muitos anos tomou o ritmo que as colheitas nos dão e por causa disso tomou o rumo de vários locais nem sempre próximos, tomou o rumo das vinhas, dos olivais, do milho para regar, do frio singelo de Inverno e do colorido estonteante das outras estações do ano. Foi, pois, em face das últimas palavras que procurei uma encruzilhada de tempos e de lugares.
O trecho de água que move o moinho de água aqui exposto localiza-se a noroeste das Caldas da Felgueira, a uns escassos metros da ponte sobre o ribeiro que já moveu esta mó, na confluência da minha infância e adolescência com a distância forçada da idade adulta. Recordo ainda, embora de poucas vezes, haver por ali um moleiro que com um burro transportava as sementes para o seu moinho, como num ritual de harmonia entre as águas e a cadência da mó. Enquanto a farinha haveria de retomar todo aquele percurso, com o burro e o seu dono a subirem a pequena ravina em esforço com o suor de um dia de trabalho. Lembro-me de ter espreitado algumas vezes para o rodopiar daquele imenso granito sobre as sementes, também elas colhidas com suor da Natureza. Encantava-me aquela cadência! Além disso não sabia o porquê daquele homem ter as suas roupas salpicadas de branco, ainda por cima numa terra em que as roupas pretas sempre serviram para enlutar os corações. Como se fosse magia, homem, animal e naturezas aparentemente mortas, faziam parte de um imenso quadro com uma beleza sem igual, onde as máquinas se ficavam por um velho relógio, também ele salpicado de farinha, retirado do velho colete e onde as palavras se limitavam a tantas ausências como às vezes que o velho moleiro reclamava com o seu burro, pois nem sempre tinha com quem partilhar um "Bom dia!" que fosse.
Os lugares de que vos falo vivem agora inertes a si mesmo, sem vozes, num imenso silêncio, sem silêncios, sem o suor dos homens e a companhia dos animais. Não sei se ainda haverá vivos moleiros de moinhos de água no nosso concelho, penso que constituiria um gesto de gratidão a recolha do testemunho das suas vidas e partilha dos seus rituais de ocupação da natureza com todos os leitores. Não me refiro tanto a uma recolha científica exaustiva, mas a um relato sabido e verosímil que na sua transcrição permita constituir-se como testemunho vivo de uma profissão e de uma memória imensa.
Através destas palavras levo até vós, Amigos, o exemplo de profissões que entretanto se extinguiram, pelo menos nos moldes em que era outrora exercida, considerando o exemplo dos moleiros como um dos mais ricos nessa qualidade de exemplo pelo facto da sua herança, os moinhos, nos permitir pensar na sua labuta e na sua relação tranquila com a natureza. Embora sabendo que este é somente um dos múltiplos exemplos de profissões que o avanço do modelo sócio-técnico praticamente extinguiu, outros exemplos podem ser dados e posteriormente trabalhados.
Ao terminar cumpre referir que a tematização de uma matéria, que para muitos poderá nem sequer ser classificada como notícia, ganha maior dimensão ao permitir levar à discussão outros elementos, como sejam: a utilização de energias alternativas, neste caso a força quase inesgotável da energia das águas no mover da mó; o património construído como factor de promoção turística, certamente de grande interesse neste caso dada localização do moinho nas proximidades das Termas das Caldas da Felgueira, local turístico por excelência da nossa terra; e o problema da poluição das águas, o ribeiro em referência transportou durante anos "escorrências" porventura radioactivas dos minérios da Urgeiriça, não sei até que ponto devidamente tratadas e salvaguardada a saúde pública. Aqui fica simplesmente a referência de alguns desses tópicos, os quais merecem só por si uma reflexão atenta e a recolha de outros elementos que possam servir de suporte a outra qualquer reflexão, sem os quais não me quero atrever a falar no vazio.

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:19
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Memórias que não se querem apagar (in Planalto 1998-2002, sem fotos)

Prezados leitores! Decidi falar-vos de algo que porventura todos os dias se nos apresenta, que invade as nossas emoções e as nossas razões, mas que talvez por isso nos deixa indiferentes, ainda que todos os dias a comunicação social de massas insista na tematização de idênticas matérias. Falo-vos do património deixado pelos nossos antepassados. Elementos que, como sabem, encontram grande visibilidade no nosso concelho, embora sem que muitas das vezes vejam a sua importância na nossa história e no nosso quotidiano devidamente restituída à nossa terra e às nossas gentes.
Se se recordam de outros momentos em que cheguei até vós sabem como me encanta este espaço verde, brilhante, sempre a sorrir mesmo nos momentos de maior tristeza. São os nossos pinheiros que nos invadem com o seu cheiro a resina, as nossas oliveiras a lembrarem o gelo de inverno, as nossas vinhas a lembrarem as nossas gentes reunidas em enorme azáfama prolongando por séculos a partilha de tarefas pelos membros da comunidade.
São também as memórias que me movem. As minhas e as que ao longo da minha modesta existência me foram sendo reproduzidas em histórias que soube escutar e guardar. Hoje, no entanto, não vos vou falar dessas memórias. Falo-vos de outras que nos surgem todos os dias, mas perante o qual tantas vezes persiste a nossa indiferença. Como acima referi, falo-vos do nosso património, das heranças de antepassados longínquos esculpidas no granito pelo suor, lágrimas e paixões dos homens. O objectivo destas palavras, também elas cinzeladas, é dar um contributo no sentido da tomada de consciência de todos nós para o necessário cuidado merecido por essas heranças. É a defesa do nosso património que está em causa, como expoente máximo da nossa identidade, e tão sujeito a várias ameaças, sendo a maior de todas elas o nosso próprio esquecimento ou a memória retraída das nossas heranças.
Onde está a história do nosso povo? Não deve ser certamente silenciada pela indiferença no silêncio dos granitos ou das casas destelhadas. Deve ser enobrecida toda essa herança para que as gerações vindouras possam igualmente delas usufruir e para que as gerações vindouras sintam a nossa preocupação, quer para com elas quer para com os nossos antepassados. Só através da consciência de todos poderemos ver garantida a passagem desta herança colectiva para os que a seguir a nós virão. Não nos basta deixar palavras, gestos de intenções que se guardam para momentos de maior solenidade, importa sermos capazes de deixar a todas as gerações seguintes não só o património intacto mas, e talvez o mais importante, a importância que esse património assumiu ao longo das nossas vidas, quer como memória reposta de outros antepassados quer como juízo simbólico ao nosso sentir a sua presença em nós.
Cabe-nos a nós, cidadãos conscientes e responsáveis, zelar por este património colectivo, contando para tal com a intervenção efectiva de todos, seres individuais ou mesmo representantes institucionais. Certo é que os poderes públicos, centrais ou locais, têm de assumir as suas responsabilidades nesta como em outras matérias, contudo não podemos permanecer apáticos à espera que esses mesmos poderes públicos tomem qualquer iniciativa com o qual vamos concordar ou discordar. Cabe-nos a nós, em primeira instância, enquanto cidadãos e membros desta comunidade não só zelar por essas heranças como, se for esse o caso, solicitar junto dos poderes públicos a sua intervenção. É a nossa intervenção que dá voz ao nosso sentir toda esta pesada herança e garante a nossa participação efectiva na denominada sociedade civil, fundada neste aspecto como expressam da nossa responsabilidade.
Aproveito esta minha curta intervenção para vos apelar a um sentido maior de preocupação com tudo aquilo que nos rodeia e que tantas vezes se nos apresenta de forma indiferente. Sinto que estamos a perder um pouco de nós mesmos. Ora são as nossas crianças a trocarem tantas vezes o olhar atento das meras pedras da calçada por um qualquer artefacto desmembrado em plástico e infelizmente produzido por outras crianças, ora são os nossos idosos que não conseguem ver recolhido o testemunho original das suas vidas. Entre esse eixo de preocupações decidi reflectir com vós sobre o nosso tão valioso património que, como sabem, devidamente salvaguardo pode ainda ser um importante elemento de promoção da nossa região. Património e espaço natural são, sem dúvida, duas mais valias que possuímos e delas podemos e devemos tirar partido através da sua inclusão em iniciativas culturais e turísticas, entre outras.
Não podendo fazer aqui, por razões óbvias, um levantamento exaustivo de todas as situações deixo como exemplo as sepulturas antropomórficas localizadas no Largo do Colóquio/Rua do Pombal - em total abandono- , e o praticamente lendário Buraco da Moira, ambos localizados no Folhadal. O mesmo se aplica a tantos cruzeiros existentes em todo o concelho, os quais não devem ser unicamente encarados enquanto meros pedaços de granito trabalhado, como sabem, simbolizam o sangue derramado sobre a terra, nessa medida, cabe-nos a nós zelar pela sua conservação e pela sua identificação, cumpre-nos esse ensejo. Tantos outros exemplos diariamente se nos apresentam, basta que cada um lance o seu olhar atento. Tantas histórias porventura se estão a perder, porque não promover a sua divulgação e estudo? Estou certo que em muitas localidades do nosso concelho temos um valioso património a defender e promover.
Concluindo a minha exposição, deixo como sugestão que se proceda, de modo genérico, da seguinte maneira relativamente a tudo quanto possa revelar-se de interesse histórico: limpeza e melhoria de acessos nos casos necessários, colocação de placa de identificação no local, levantamento fotográfico com fins de catalogação. A estas primeiras intenções deve seguir-se a realização de uma exposição fotográfica e etnográfica com o material recolhido, paralelamente ao qual é possível, assim penso, organizar visitas de estudo regulares dos alunos das nossas escolas e de todos os interessados, podendo mesmo incluir-se em roteiro turístico. Por mim, fica a sugestão e a disponibilidade para colaborar em qualquer iniciativa. Obrigado!

José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:18
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Crónica do mundo rural (In Planalto 1998-2002)

Mais uma vez recorro às minhas memórias, por sinal bem recentes, para escrever umas breves palavras neste nosso Planalto. Como muitos dos leitores sabem, antes de rumar a Lisboa e de me movimentar em territórios da sociologia, passei cerca de um quarto de século nesta nossa terra, onde adormeci e acordei com as sementeiras e as colheitas. Tantas foram as vezes que a terra se viu rasgada pelo meu suor, tantas foram as vezes que a madeira se viu desfeita na lenha que nos dias frios me ajudava a aquecer e me concedia ao longo do ano o sabor das refeições cozinhadas com o odor a natureza viva.
Não quero com este remate inicial escrever um qualquer artigo autobiográfico, como muitos de vós sabem muitas são as vezes que prefiro o anonimato e o silêncio, quero, isso sim, obter um ponto de ancoragem para este meu texto. Nele recordo o calor do verão, o milho a crescer debaixo de um sol escaldante regado pela água tantas vezes partilhada em míngua entre vizinhos, à medida que o verão avança e a terra seca engole o próprio pó que gera. Também o milho que mais tarde juntará a família e os vizinhos em seu redor, primeiro ainda nos lameiros, depois debulhado em sonhos e colocado num pequeno pedaço de uma eira já repleta de suor.
Hoje em dia dou-me conta de que infelizmente esta descrição começa a fazer parte unicamente da memória colectiva, pois, factores como a procura de novas oportunidades de emprego e os impactos da Política Agrícola Comum (PAC) estão a reduzir a um insólito passado a nossa agricultura, ou uma substancial parte dela. Felizmente permanece o calor e a azáfama das vindimas, nelas se vão reunindo as nossas gentes para que em uníssono possam ainda partilhar um momento de glória, embora por vezes nem sempre abonatória.
O verão é também o momento em que se plantam as couves que na feira de agosto se compram e no Natal vão permitir a reunião da família. Esse verão que nos trás os nossos parentes que durante todo o ano laboram neste ou em outro país, esse verão em que devido aos actos tresloucados de alguns a floresta é consumida por chamas de vergonha e ineficácia.
Por minha conta retomo aqui o que outrora poderia ser uma descrição do quotidiano rural das nossas gentes, vejam-se como prova alguns pequenos excertos publicados ao longo de décadas nesse nosso jornal, que, muita embora os factores acima referidos, ainda se podem ler em breves linhas nos dias de hoje. A par das referências de casamentos, baptizados, óbitos e curiosidades, podemos ainda fazer a história da nossa tradição rural a partir dos relatos deste exemplar da imprensa local. Confesso o meu interesse por fazer uma historiografia deste povo com suporte na imprensa escrita e nos relatos dos ainda vivos, seria por certo não tanto um projecto de uma vida mas uma contribuição singular de um rebento desta terra pelas suas gentes, numa narrativa ainda por ensaiar, apesar da riqueza cultural deste povo.
Aproveito este esboço sobre o mundo rural para insistir junto de vós numa das questões sobre as quais mais me tenho batido - a participação dos cidadãos no espaço público político. Perdoem-me se serei inoportuno, mas os habitantes desta terra e todos aqueles que dela brotaram não devem permanecer na sombra dos acontecimentos, limitando-se muitas vezes a esperar algo dos outros, sendo que em muitas dessas vezes têm um desejo irreverente de denegrir o que é feito. Estou certo que não é essa a atitude correcta que um cidadão responsável deve assumir e capaz de corresponder às expectativas que em volta dele se geram, sobretudo no tocante à sua participação no processo político quotidiano. Como tenho assinalado ao longo dos já inúmeros artigos publicados neste nosso cantinho, participar no processo político não é votar quando nos chamam, mais do que esse ritual, corresponde, ou deveria corresponder, a uma preocupação de cada um para com os outros no dia a dia, quer sejam familiares, vizinhos ou meros habitantes do mesmo planeta, tanto os agora vivos como as gerações futuras, num sentido de comunidade que poderia muito bem fundar-se nos laços de comunidade característicos do mundo rural, onde a entreajuda tantas vezes superou o oportunismo de alguns. Nesse sentido, devemos reclamar de nós mesmos uma mudança de atitude em que, desculpem-me os termos, a banal intriga deve ser substituída pela participação do cidadão nos processos de tomada de decisão, caso contrário, a indiferença permitirá novas formas de oportunismo e se descobrirá a incapacidade de serem encontradas e discutidas as questões que a todos devem interessar. Tome-se de novo o exemplo dos trabalhos agrícolas enquanto ponto alto da afirmação desse sentido de comunidade e desejo de pertença, assim se poderá perspectivar uma participação efectiva de todos nos processos que a todos dizem respeito, caso contrário a nossa identidade rural, beirã, portuguesa, tende a diluir-se na numa manta de pó subvertido por uma ideia de global e de absoluto, em desfavor de uma identidade singular como a nossa, questões sobre as quais me ocuparei certamente em tempo mais oportuno, pois neste pequeno articulado de palavras quis apenas recuperar cenários de um mundo em abandono e perspectivar uma responsabilização de todos nesse como em outros processos que somente a nós dizem respeito. Da parte do amigo leitor espero que faça uma reflexão nesse sentido, que se questione e vá questionando os outros, pois é com o debate de ideias que a mudança para a permanência se poderá efectivar. Deste vosso amigo sabem que podem obter todo o tipo de apoios e esclarecimentos. Sendo este um artigo dedicado ao mundo rural não posso terminar estas minhas palavras sem expressar a todos o meu desejo de que tenham este ano "Boas colheitas".


José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:17
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Quotidianos Estrangeiros no Portugal de Hoje (in Planalto 1998-2002)

Caros amigos! Mais uma vez em jeito de carta partilho convosco umas quantas palavras e umas quantas angústias, angústias não porque aproveite este nosso jornal para vos falar sobre a minha luta, angústias sim porque partilho convosco o que o ser humano é capaz de fazer a outro ser humano, tantas vezes sem escrúpulos, movendo-se unicamente pela ambição, pela vontade do lucro e do proveito somente para si mesmo.
Falo-vos assim porque nos meus olhos estão ainda presentes as imagens televisivas dedicadas a alguns exemplos de trabalhadores da Europa de Leste, agora em novo período de legalização, que neste nosso país são espoliados da sua força de trabalho e da sua dignidade. Prometem-lhes o paraíso, um lugar tranquilo onde o trabalho não falta, mas com essas promessas retiram-lhes todo o dinheiro que com tanto sacrifício tinham angariado para a viagem e retiram-lhes parte da sua condição de humanos. Muitos acabam por ficar dias, meses e até anos a vaguear por entre as nossas ruas e as plantas dos nossos jardins, contando a si mesmos que nas suas terras foram médicos, arquitectos ou engenheiros, enquanto se alimentam com a boa vontade que a eles possa chegar, pelos menos uma vez por dia, pois sabem que as lágrimas são o seu maior alimento, sem esperança de si e de cuidar dos seus lá longe, deixam que os seus rostos se disfarcem no meio da indiferente multidão, escondendo assim a sua dor.
Amigos, dou uma especial atenção ao caso de Nicolae, um ainda jovem moldavo que esgotando os seus sonhos acabou tetraplégico num hospital do Algarve e a contar uma história insólita, tudo aquilo tinha acontecido numa praia. Insólita porque em quatro meses com o suor do seu trabalho pagou as suas dívidas e encheu de alegria a sua família, insólita porque a praia algarvia por certo não se destina a um qualquer trabalhador da construção civil vindo da Moldávia, por sinal o mais pobre país da Europa. Certamente que a praia para pessoas como Nicolae se apresenta unicamente como uma miragem, bem vista lá do alto à medida que os empreendimentos que constróem para "outros" turistas vão ganhando forma. No ecrã a esposa de Nicolae e os filhos em agonia sentem a sua falta, no limiar da pobreza sentem que perderam o seu ente querido e com ele perderam também o pão que as suas bocas contariam comer. Tal como na história de tantas famílias portuguesas, fica a vida das pequenas crianças famintas entregue ao suor da mãe solitária e dos seus avós, fica um futuro marcado pela dor do presente.
Numa altura em que no país se procede a um novo processo de legalização de estrangeiros, para muitos somente investidos do rótulo de imigrantes ilegais, importa reflectir sobre todo este processo e sobre o nosso próprio passado. É triste meus amigos o que se passa com os estrangeiros ilegais neste país! Como portugueses, parece que estamos a votar ao esquecimento o nosso passado recente e mesmo o nosso presente, tudo aquilo que na verdade somos. Cabe-nos lembrar que os nossos pais foram os estrangeiros tantas vezes escorraçados de outros países, mas que ao erguerem-se permitiram a Portugal poder vencer gradualmente os seus desafios. Quantos anos as remessas dos nossos emigrantes foram um factor de desenvolvimento para o país? Nas nossas vilas e aldeias, nas nossas cidades, nas nossas universidades e no mercado de trabalho corre ainda o suor de uma geração que sobretudo em França e na Alemanha deixaram e continuam a deixar o suor do seu sangue para que as suas e as nossas gerações futuras possam ver garantido um futuro melhor. É essa uma das mais humildes e belas páginas da nossa história recente e é também um dos mais corajosos momentos da nossa existência, somente igualável à epopeia dos descobrimentos e da conquista de novos mundos. Novos mundos que outrora podemos revelar e que durante o século passado foi possível retomar em cada sonho que partia no silêncio da noite através da fronteira, e que tantas vezes se desfez e que tantas vezes se retomou.
É toda a nossa história que se repete, contudo, nós agora estamos do lado cá a ver chegar os sonhos dos outros. Não compreendo, nem aceito, como se pode quebrar o que outrora foram os nossos sonhos. Não sei como pode este país permitir que empresários, por vezes sem escrúpulos, possam explorar da forma que é pública quem na verdade quer tão somente trabalhar para assim dar de comer aos seus lá longe. Tal como todos nós deposito as minhas esperanças na nova Lei, sei no entanto, tal como todos nós, que as leis somente são eficazes se para tal forem criados os instrumentos eficazes, caso contrário Portugal poderá ser palco de novas formas de o homem escravizar o homem que nos devem envergonhar.
E logo nós portugueses, por vocação e por nascimento, que fomos capaz de em condições tantas vezes dramáticas conquistar esses novos mundos, de que acima vos falo. Tantas vezes misturados com o gado, fechados durante o dia em autênticos currais para animais, viajando pela incerteza da noite, sem comida que se digne desse nome e sem condições de higiene, partimos e conseguimos vencer, colocando um fim a tantas angústias, a tantos dias em que um pedaço de pão teria de ser dividido pelos olhares dos membros da família. Por isso, Amigos, não posso aceitar que assim se cuide de quem quer dar continuidade à nossa obra, acredito o necessário nas instituições para ter confiança num futuro melhor, que não nos envergonhe e que seja capaz de conferir a verdadeira dignidade a todos aqueles que lutam pelos seus ideais e pelo bem estar das suas famílias. É essa a nossa própria bandeira enquanto portugueses no mundo, por isso nos cabe igualmente a sua defesa quando se trata de quem connosco partilha o seu suor e as suas lágrimas, lágrimas pela ausência dos seus, lágrimas por ter sido espoliado dos seus magros haveres e da sua condição de iguais.
Antes de terminar gostaria de frisar o seguinte: falei-vos de moldavos, ucranianos e outros da Europa de Leste, mas na verdade poderiam bem ser de um qualquer país irmão, de Angola, Moçambique, Guiné - Bissau, Santo Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Brasil e Timor; por certo os seus dramas são idênticos a todos estes, por certo os seus dramas são idênticos aos dramas da nossa diáspora, que tantos portugueses levou a todo esse mundo; embora muitas vezes a língua comum se possa permitir pensar como uma emoção comum e possa facilitar que as palavras tomem na saudade as suas sílabas.


José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:17
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Toladal ou Folhadal - contributo para a história da nossa terra (in Planalto 1998-2002)

Caros amigos! Mais uma vez em jeito carta escrita cá estou eu perante a vossa companhia. Desculpem-me pelo facto de não poder estar com mais frequência convosco, ainda que seja esse um desejo meu. Apesar da minha distância física são muitos de vós que sabem que eu vos tenho sempre presentes, de igual modo nunca retiro a nossa terra da minha memória, continuo como outrora a pisar as pedras da calçada, a refrescar o rosto numa fonte numa tarde quente de Verão, a pisar a terra já batida dos caminhos que chegam às nossas matas e às nossas propriedades.
Esses são mais do que motivos para desvendar alguns segredos, que a mim mesmo nunca me tinham sido revelados. Foi assim que um destes dias de forma serena percorri as páginas de um dos volumes do grande dicionário sobre localidades deste país que Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Pinho Leal escreveu em 1874, com o título principal: Portugal Antigo e Moderno. Já conhecia alguns dos volumes desta obra, por isso decidi percorrer nas suas páginas o momento em que este falaria do nosso Folhadal e de Nelas. Infelizmente ao pesquisar por Folhadal nada encontrei, mas quando quase tinha desistido ao pesquisar por Nelas deparei-me com uma breve história do nosso concelho e quase no fim, como uma parte solta, com diversas informações sobre uma localidade designada por Toladal, facto que me intrigou, pois não imaginaria tão estranho nome. Enganem-se os que pensam que poderei ter visto mal e será porventura Foladal em vez Toladal, pois também me surgiu essa dúvida, por isso verifiquei se estava correcto.
No volume percorrido, após uma descrição de «Néllas» - referente sobretudo à sua localização, número de fogos, Santa Padroeira, total de freguesias e referências as forais de «Néllas» e «Cannas de Senhorim», ambos dados por D. Manuel em Lisboa a 30 de Março de 1514 -, a obra de Pinho Leal apresenta então o Toladal, que pela descrição seguinte coincide com o nosso e formoso Folhadal.
Inicia-se deste modo essa referência ao Toladal:
«Ha n'esta freguezia a aldeia do Toladal, situada em um monte a 1:200 metros do rio Mondego, e 3 kilometros de Cannas de Senhorim Distâncias que nos fazem duvidar sobre a coincidência com o actual Folhadal;
No centro d'esta aldeia, está a capella da Senhora da Tosse, fundada pelo povo d'este lugar, no meio de um grande terreiro, onde se vê uma frondosa amoreira. A amoreira não sei se existiu mas parece não existir dúvidas de que se trata do Folhadal.
Prosssegue.
É tradição que a primitiva ermida da Senhora da Tosse, era junto à margem direita do Mondego e que foi mudada para aqui, por causa das enchentes do rio Mondego, que a danificavam. Se a memória não me falha o artigo publicado há uns anos por Eduardo Proença-Mamede dá conta dessa mudança da ermida.
Faz-se festa d'esta Senhora, na 2.ª oitava da Paschoa, e é muito concorrida.
N'este dia costumavam vir aqui em procissão, os povos das freguezias de Cannas de Senhorim, Villar Sécco, Senhorim e Néllas, com seus respectivos parochos.
(...)» (In Pinho Leal (1874), Portugal Antigo e Moderno (...), vol. VI).

Amigos! Este Toladal naturalmente só pode ser o nosso Folhadal. Estou estupefacto com tudo isto e a cada dia com mais vontade de descobrir novos elementos sobre esta nossa terra, pois pessoalmente ignorava esta designação. Dependerá certamente do tempo que possa disponibilizar e da vossa ajuda, pois não me parece que deva ser apenas um capricho meu. Durante os últimos anos tenho feito várias propostas, algumas bem recebidas outras ignoradas, mas penso que esta referência directa ao Folhadal de todos nós despertará o vosso interesse pela nossa terra e pela sua história. Assim termino com um pedido: acrescentem o vosso contributo ao meu contributo. Assim transmitiremos o passado e o presente aos vindouros.


José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:16
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Notas sobre a história da nossa terra – Toladal ou Folhadal? (in Planalto 1998-2002)

Porque no devido tempo foi impossível da minha parte dar resposta ao artigo do Sr. M. Borges, «Toladal ou Folhadal», onde comentava e esclarecia alguns pontos relativos às origens do nome da nossa terra, após a publicação de um artigo meu sobre a mesma matéria, venho agora tecer alguns comentários ao citado artigo.
Este meu segundo artigo apenas ocorre porque convém fazer alguns esclarecimentos, não tanto sobre as origens do nome da nossa terra, mas mais sobre o contexto em que surgiu o meu primeiro artigo e sobre a estrutura do artigo que lhe sucedeu. Relativamente ao meu primeiro artigo, convém, desde já, advertir o leitor que não me confesso conhecedor do passado da nossa terra. Como a maioria de nós, pouco sei, por isso quando algo de interessante surge penso ser meu dever divulgar essas informações, foi assim que em presença dessa convicção escrevi as palavras que escrevi. Note-se que esse meu artigo é denominado: «Toladal ou Folhadal: contributo para a história da nossa terra». Acredito que tenha sido de facto um contributo, pois devido a ele o Sr. M. Borges escreveu o seu artigo e partilhou connosco um conjunto de informações preciosas sobre este nosso Folhadal, informações que sem o meu artigo poderiam não ser divulgadas tão amplamente e assim colocadas no éter para a posteridade.
Sobre o meu primeiro artigo cabe-me dizer que apenas ocorreu porque me deparei com aquela pequena referência, foi então que ao sentir poder ter interesse substantivo para a nossa terra que achei por bem fazer a sua divulgação. Note-se que em todo este processo não assumi uma posição pessoal sobre a matéria, pois não estou perante uma matéria em que possa assumir objectivamente uma opinião. Trata-se de uma matéria que implica investigação aprofundada, para o qual não sei se terei o engenho e a arte, nem disponibilidade imediata, nem um possível financiamento de alguma entidade, uma vez se tratar de uma tarefa que implica uma enorme entrega de quem a ela se dedicar. Não quero com isto dizer que não possa dar o meu contributo, é, aliás, com esse objectivo que sou conduzido a escrever alguns artigos para este nosso Planalto, e escrevo movido pela convicção de que as minhas opiniões podem configurar algum contributo válido.
Antes de qualquer referência ao extracto de Pinho Leal, retirado do seu Portugal Antigo e Moderno, e por mim transcrito, será oportuno tecer um breve comentário ao artigo do Sr. M. Borges, não aos conteúdos, esses parecem surgir apresentados de forma rigorosa e sabida, mas ao contexto em que a sua apresentação surge. Pela minha parte, e quem sabe por parte de alguns leitores, fico sem saber a quem é dirigido o primeiro dos parágrafos. Como se pode ver, o artigo do Sr. M. Borges começa por fazer uma alusão ao meu artigo, mas depressa se desliga dele, ou não, quando nos diz, passo a citar: «Na verdade trata-se duma incorrecção grosseira sem nenhum crédito, porque o nome Folhadal (...)», depois prossegue com a descrição à origem do nome.
Ora, o que está em causa é que tenha ou não Pinho Leal feito a menção correcta à nossa terra, ficamos sem saber a quem se referem as palavras «incorrecção grosseira» e «falta de crédito», não está esclarecido se é a mim próprio, acredito que não sejam. No caso de ser a mim próprio não vou fazer comentários de qualquer índole, pois o Planalto não deve ser usado em promoção própria. Se os comentários são dirigidos à referência de Pinho Leal, pela minha parte aceito as correcções feitas, embora seja interessante verificar o motivo a que se deve a incorrecção de Pinho Leal. Seria de facto um «incorrecção grosseira» por parte dele ou o termo «toladal» não nos surge por acaso? Questões que ficam sem resposta. No entanto, aceitando, como o fazem algumas enciclopédia, que «toladal« designa a área / povoação entre ribeiras, não estranharia se a hipótese de Pinho Leal tivesse um pouco de verdade, foi aliás perante essa possibilidade que decidi publicar o primeiro artigo sobre a matéria, mas isso é mera especulação da minha parte.
Seja como for, com os artigos publicados sobre a mesma matéria, de que este é pelo menos o terceiro, fica o lugar da nossa terra perpetuado por mais uns anos, através do nosso Planalto, isso é que realmente interessa. Pena é que o conjunto de saberes sobre o nosso concelho continuem dispersos, pela parte que me toca, e estou certo, pela parte de muito de nós, seria uma grande obra para o nosso concelho conseguir reunir em livro texto e fotografias dos locais, dos principais elementos e momentos da nossa história, assim se perpetuava a memória de muitos e assim se promovia de forma bem visível esta terra de todos nós. Fica o desafio às entidades oficiais, fica o desafio aos beneméritos e mecenas.
Para terminar, em resposta à disponibilidade do Sr. M. Borges para me enviar os dados sobre a nossa terra, muito agradecia da sua parte que os fizesse chegar até mim. Como grande parte dos leitores sabe tenho todo o interesse em escrever mais sobre a nossa terra, apesar de me encontrar um pouco afastado e de sempre vários afazeres. Mas terei todo o gosto em contribuir na reconstrução histórica do nosso Folhadal.


José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:16
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Recordações do meu pequenino Folhadal (in Planalto, 1998)

Relegada para a categoria de “Fim do Mundo” por uma pujante camada de residentes, esta pequena aldeia guarda para os ausentes um simbolismo que ultrapassa o extenso planalto, perfurando as margens que ladeiam o Mondego, por forma a invadir o sopé e o cume da Serra da Estrela.

Deste enorme miradouro fazem-se em poucos instantes viagens de quilómetros, que permitem absorver com o olfacto tudo o que a vista alcança.

Aos “locais” ausentes, permite, nos momentos de reencontro, a redescoberta do espaço perdido, o enfrentar de uma solidão sem ausências, porque cheia das presenças das pessoas que ao pisar de cada pedra da calçada nos dão os “bons dias”, nos arrastam para um passado sempre presente.

Este espaço de fuga. Fuga para um mundo cada vez mais competitivo, fuga de um mundo onde os interesses anulam as oportunidades.

Ao mesmo tempo, é um espaço sem fuga: porque nos conduz até à nossa infância, porque nos permite recordar o que por momentos se pensa estar esquecido, porque nos permite acreditar que nunca fomos esquecidos.

De uma cidade distante, ou de um país que sempre soube acolher os nossos entes mais distantes, sente-se o cheiro da terra a ser massacrada de forma desajeitada pela chuva, que sem surpresa vai escorrendo quase gota-a-gota das enormes nuvens que palmeiam o horizonte.

Sente-se o verde dos pinheiros a dançar ao sabor do gelado vento de inverno, cobrindo assim, na distância que a vista consegue alcançar, grande parte da superfície com uma manta, retalhada aqui e acolá pelos casarios que se avistam ou então pelos destroços dos incêndios que em cada ano deflagram nestas paragens.

Na memória, sente-se o cheiro das correrias pelos lameiros a abarrotar de água e da erva a ser cortada ao fim da tarde pelas mulheres com as mãos enegrecidas pelos calos e pela aragem fria que devasta os seus narizes.

Nos campos, correm os ribeiros que um dia assistiam às brincadeiras das crianças, que um dia assistiram aos encontros das mulheres a lavarem a roupa dos maridos.

Os penedos, gastos pelo espezinhar das cabras e ovelhas, escondem-se agora por entre o que outrora eram tímidos arbustos.

Na aldeia de hoje, as imponentes casas de granito surgem com a sua beleza por entre as novas habitações que um ou outro residente, que um ou outro ausente, foram erguendo com o suor do trabalho de parte das suas vidas.

Enquanto isso, as ruas guardam memórias quase milenares: testemunham a azáfama destas gentes e o percurso tomado pelos forasteiros em dias de procissão e romaria, ou em dias de baile, cruzando os destinos com os caminhos, fazendo do Folhadal um lugar de confraternização e de encontro da alma beirã.

Nota importante:
Tornou-se para mim quase obrigatório elaborar o presente texto depois da leitura do excelente artigo de Eduardo Proença-Mamede “Folhadal no Tempo e na História”, publicado no Planalto n.º679, de 15 de Dezembro de 1997. Agradeço ao Paulo Sá o ter feito chegar até mim o referido artigo.


José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:15
Quarta-feira, 05 / 01 / 05

Objectivos do blog

O blog tem por objectivos principais os seguintes:
- procurar e sensibilizar novos públicos dispostos a zelar pelo património cultural e ambiental da nossa terra
- na sequência do primeiro objectivo, procura ir mais além dos artigos publicados no Planalto de Nelas (novos públicos, múltiplas temáticas quase em tempo real)
- efectuar um levantamento fotográfico do património existente e colocar as fotografias no blog (embora o Sapo seja complicado, um dia aprenderei html)
- levar esse espólio a um público mais vasto (em Portugal e no resto do Mundo)
- identificar atentados ambientais e culturais e levar esse trabalho aos mais directos responsáveis
- sensibilizar a população local para a importância do que é seu e que exige a participação de todos no sentido da sua preservação
- POR ÚLTIMO, mas também muito importante, o blog servirá de arquivo aos artigos que tenho publicado no Planalto neste últimos anos.


José Gomes Ferreira
publicado por José às 11:13
Blog do Folhadal e de todo o concelho de Nelas

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